Qual é o problema?
O aborto espontâneo ocorre frequentemente entre as grávidas. Porém, muitas vezes, é difícil determinar o motivo exato que levou ao aborto. Dietas pobres (ou seja, com poucas vitaminas) têm sido associadas a um aumento no risco de as mulheres perderem seu bebê no início da gestação. Será que tomar vitaminas (“suplementação vitamínica”) antes e durante a gestação diminui o risco de ter um aborto espontâneo? A suplementação vitamínica melhora os resultados maternos, do parto e do recém-nascido? Existem efeitos colaterais associados ao uso da suplementação vitamínica?
Por que isso é importante?
A suplementação vitamínica é frequentemente recomendada para as grávidas e para as mulheres que planejam engravidar. Considerando o grande uso de suplementos vitamínicos antes e durante a gravidez, é importante estudar a relação entre a suplementação vitamínica e o que ocorre (desfechos) no começo da gravidez. Isso é especialmente relevante porque as causas do aborto espontâneo são desconhecidas e o estado nutricional da mãe pode afetar o desenvolvimento do seu bebê.
Qual foi a evidência que encontramos?
Esta revisão incluiu 40 estudos controlados e randomizados envolvendo 276.820 mulheres e 278.413 gestações. Tomar suplementos com qualquer tipo de vitamina não reduz o número de mulheres que têm abortos espontâneos. Entretanto, o risco de ter um natimorto (bebê com mais de 500 g que nasce morto) foi menor entre as mulheres que tomaram polivitamínicos com ferro e ácido fólico quando comparadas com o grupo que tomou somente ferro e ácido fólico. Embora a perda fetal geral tenha sido menor nas mulheres que tomaram polivitamínicos sem ácido fólico e polivitamínicos com ou sem vitamina A, é preciso ter cautela com essa conclusão. Primeiro porque esses achados foram baseados em apenas um estudo cada, com poucas mulheres. Em segundo lugar, porque esses estudos tiveram grupos de comparação que estavam tomando vitamina A ou um placebo.
O que isso significa?
Tomar vitaminas antes ou no início da gravidez pode ser benéfico, mas esta revisão não encontrou evidências suficientes de que a suplementação vitamínica previne o aborto espontâneo.
Tomar qualquer tipo de suplemento vitamínico antes ou no início da gravidez não previne o risco de ter um aborto espontâneo. Entretanto as evidências mostram que as mulheres que tomam multivitamínicos com ferro e ácido fólico têm um menor risco de dar à luz um natimorto. Existe evidência insuficiente para avaliar os efeitos de diferentes combinações de vitaminas sobre o aborto e outros desfechos relacionados com o aborto.
O aborto espontâneo é uma complicação comum da gravidez que pode ser causada por muitos fatores. Uma dieta pobre em vitaminas tem sido associada a um aumento no risco de aborto. Portanto, a suplementação vitamínica antes ou no início da gravidez poderia ajudar a prevenir o aborto espontâneo.
Os objetivos desta revisão foram avaliar a efetividade e a segurança de qualquer tipo de suplementação vitamínica para prevenir o aborto espontâneo.
Nós fizemos buscas na base de dados Cochrane Pregnancy and Childbirth Group Trials Register (até 6 de novembro de 2015) e pesquisamos as listas de referências dos estudos que foram incluídos na revisão.
Nós selecionamos todos ensaios clínicos randomizados ou quasi-randomizados que compararam suplementação com uma ou mais vitaminas durante a gravidez versus placebo, outras vitaminas, nenhuma suplementação ou outras intervenções. Nós incluímos estudos que testaram o uso de suplementos vitamínicos em mulheres antes de elas engravidarem, no período periconcepcional ou no início da gestação (antes da 20ª semana).
Três autores selecionaram independentemente os estudos, extraíram os dados e avaliaram a qualidade dos ensaios clínicos. Avaliamos a qualidade das evidências usando os critérios do GRADE. Apresentamos a qualidade das evidências para os resultados numéricos dos desfechos incluídos na tabela de “Resumo dos Achados” (Summary of findings).
Foram incluídos no total 40 estudos (276.820 mulheres e 278.413 gestações) que avaliaram o uso de suplementação com alguma(s) vitamina(s) iniciada(s) antes da 20ª semana de gestação e que apresentavam pelo menos um dos desfechos primários desta revisão. Oito estudos eram do tipo cluster (randomização por aglomerados), totalizando 217.726 mulheres e 219.267 gestações.
Aproximadamente metade dos estudos incluídos tinha baixo risco de viés tanto na geração da sequência de randomização como na ocultação das participantes para os grupos tratamento e controle.
