Pergunta
Queríamos comparar a segurança e a eficácia de drogas que dissolvem coágulos (trombolíticos) contra placebo ou nenhum tratamento em pessoas que estavam nas fases iniciais do acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico para ver se essas drogas melhoram o desfecho após o AVC (ou derrame).
Introdução
A maioria dos AVCs se deve à obstrução de uma artéria no cérebro por causa de um coágulo de sangue. O tratamento imediato com drogas que dissolvem o coágulo (trombolíticos) pode restaurar o fluxo sanguíneo antes de ocorrerem grandes danos cerebrais. Isso poderia aumentar a probabilidade de as pessoas se recuperarem depois do AVC. Por outro lado, as drogas trombolíticas podem causar hemorragia grave no cérebro, que pode ser fatal. Já existem muitos estudos clínicos que avaliaram a terapia trombolítica em pessoas com AVC isquêmico agudo. O medicamento trombolítico alteplase foi licenciado para uso dentro das primeiras 3 horas do AVC nos Estados Unidos e no Canadá e dentro das primeiras 4,5 horas na maioria dos países europeus. O número de pessoas que recebe este tratamento está aumentando.
Características do estudo
Identificamos 27 estudos que haviam sido publicados até novembro 2013, com um total de 10.187 participantes. A maioria dos dados veio de estudos que testaram uma droga (ativador de plasminogênio tecidual recombinante, rt-PA) injetada na veia dentro das primeiras 6 horas após o acidente vascular cerebral isquêmico agudo. Mas várias outras drogas também foram testadas, em períodos diferentes após o AVC e injetadas diretamente em uma artéria no cérebro em vez de uma veia no braço. Todos os estudos compararam uma droga que dissolve o coágulo com um grupo placebo (controle). A maioria dos estudos incluía participantes com AVC de moderado a grave. Todos os estudos ocorreram em hospitais que já tinham experiência no tratamento de pessoas com AVC. Como havia diferenças entre estudos, nem todos contribuíram com informações para todos os desfechos analisados; mas nós usamos todos os dados disponíveis. A maioria dos estudos incluía participantes após eles terem feito uma tomografia computadorizada (TC) para ter certeza que seus sintomas não eram devidos a uma hemorragia cerebral (alguns estudos usaram ressonância magnética em vez da TC).
Resultados principais
Há uma concordância geral entre os achados dos estudos anteriores e do estudo mais recente (IST-3), adicionado nesta atualização, sobre todos os principais desfechos. Também há uma concordância geral entre os 12 estudos que testaram o rt-PA e os 15 estudos que testaram outras drogas que dissolvem o coágulo. A principal diferença entre o estudo IST-3 e os estudos anteriores foi que o IST-3 teve muitos participantes com idade maior que 80 anos. O tratamento para dissolver coágulos pode reduzir o risco de o paciente depender de outras pessoas a longo prazo para as atividades diárias, porém aumenta o risco de hemorragia no cérebro, o que também aumenta o risco de morte precoce. Uma vez passado o risco de sangramento precoce, em três ou seis meses após o AVC, as pessoas que receberam as drogas que dissolvem coágulo tinham maior probabilidade de terem se recuperado do seu AVC e de serem independentes, especialmente se haviam recebido o tratamento dentro das primeiras 3 horas após o AVC. Os idosos foram beneficiados tanto quanto os mais jovens. O uso de aspirina junto com as drogas anti-agregantes aumentou o risco de sangramento e por isso esses medicamentos devem ser evitados. Novas análises dos dados individuais dos pacientes, tais como o resultado da tomografia cerebral antes do tratamento, e de diferentes maneiras de dar o tratamento, podem nos oferecer mais informações do que os dados resumidos que usamos aqui. Entretanto, as pessoas que acham que estão sofrendo um derrame devem ir rapidamente para o hospital, ser avaliadas por um médico especializado em AVC, fazer uma tomografia e receber drogas que dissolvem o coágulo assim que possível. Elas não devem hesitar por pensar que estão muito “velhas demais ” para o tratamento. O tratamento é muito efetivo se iniciado dentro de três horas do AVC e certamente melhora o desfecho se realizado até 4,5 horas após o AVC. Os efeitos do tratamento administrado depois desse tempo são menos claros e ainda estão sendo testados em estudos. É necessário realizar mais estudos em pessoas com AVC leve, verificando se o benefício de se usar drogas que dissolvem os coágulos supera o risco de hemorragia.
Qualidade da evidência
A evidência analisada nesta revisão vem principalmente de ensaios clínicos randomizados bem conduzidos, executados por especialistas em AVC. Alguns estudos (8/27) foram executados por empresas que produzem as drogas que dissolvem o coágulo, mas a maioria dos estudos (19/27, incluindo a maioria dos participantes) foi financiada pelo governo ou por entidades sem fins lucrativos independentes das empresas farmacêuticas. Esses resultados se aplicam a uma variedade de pessoas com AVC de gravidade variável e que também sofrem de outros problemas de saúde.
A terapia trombolítica, quando administrada nas primeiras 6 horas após o AVC, reduz a proporção de mortes ou de pessoas que se tornam dependentes. As pessoas tratadas dentro das primeiras 3 horas tiveram substancialmente mais benefícios do que aquelas que receberam tratamento tardio. Esse benefício geral era aparente mesmo havendo aumento na hemorragia intracraniana sintomática, mortes dentro de 7 a 10 dias e mortes no seguimento final (exceto para os estudos com rt-PA, que não tinham nenhum efeito quanto à taxa de mortes no final do seguimento). Estudos adicionais são necessários para identificar qual é a janela máxima de tempo para administrar essas drogas, verificar se pessoas com AVC leve se beneficiam da trombólise, para encontrar maneiras de reduzir mortes e hemorragia intracraniana sintomática e para identificar qual é o melhor ambiente para realizar a trombólise na prática de rotina.
