Pergunta da revisão
Revisamos as evidências sobre os efeitos da musicoterapia em pessoas com autismo. Comparamos os resultados de pessoas que recebem musicoterapia (ou musicoterapia associada ao tratamento padrão) com os resultados de pessoas que recebem uma terapia semelhante sem música (terapia "placebo"), tratamento padrão ou nenhuma terapia.
Introdução
O autismo é uma condição de neurodesenvolvimento que afeta a forma como as pessoas percebem o mundo ao seu redor e como elas se comunicam e se relacionam com os outros ao longo da vida. Desta forma, a interação e a comunicação social estão entre as áreas de maior dificuldade para as pessoas com autismo. A musicoterapia usa experiências musicais e as relações que se desenvolvem por meio destas experiências para permitir que as pessoas se relacionem com os outros, se comuniquem e compartilhem seus sentimentos. Neste sentido, a musicoterapia aborda alguns dos principais problemas das pessoas com autismo. A musicoterapia tem sido aplicada em pessoas com autismo desde o início dos anos 1950. Sua disponibilidade para as pessoas com autismo varia entre os países e contextos. Para oferecer musicoterapia para estes pacientes, é necessário contar com profissionais com formação acadêmica e clínica especializadas nesta área. Isto ajuda os terapeutas a adaptar a intervenção às necessidades específicas da pessoa. Queríamos investigar se a musicoterapia ajuda as pessoas com autismo em comparação com outras opções.
Data da busca
A evidência está atualizada até agosto de 2021.
Características dos estudos
Incluímos 16 novos estudos nesta atualização. Portanto, as evidências nesta revisão agora se baseiam em 26 estudos com um número total de 1.165 participantes. Os estudos avaliaram os efeitos em curto e médio prazos das intervenções de musicoterapia (três dias a oito meses) em crianças, jovens e adultos jovens com autismo em ambientes individuais ou de grupo. Nenhum dos estudos relatou financiamento por um órgão com interesse comercial no resultado dos estudos; fontes declaradas de apoio incluíam financiamento governamental, acadêmico e de fundações; em três estudos, o apoio foi fornecido por uma associação de musicoterapia.
Resultados principais
A musicoterapia provavelmente aumenta a chance de melhoria geral até o final da terapia, possivelmente melhora a qualidade de vida e a gravidade total dos sintomas do autismo imediatamente após a terapia, e provavelmente não aumenta os eventos adversos em comparação com a terapia 'placebo' ou tratamento padrão. A partir das evidências disponíveis, não podemos dizer se a musicoterapia tem algum efeito na interação social e na comunicação verbal e não verbal no final da terapia.
Certeza (qualidade/confiança) na evidência
Nesta revisão, encontramos evidências de muito baixa a moderada certeza (qualidade/confiança) Isto significa que pesquisas futuras podem mudar estes resultados e nossa confiança neles. Descobrimos que a musicoterapia é provavelmente eficaz para a melhora global, qualidade de vida, gravidade total dos sintomas do autismo e eventos adversos medidos no final da terapia, com base em evidências de moderada certeza nestes domínios. Ainda não está claro se a musicoterapia tem um efeito na interação social, na comunicação verbal e não verbal no final da terapia, uma vez que a certeza na evidência foi baixa a muito baixa. As razões para a certeza limitada na evidência foram questões com o desenho do estudo e o cegamento (ou seja, aqueles que aplicaram as medidas de desfecho possivelmente sabiam se os participantes tinham ou não recebido musicoterapia, o que pode ter influenciado em suas avaliações).
Conclusões dos autores
A musicoterapia provavelmente aumenta a chance de melhoria geral até o final da terapia em comparação com a terapia 'placebo' ou tratamento padrão. Também é provável que a musicoterapia ajude a melhorar a qualidade de vida e a diminuir a gravidade dos sintomas. A musicoterapia provavelmente não aumenta os eventos adversos. Não sabemos se a musicoterapia pode ajudar na interação social, comunicação verbal e não verbal no final da terapia. A maioria dos estudos incluídos apresentou intervenções que interagem bem com a musicoterapia na prática clínica em relação aos métodos e ambientes. Esta nova evidência é importante para pessoas com autismo e suas famílias, assim como para os formuladores de políticas, prestadores de serviços e clínicos, para auxiliar nas decisões sobre qual intervenção escolher e ajudar no planejamento de recursos. São necessários mais estudos com desenho adequado (ou seja, a produção de evidências confiáveis) para avaliar áreas que são importantes para as pessoas com autismo. Como as pessoas com autismo e suas famílias valorizam os desfechos de longo prazo da terapia, é importante avaliar especificamente quanto tempo duram os efeitos da musicoterapia.
Os resultados desta revisão atualizada fornecem evidências de que a musicoterapia está provavelmente associada a uma maior chance de melhoria global para pessoas com autismo, provavelmente os ajuda a melhorar a gravidade total do autismo e a qualidade de vida, e provavelmente não aumenta os eventos adversos imediatamente após a intervenção. A certeza na evidência foi classificada como "moderada" para estes quatro desfechos, o que significa que estamos moderadamente confiantes nas estimativas dos efeitos. Não encontramos nenhuma evidência clara de uma diferença na interação social, comunicação não verbal e comunicação verbal imediatamente após a intervenção. Para estes desfechos, a certeza nas evidências foi classificada como "baixa" ou "muito baixa", o que significa que o verdadeiro efeito pode ser substancialmente diferente destes resultados. Em comparação com versões anteriores desta revisão, os novos estudos incluídos nesta atualização ajudaram a aumentar a certeza e aplicabilidade dos resultados por meio de amostras maiores, faixa etárias maiores, períodos mais longos de intervenção e inclusão de avaliações de acompanhamento, e com o uso de escalas predominantemente validadas para medir o comportamento generalizado (ou seja, comportamento fora do contexto da terapia). Esta nova evidência é importante para as pessoas com autismo e suas famílias, assim como para os formuladores de políticas, prestadores de serviços e clínicos, para auxiliar nas decisões sobre os tipos e quantidade de intervenção que devem ser fornecidos e ajudar no planejamento de recursos. A aplicabilidade dos resultados ainda é limitada às faixas etárias incluídas nos estudos. Além disso, não podemos tirar nenhuma conclusão direta sobre a musicoterapia em pessoas com autismo acima da idade adulta jovem. São necessárias mais pesquisas que utilizem desenhos rigorosos, medidas de desfechos relevantes e períodos de acompanhamento mais longos para corroborar estas descobertas e para avaliar se os efeitos da musicoterapia são duradouros.
