Cirurgia versus trombólise para o tratamento inicial de pessoas com isquemia aguda dos membros

Contexto

A trombólise consiste na injeção de uma substância química no local onde o coágulo se formou, para que ele se dissolva. A trombólise pode ser utilizada como uma alternativa à cirúrgica para pacientes que têm uma grave e súbita diminuição do fluxo sanguíneo (isquemia aguda) na perna devido à formação de um coágulo dentro de uma artéria. O coágulo (trombose) pode se formar em uma artéria porque ela está muito estreita (estenose). Isso pode ocorrer tanto em uma artéria natural da perna como em um enxerto de bypass. O coágulo na perna pode também aparecer lá como consequência da movimentação de um trombo formado em outro lugar, que se deslocou do local original. Isso é chamado de “êmbolo”. As principais complicações da trombólise são os sangramentos e o derrame (ou AVC: acidente vascular cerebral).

Características do estudo e resultados principais

Os autores da revisão identificaram cinco estudos controlados envolvendo um total de 1292 participantes que necessitavam de cuidado imediato para tratar a redução do fluxo sanguíneo na(s) perna(s). A busca incluiu todos artigos publicados até 7 de maio de 2018. Os participantes desses estudos foram sorteados para um dos dois grupos de tratamento inicial: (1) trombólise não-cirúrgica, ou (2) cirurgia. Os agentes específicos usados para dissolver os trombos (agentes trombolíticos) foram o ativador do plasminogênio tecidual recombinante e a uroquinase. Não encontramos evidência clara sobre qual dos dois tratamentos — trombólise ou cirurgia — foi a melhor opção para prevenir a amputação dos membros. Também não encontramos nenhuma evidência clara sobre qual tratamento é melhor para prevenir a morte, ou reduzir as taxas de amputação, um mês, seis meses ou um ano após o tratamento inicial. A qualidade da evidência para esses três desfechos em um mês foi baixa e muito baixa. Não foi possível chegar a nenhuma conclusão sobre qual tratamento é melhor para manter os vasos desobstruídos após o tratamento (patência do vaso), pois esse resultado não foi bem relatado nos estudos. Houve mais complicações graves no grupo tratado com trombólise. Essas complicações incluíram sangramento (hemorragia) e persistência da isquemia ou bloqueio por movimentação do trombo (embolização distal). Não houve diferença entre os dois grupos de tratamento na ocorrência de episódios de derrame (AVC) em um mês. Apesar das pessoas que receberam trombólise inicial terem um maior risco de ter algumas complicações, elas tiveram maior redução no nível de intervenção necessária em comparação com o que havia sido previsto antes da intervenção. Os maiores riscos da trombólise devem ser pesados contra os riscos da cirurgia.

Qualidade da evidência

No geral, a qualidade da evidência foi baixa. Rebaixamos a qualidade da evidência devido ao risco de viés dos estudos. Viés é uma forma de descrever como os pesquisadores, os médicos, ou participantes do estudo, podem influenciar os resultados de forma não intencional. O cegamento é um método utilizado para evitar que as pessoas envolvidas no estudo saibam em que grupo de tratamento um participante estava. Isso reduz o viés de medição. Nenhum dos estudos incluídos nesta revisão utilizou métodos para impedir que os participantes, pesquisadores, ou avaliadores dos resultados soubessem a que grupo de tratamento as pessoas pertenciam. Além disso, houve incerteza quanto ao verdadeiro efeito de cada tipo de tratamento. Houve grandes diferenças nas medidas de resultados (efeitos) entre os estudos (heterogeneidade). Por exemplo, após tratamento cirúrgico, a mortalidade em um ano variou entre 9,8% e 42%. Uma variação tão ampla nessas porcentagens sugere que os estudos foram bastante diferentes. Além disso, os critérios de seleção (duração do tratamento e gravidade da isquemia) e o método de trombólise (remédio, dose, e duração) variaram entre os estudos, dificultando as comparações.

Conclusão

Esta revisão não encontrou evidência de diferença nos nossos desfechos de interesse entre trombólise versus cirurgia para tratar pessoas com isquemia aguda dos membros. As pessoas tratadas com trombolíticos podem ter um maior risco de desenvolver complicações como sangramento. A qualidade dos dados gerados pelos estudos é baixa.