A maioria dos acidentes vasculares cerebrais (AVC) é devida à obstrução de uma artéria no cérebro por um coágulo de sangue. O tratamento imediato com drogas trombolíticas pode restaurar o fluxo sanguíneo antes que ocorram lesões cerebrais maiores e pode melhorar a recuperação após um AVC em algumas pessoas. Por outro lado, as drogas trombolíticas também podem causar hemorragias graves no cérebro, o que pode ser fatal. Um fibrinolítico, chamado ativador de plasminogênio tecidual recombinante (rt-PA), está licenciado para uso em pacientes selecionados dentro de 4,5 horas do AVC na Europa e dentro de 3 horas nos Estados Unidos. Em alguns países, esse remédio só pode ser usado em pessoas com até 80 anos e, em outros países, ele só pode ser usado em pessoas com AVC não grave. Desde 2009, quando foi publicada a última versão dessa revisão sistemática, surgiram muitos novos estudos, o que aumentou em 40% a quantidade de dados disponíveis sobre esse tipo de remédio.
Avaliar se e em que circunstâncias, a terapia trombolítica pode ser um tratamento eficaz e seguro para AVC isquêmico agudo.
Fizemos buscas nas seguintes bases de dados: Cochrane Stroke Group Trials Register (última procura em novembro de 2013), MEDLINE (de 1966 a novembro de 2013) e EMBASE (de 1980 até novembro de 2013). Fizemos também pesquisa manual de anais de conferências e revistas, procuramos nas listas de referências e contactamos os responsáveis pelos estudos e empresas farmacêuticas.
Selecionamos ensaios clínicos randomizados que compararam qualquer droga trombolítica versus controle em pessoas com diagnóstico comprovado de AVC isquêmico.
Dois revisores aplicaram os critérios de inclusão, extraíram os dados e avaliaram a qualidade dos estudos. Confirmamos os dados extraídos com os investigadores de todos os principais estudos e conseguimos dados inéditos não publicados, se disponíveis.
Foram incluídos 27 estudos, envolvendo 10.187 participantes. Esses estudos avaliaram a uroquinase, a estreptoquinase, o rt-PA, a pro-uroquinase recombinante ou a desmoteplase. Em 4 estudos, os pacientes receberam os remédios pela via intra-arterial e os outros estudos usaram a via endovenosa. A maioria dos dados era proveniente de estudos nos quais o tratamento foi iniciado dentro das primeiras 6 horas após o início do AVC. Cerca de 44% dos estudos (cerca de 70% dos participantes) testaram o rt-PA endovenoso. Nos estudos incluídos na versão anterior da revisão, raros participantes (0,5%) tinham mais de 80 anos de idade. Nesta atualização, 16% dos participantes tinham mais de 80 anos de idade devido à inclusão do estudo IST-3, uma vez que 53% dos participantes desse estudo IST-3 tinham idade superior a 80 anos. Os estudos publicados mais recentemente, ao contrário dos estudos antigos, usaram randomização informatizada, diminuindo assim a probabilidade de haver desequilíbrios entre os grupos que entraram no estudo. Mais de 50% dos estudos preencheram os critérios de alta qualidade para ocultação da alocação; houve poucas perdas no acompanhamento para os principais desfechos.
A terapia trombolítica, administrada até seis horas após o AVC isquêmico, reduziu significativamente a proporção de participantes que morreram ou ficaram dependentes (índice de Rankin modificado de 3 a 6) na avaliação realizada entre três a seis meses após o AVC [odds ratio (OR) 0,85, intervalo de confiança de 95% (95% CI) 0,78 a 0,93]. A terapia trombolítica aumentou o risco de hemorragia intracraniana sintomática (OR 3,75, 95% CI 3,11 a 4,51), morte precoce (OR 1,69, 95% CI 1,44 a 1,98; 13 estudos, 7458 participantes) e morte de três a seis meses após o AVC (OR 1,18, 95% CI 1,06 a 1,30). As mortes precoces após trombólise foram principalmente atribuíveis a hemorragia intracraniana. O tratamento dentro de três horas do AVC isquêmico foi mais efetivo na redução da morte ou dependência (OR 0,66, 95% CI 0,56 a 0,79) sem qualquer aumento nas mortes (OR 0,99, 95% CI 0,82 a 1,21; 11 estudos, 2187 participantes). Havia heterogeneidade entre os estudos. As drogas anticoagulantes mais modernas aumentaram o risco morte. Os estudos que avaliaram o rt-PA mostraram redução significativa do risco de morte ou dependência quando a droga foi usada dentro das primeiras 6 horas (OR 0,84, 95% CI 0,77 a 0,93, P = 0,0006; 8 estudos, 6.729 participantes); essa metanálise teve alto grau de heterogeneidade. O uso dessa droga nas primeiras 3 horas foi mais benéfico (OR 0,65, 95% CI 0,54 a 0,80, P < 0,0001; 6 estudos, 1.779 participantes) sem heterogeneidade. Os participantes com mais de 80 anos tiveram benefícios iguais aos menores de 80 anos, especialmente se tratados dentro das primeiras 3 do AVC.
Traduzido pelo Centro Cochrane do Brasil (Arnaldo Silva)