Suplementação de vitamina C
Não houve diferença no risco de perda fetal em geral [razão de risco (RR) 1,14; intervalo de confiança de 95% (95% CI) 0,92 a 1,40, 7 estudos, 18.949 mulheres, evidência de alta qualidade); de aborto precoce ou tardio (RR 0,90, 95% CI 0,65 a 1,26, 4 estudos, 13.346 mulheres, evidência de moderada qualidade]; de natimorto (RR 1,31, 95% CI 0,97 a 1,76, 7 estudos, 21,442 mulheres, evidência de moderada qualidade) ou de efeitos adversos associados com a suplementação vitamínica (RR 1,16, 95% CI 0,39 a 3,41, 1 estudo, 739 mulheres, evidência de moderada qualidade) entre mulheres que tomaram vitamina C com vitamina E quando comparadas com o grupo que tomou placebo ou não tomou vitamina C. Não foram vistas diferenças claras no risco de perda fetal em geral ou aborto entre mulheres que tomaram qualquer outra combinação de vitamina C quando comparadas com mulheres que tomaram placebo no lugar da vitamina ou com as participantes que simplesmente não tomaram vitamina C.
Suplementação de vitamina A
Não foi encontrada nenhuma diferença no risco de perda fetal em geral (RR 1,01, 95% CI 0,61 a 1,66, 3 estudos, 1.640 mulheres, evidência de baixa qualidade); de aborto precoce ou tardio (RR 0,86, 95% CI 0,46 a 1.62, 2 estudos, 1397 mulheres, evidência de baixa qualidade) ou no risco de dar à luz um natimorto (RR 1,29, 95% CI 0,57 a 2,91, 3 estudos, 1640 mulheres, evidência de baixa qualidade) entre as mulheres que tomaram vitamina A com ferro e folatos quando comparadas com o grupo que tomou placebo ou não tomou vitamina A. Não houve evidência de diferença no risco de perda fetal em geral ou aborto entre mulheres que tomaram qualquer outra combinação de vitamina A quando comparadas com o grupo placebo ou que não tomou vitamina A.
Suplementação multivitamínica
Existe evidência de diminuição no risco de dar à luz um natimorto entre mulheres que tomaram multivitamínicos mais ferro e ácido fólico quando comparadas com o grupo que tomou apenas ferro e ácido fólico (RR 0,92, 95% CI 0,85 a 0,99, 10 estudos, 79.851 mulheres, evidência de alta qualidade). Embora a perda fetal total tenha sido menor nas mulheres que tomaram multivitamínicos sem ácido fólico (RR 0,49, 95% CI 0,34 a 0.70, 1 estudo, 907 mulheres); e multivitamínicos com ou sem vitamina A (RR 0,60, 95% CI 0,39 a 0,92, 1 estudo, 1.074 mulheres), esses achados foram provenientes de apenas um estudo cada, com um número pequeno de mulheres. Além disso, esses estudos também incluíram grupos de comparação envolvendo mulheres que receberam vitamina A ou placebo. Portanto, é necessário ter cautela na interpretação desses resultados.
Não observamos diferença no risco de perda fetal em geral (RR 0,96, 95% CI 0,93 a 1,00, 10 estudos, 94.948 mulheres, evidência de alta qualidade) e de aborto precoce ou tardio (RR 0,98, 95% CI 0,94 a 1,03, 10 estudos, 94.948 mulheres, evidência de moderada qualidade) entre mulheres tomando multivitamínicos com ferro e ácido fólico quando comparadas com o grupo que tomava somente ferro e ácido fólico.
Não houve evidência de diferenças no risco de perda fetal em geral ou de aborto entre mulheres que receberam qualquer outra combinação de multivitamínicos quando comparadas com o grupo que tomou placebo, ácido fólico ou vitamina A.
Suplementação de ácido fólico
Não houve nenhuma evidência de diferença no risco de perda fetal em geral, de aborto precoce ou tardio, de natimorto ou de malformação congênita entre mulheres que tomaram ácido fólico com ou sem multivitamínicos e/ou ferro quando comparadas com o grupo que não tomou ácido fólico.
Suplementação de vitaminas antioxidantes
Não houve evidência de diferença no risco de aborto precoce ou tardio entre mulheres que tomaram antioxidantes quando comparadas ao grupo sem antioxidantes (RR 1,12, 95% CI 0,24 a 5,29, 1 estudo, 110 mulheres).
Tradução do Centro Cochrane do Brasil (Maria Regina Torloni). Contato: tradutores@centrocochranedobrasil.org.br