A excisão local ou a cirurgia tradicional é melhor para tratar o cancro do reto precoce, com ou sem tratamentos adicionais antes ou depois da cirurgia?

Mensagens-chave

Não temos a certeza se a excisão local (EL) (remoção, através do ânus, de um tumor do reto em estadio precoce que ainda não tenha crescido além da camada muscular do reto, ou estadio I) pode reduzir o tempo livre de doença após a cirurgia, em comparação com a resseção radical (RR) (remoção de todo o reto e do tecido envolvente, através de cirurgia major). Também não é claro se a EL afeta a sobrevida relacionada com o cancro, em comparação com a RR.

É provável que haja uma grande redução das complicações menores após a cirurgia (que apenas necessitam de medicamentos ou de medidas de apoio) com a EL em comparação com a RR para o tratamento do cancro do reto precoce. Não é claro se o EL reduz a taxa de complicações maiores.

Com base num único estudo, a EL resulta numa melhor qualidade de vida e na função do esfíncter anal.

O que é o cancro rectal precoce?

O cancro do reto apresenta-se numa fase inicial num terço dos doentes e não invade para além da camada muscular da parede intestinal; esta situação é classificada como estadio I, ou cancro do reto inicial. As pessoas com cancro do reto em fase inicial podem ter hemorragias ou dor, ou só serem diagnosticadas numa colonoscopia de rastreio. Realizámos esta revisão para comparar a cirurgia padrão para o cancro do reto com uma nova cirurgia, mais pequena, que tem sido cada vez mais adotada nas últimas décadas.

Como é tratado o cancro do reto em fase inicial?

O tratamento atualmente recomendado para o cancro do reto em estadio I é uma grande cirurgia para remoção do reto com todos os tecidos de suporte circundantes, conhecida como resseção radical (RR). Esta cirurgia extensa acarreta riscos significativos de complicações cirúrgicas e funcionais. Recentemente, foi popularizado um tratamento alternativo que utiliza instrumentos avançados através do ânus. Isto permitiu a remoção precisa, ou excisão local (EL), apenas do tumor, de forma segura através do ânus, com menos complicações e uma recuperação mais rápida. Por vezes, podem ser utilizadas terapias adicionais, como a quimioterapia ou a radioterapia, em conjunto, antes ou depois da cirurgia.

O que queríamos investigar?

Comparámos a RR com a EL para descobrir se a EL é tão eficaz ou melhor do que a RR no que diz respeito a:

1. recorrência da doença e sobrevivência;

2. resultados funcionais e de qualidade de vida;

3. efeitos secundários e complicações após uma intervenção cirúrgica.

O que fizemos?

Procurámos estudos que compararam RR com EL em pessoas com cancro rectal precoce com ou sem a utilização de quaisquer tratamentos adicionais. Comparámos, resumimos e combinámos os resultados dos estudos e classificámos a nossa confiança na evidência.

O que descobrimos?

Encontrámos quatro estudos que envolveram 266 participantes com cancro rectal precoce, com uma idade média de 60 anos, submetidos a RR ou EL. Os participantes foram estudados desde 17,5 meses no estudo mais curto até 9,6 anos no estudo mais longo. Três estudos foram efetuados em países europeus e um na China. Um estudo não utilizou qualquer terapia adicional; dois estudos utilizaram quimioterapia ou radioterapia antes da cirurgia; e um estudo utilizou quimioterapia após a cirurgia em doentes selecionados. Três dos quatro estudos foram financiados por agências governamentais.

Resultados principais

Os resultados sugerem que a RR pode diminuir a probabilidade de a doença reaparecer localmente ou noutros órgãos do corpo. Isto significa que, por cada 100 doentes submetidos a EL, até 27 podem desenvolver recorrência aos 3 anos, em comparação com 15 doentes por cada 100 após RR.

Apenas um estudo analisou a função do esfíncter anal, incluindo a capacidade de controlar as fezes ou a flatulência, o número de episódios de perdas e a necessidade de usar fraldas. A RR foi associada a uma deterioração a curto prazo da frequência das evacuações, flatulência, incontinência, dor abdominal e embaraço devido a perdas intestinais. Aos 36 meses após a cirurgia, os participantes do grupo EL apresentavam uma melhor frequência geral de evacuações, frequência de evacuações noturnas e menos embaraço em relação a perdas de urina e diarreia.

Não é claro se o EL afeta a sobrevivência relacionada com o cancro. Além disso, os estudos não apresentaram os resultados de forma a poderem ajudar-nos a responder se o EL afeta a probabilidade de a doença voltar a aparecer na pélvis.

Não temos a certeza se a EL resulta numa menor taxa de complicações maiores após a cirurgia, mas descobrimos que a EL provavelmente causa uma grande redução nas complicações menores.

O único estudo que avaliou a qualidade de vida ou a função urinária e sexual após a cirurgia relatou uma probabilidade de 90% ou mais de que a EL resulta numa melhor qualidade de vida global, vários papéis/funções sociais/emocionais, imagem corporal, ansiedade em relação à saúde e incontinência urinária. O mesmo estudo relatou uma função sexual semelhante após ambas as cirurgias.

Quais são as limitações da evidência?

Temos pouca confiança na evidência, principalmente porque se baseia apenas num pequeno número de estudos e devido à forma como os estudos foram conduzidos. Além disso, é possível que os resultados dos estudos possam ter sido afetados pelo facto de os participantes e os investigadores terem conhecimento do tratamento que os participantes tinham recebido.

Quão atualizada se encontra esta evidência?

Esta revisão encontra-se atualizada até fevereiro de 2020.

Notas de tradução: 

Traduzido por: João Pedro Bandovas, Serviço de Cirurgia Geral, Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central. Revisão final: Ricardo Manuel Delgado, Knowledge Translation Team, Cochrane Portugal. NT: os tradutores optaram por apresentar, como solução de tradução final, a expressão «(...) terapia adicional (neoadjuvante ou adjuvante)», por motivo de se tratar de uma frase complexa e cuja compreensão fica, assim, facilitada.

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