A interação social e a comunicação social estão entre as principais áreas de dificuldade para pessoas com autismo. Para permitir a comunicação e a expressão, a musicoterapia usa experiências musicais e as relações que se desenvolvem por meio destas experiências, e tenta resolver alguns dos problemas centrais das pessoas com autismo. A musicoterapia tem sido aplicada em pessoas com autismo desde o início da década de 1950. Entretanto, sua disponibilidade para estas pessoas varia entre países e contextos. A aplicação da musicoterapia requer especialização acadêmica e clínica que permita que os terapeutas façam adaptações da intervenção às necessidades específicas do indivíduo. A presente versão desta revisão sobre musicoterapia para pessoas com autismo é uma atualização de uma revisão anterior da Cochrane publicada pela última vez em 2014 (que seguiu a revisão Cochrane original publicada em 2006).
Revisar os efeitos da musicoterapia, ou musicoterapia associada aos cuidados padrão, em pessoas com autismo.
Fizemos buscas em agosto de 2021 na CENTRAL, MEDLINE, Embase, onze outras bases de dados e duas bases de registros de ensaios clínicos. Para identificar estudos adicionais, também realizamos buscas por citações, verificamos as listas de referências e contatamos autores de estudos.
Consideramos para inclusão nesta revisão, todos os ensaios clínicos randomizados (ECRs), ensaios quasi-randomizados e ensaios clínicos controlados que compararam musicoterapia (ou musicoterapia associada com tratamento padrão) versus 'placebo', nenhum tratamento, ou tratamento padrão em pessoas com diagnóstico de transtorno do espectro autista.
Usamos os procedimentos metodológicos padrão da Cochrane. Quatro revisores, trabalhando de forma independente, selecionaram os estudos para inclusão e extraíram dados de todos os estudos incluídos. Sintetizamos os resultados dos estudos incluídos em metanálises. Quatro revisores, trabalhando de forma independente, também avaliaram o risco de viés de cada estudo incluído usando a ferramenta original RoB, bem como classificaram a certeza nas evidências usando o GRADE.
Incluímos 16 novos estudos nesta atualização. Isto elevou o número total de estudos incluídos para 26 (1.165 participantes). Estes estudos avaliaram o efeito a curto e médio prazo da musicoterapia (duração da intervenção: três dias a oito meses) para pessoas com autismo em ambientes individuais ou de grupo. Mais da metade dos estudos foram realizados na América do Norte ou na Ásia. Vinte e um estudos incluíram crianças entre 2 e 12 anos de idade. Cinco estudos incluíram crianças e adolescentes, e/ou jovens adultos. Os níveis de gravidade, as habilidades linguísticas e a cognição variam muito entre os estudos.
Em comparação com a terapia 'placebo' ou tratamento padrão, a musicoterapia provavelmente afeta positivamente a melhoria global medida imediatamente após a intervenção (risco relativo (RR) 1,22, intervalo de confiança (IC) de 95% 1,06 a 1,40; 8 estudos, 583 participantes; moderada certeza na evidência; número necessário para tratar para obter um resultado benéfico adicional (NNTB) = 11 para população de baixo risco, IC de 95% 6 a 39; NNTB = 6 para população de alto risco, IC 95% 3 a 21). Além disso, em comparação com a terapia 'placebo' ou tratamento padrão, a musicoterapia provavelmente aumenta ligeiramente a qualidade de vida (diferença média padronizada (DMP) 0,28, IC 95% 0,06 a 0,49; 3 ECRs, 340 participantes; moderada certeza (qualidade/confiança) na evidência, tamanho do efeito pequeno a médio). Além disso, a musicoterapia provavelmente resulta em uma grande redução na gravidade total dos sintomas do autismo (DMP -0,83, IC 95% -1,41 a -0,24; 9 estudos, 575 participantes; moderada certeza na evidência). Não encontramos nenhuma evidência clara sobre a diferença entre os grupos de musicoterapia e de comparação imediatamente após a intervenção com relação à interação social (DMP 0,26, IC 95% -0,05 a 0,57, 12 estudos, 603 participantes; baixa certeza na evidência); comunicação não-verbal (DMP 0,26, IC 95% -0,03 a 0,55; 7 ECRs, 192 participantes; baixa certeza na evidência); e comunicação verbal (DMP 0,30, IC 95% -0,18 a 0,78; 8 estudos, 276 participantes; muito baixa certeza na evidência). Dois estudos investigaram eventos adversos. Um estudo (36 participantes) não relatou eventos adversos; o outro não encontrou diferenças entre a musicoterapia e o tratamento padrão imediatamente após a intervenção (RR 1,52, IC 95% 0,39 a 5,94; 1 estudo, 290 participantes; moderada certeza na evidência).
Tradução do Cochrane Brazil (Mayara Rodrigues Batista e Ana Carolina Pinto). Contato: tradutores.cochrane.br@gmail.com