Contexto
Recém-nascidos muito prematuros (que nascem antes das 32 semanas de gravidez) ou de muito baixo peso ao nascer (MBPN; menos de 1500g) têm risco de desenvolver uma patologia intestinal grave, chamada enterocolite necrotizante (na qual partes do intestino ficam inflamadas e morrem). Pensa-se que os bebés cujo crescimento no útero esteja comprometido tenham um risco elevado de desenvolver enterocolite necrotizante. Os bebés muito prematuros ou com MBPN são inicialmente alimentados com pequenas quantidades de leite e as quantidades vão gradualmente aumentando ao longo de vários dias. Atrasar a introdução e aumentar o volume de leite ao longo de vários dias após o nascimento pode ser uma forma possível de reduzir o risco associado a esta condição.
Caraterísticas do estudo
Pesquisamos ensaios clínicos que compararam o efeito da introdução tardia (mais que quatro dias após o nascimento) versus da introdução precoce de dieta entérica progressiva (onde o leite materno ou fórmula é administrada diretamente por uma sonda no estômago), no risco de enterocolite necrotizante, no risco de morte e no estado de saúde em geral, em recém-nascidos muito prematuros ou de MBPN. A pesquisa foi feita até Outubro de 2021.
Resultados principais
Encontrámos 14 ensaios com a participação de 1551 recém-nascidos. Cerca de metade destes recém-nascidos tinham evidência de crescimento comprometido enquanto estavam no útero. A análise combinada destes ensaios mostrou que a introdução tardia de alimentação entérica progressiva pode não reduzir o risco de enterocolite necrotizante ou morte. A alimentação tardia pode reduzir ligeiramente o risco de intolerância alimentar, mas provavelmente aumenta o risco de infecções graves.
Principais resultados e qualidade da evidências
Esta revisão fornece evidência, de baixa qualidade, de que atrasar a introdução da alimentação entérica pode não reduzir o risco de enterocolite necrotizante ou morte, para bebés muito prematuros ou de MBPN, incluindo recém-nascidos cujo crescimento no útero foi comprometido.
Atrasar a introdução da alimentação entérica progressiva para além de quatro dias após o nascimento (em comparação com a introdução precoce) pode não reduzir o risco de enterocolite necrotizante ou morte em bebés muito prematuros ou com MBPN. A introdução tardia pode reduzir ligeiramente a intolerância alimentar, e provavelmente aumenta o risco de infecção invasiva.
A alimentação entérica em recém-nascidos muito prematuros ou de muito baixo peso ao nascer (MBPN) é frequentemente adiada vários dias após o nascimento devido à preocupação de que a introdução precoce da alimentação possa não ser tolerada e possa aumentar o risco de enterocolite necrotizante. Existem, contudo, preocupações de que o atraso da alimentação entérica possa diminuir a adaptação funcional do trato gastrointestinal e prolongar a necessidade de nutrição parentérica, com os riscos infecciosos e metabólicos que lhe estão associados.
Determinar os efeitos da introdução tardia da alimentação entérica progressiva sobre o risco de enterocolite necrotizante, mortalidade e outras morbilidades em recém-nascidos muito prematuros ou com MBPN.
As estratégias de pesquisa foram desenvolvidas por um especialista de informação em conjunto com os autores da revisão. As seguintes bases de dados foram pesquisadas em Outubro de 2021, sem restrições de data ou língua: CENTRAL (2021, Edição 10), MEDLINE via OVID (1946 a Outubro de 2021), Embase via OVID (1974 a Outubro de 2021), Maternidade e Cuidados Infantis via OVID (1971 a Outubro de 2021), CINAHL (1982 a Outubro de 2021). Também pesquisámos ensaios elegíveis em bases de dados de ensaios clínicos, em atas de conferências, revisões anteriores, e na lista de referências de artigos recuperados.
Ensaios randomizados e controlados que avaliaram os efeitos do atraso (quatro ou mais dias após o nascimento) versus da introdução precoce de alimentação entérica progressiva sobre a incidência de enterocolite necrotizante, mortalidade e outras morbilidades, em bebés muito prematuros ou com MBPN.
Dois autores de revisão avaliaram separadamente o risco de enviesamento do ensaio, os dados extraídos e sintetizaram as estimativas do efeito utilizando o rácio de risco (RR), a diferença de risco (RD), e a diferença média. Utilizámos a abordagem GRADE para avaliar a qualidade da evidência do efeito sobre a enterocolite necrotizante, a mortalidade, a intolerância alimentar, e a infecção invasiva.
Incluímos 14 ensaios nos quais participaram um total de 1551 recém-nascidos. Potenciais fontes de enviesamento foram a falta de clareza dos métodos para gerar sequências aleatórias e ocultar a alocação em metade dos ensaios, e o não encobrimento dos prestadores de cuidados ou dos investigadores, em todos os ensaios. Os ensaios definiram a introdução tardia de dieta entérica progressiva aquando da espera de mais de quatro a sete dias e a introdução precoce se iniciada nos primeiros quatro dias de vida. Os recém-nascidos de seis ensaios (representando cerca de metade dos participantes) tiveram restrição de crescimento intra-uterino ou redistribuição circulatória demonstrada pela ausência ou inversão das velocidades do fluxo diastólico final na aorta fetal ou na artéria umbilical.
Meta-análises mostraram que a introdução tardia de alimentação entérica progressiva pode não reduzir o risco de enterocolite necrotizante (RR 0.81, intervalo de confiança de 95% (IC) 0.58 a 1.14; RD -0,02, 95% IC -0.04 a 0.01; 13 ensaios, 1507 recém-nascidos; evidência de baixa qualidade devido ao risco de viés e imprecisão) nem de mortalidade antes da alta hospitalar (RR 0.97, 95% CI 0.70 a 1.36; RD -0.00, 95% CI -0.03 a 0.03; 12 ensaios, 1399 recém-nascidos; evidência de baixa qualidade devido ao risco de viés e imprecisão). A introdução tardia da alimentação entérica progressiva pode reduzir ligeiramente o risco de intolerância alimentar (RR 0.81, 95% CI 0.68 a 0.97; RD -0.09, 95% CI -0.17 a -0.02; número necessário tratar para um resultado benéfico = 11, 95% CI 6 a 50; 6 ensaios, 581 recém-nascidos; evidência de baixa qualidade devido ao risco de viés e imprecisão) e provavelmente aumenta o risco de infecção invasiva (RR 1.44, 95% CI 1.15 a 1.80; RD 0.10, 95% CI 0.04 a 0.15; número necessário tratar para um resultado prejudicial = 10, 95% CI 7 a 25; 7 ensaios, 872 recém-nascidos; evidência de moderada qualidade devido ao risco de enviesamento).
Traduzido por: Mariana Morgado, Especialista em Cirurgia Pediátrica, com o apoio da Cochrane Portugal.