Conclusão dos autores: 

Atualmente não há evidência a favor da trombólise inicial nem da cirurgia inicial como tratamento preferencial em termos de preservação dos membros, amputação, ou morte aos 30 dias, seis meses ou um ano. Existe evidência de baixa qualidade de que a trombólise pode estar associada a um maior risco de complicações hemorrágicas e isquemia persistente dos membros (embolização distal). Em cada caso individual, deve-se pesar o maior risco de complicações com a trombólise contra os riscos da cirurgia. Não houve diferença estatística entre os grupos quanto ao risco de AVC. Porém, o intervalo de confiança desta estimativa foi muito amplo, o que dificulta a interpretação clínica desse achado. No geral, a qualidade da evidência foi baixa (segundo o GRADE). Os motivos para rebaixar a qualidade da evidência foram o risco de viés dos estudos, a imprecisão da estimativa dos efeitos, e a heterogeneidade entre os estudos.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

Tanto a trombólise arterial periférica quanto a cirurgia podem ser utilizadas no tratamento da isquemia arterial periférica. As indicações, riscos e benefícios da trombólise são bastante conhecidos. No entanto, ainda não se sabe se a trombólise seria melhor do que a cirurgia para o tratamento inicial da isquemia aguda dos membros. Esta é a segunda atualização da revisão publicada pela primeira vez em 2002.

Objetivos: 

Avaliar a efetividade da trombólise versus a cirurgia no tratamento inicial da isquemia aguda dos membros devido ao tromboembolismo.

Métodos de busca: 

Para esta atualização, o especialista em informação do grupo Cochrane Vascular (CIS) fez buscas nas seguintes bases de dados em 7 de maio de 2018: Cochrane Vascular Specialised Register, CENTRAL, MEDLINE Ovid, Embase Ovid, CINAHL, AMED e plataformas de registros de ensaios clínicos.

Critério de seleção: 

Incluímos todos os ensaios clínicos controlados e randomizados (ECRs) que compararam trombólise versus cirurgia para o tratamento inicial de pacientes com isquemia aguda dos membros.

Coleta dos dados e análises: 

Os autores da revisão, trabalhando de forma independente, avaliaram a qualidade dos estudos e fizeram a extração dos dados. A concordância entre eles foi alcançada por consenso. Calculamos as razões de chances (ORs) e os intervalos de confiança (IC) de 95%.

Principais resultados: 

Esta atualização não identificou novos estudos. Incluímos cinco ECRs envolvendo 1292 participantes. Os agentes trombolíticos usados nesses estudos foram o ativador de plasminogênio tecidual recombinante e a uroquinase. No geral, a qualidade metodológica dos ECRs foi moderada. No geral, a qualidade da evidência (de acordo com o GRADE) foi baixa. Os motivos para rebaixar a qualidade da evidência foram o risco de viés dos estudos (ausência de cegamento), a imprecisão nas estimativas de efeito, e a heterogeneidade.

Não houve diferença clara entre os grupos nas taxas de preservação dos membros (OR 1,02, IC 95% 0,41 a 2,55, 4 estudos, 636 participantes, evidência de baixa qualidade), amputação (OR 0,97, IC 95% 0,51 a 1,85, 3 estudos, 616 participantes, evidência de baixa qualidade) ou óbito em 30 dias (OR 0,59, IC 95% 0,31 a 1,14, 4 estudos, 636 participantes, evidência de qualidade moderada). Não houve diferença clara entre os grupos para nenhum dos três desfechos aos seis meses ou um ano. Não foi possível realizar uma metanálise para manutenção da patência do vaso pois apenas um estudo avaliou esse desfecho (OR 0,46, IC 95% 0,08 a 2,76, 20 participantes, evidência de qualidade muito baixa). O grupo tratado com trombolíticos teve maior risco de hemorragia grave (OR 3,22, IC 95% 1,79 a 5,78, 4 estudos, 1070 participantes, evidência de baixa qualidade) e embolização distal (OR 31,68, IC 95% 6,23 a 161,07, 3 estudos, 678 participantes, evidência de qualidade muito baixa) aos 30 dias. Não houve diferença clara entre os grupos quanto à ocorrência de AVC (OR 5,33, IC 95% 0,95 a 30,11, 5 estudos, 1180 participantes, evidência de baixa qualidade). Os participantes tratados com trombólise inicial tiveram maior redução no nível de intervenção necessária aos 30 dias, comparado com a previsão pré-intervenção (OR 9,06, IC 95% 4,95 a 16,56, 2 estudos, 502 participantes). Nenhum dos estudos avaliou o tempo necessário para trombólise como um dos seus desfechos.

Notas de tradução: 

Tradução do Centro Afiliado Paraíba, Cochrane Brazil (Matheus Coelho Torres e Maria Regina Torloni). Contato: tradutores@centrocochranedobrasil.org.br

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