Por que esta questão é importante?
Os bebês prematuros (que nascem antes das 37 semanas de gravidez) podem ter dificuldade para respirar se os seus pulmões não estiverem suficientemente desenvolvidos. Até metade dos bebês nascidos antes das 28 semanas, e um terço dos que nascem antes das 32 semanas têm problemas respiratórios e muitos podem morrer. As dificuldades respiratórias podem levar à falta de oxigênio. Por isso, alguns bebês prematuros com dificuldades respiratórias que sobrevivem podem ficar com sequelas devido à essa falta de oxigênio.
As gestantes em risco de ter um parto prematuro podem receber corticosteroides para evitar que seus bebês tenham dificuldade respiratórias depois do parto. Os corticosteroides são medicamentos anti-inflamatórios que ajudam os pulmões do bebê a amadurecer enquanto ele ainda está dentro do útero. Normalmente, os corticosteroides (duas injeções) são dados a gestantes em risco de entrar em trabalho de parto prematuro. Esse mesmo tratamento pode ser dado a gestantes antes do parto prematuro planejado e, em alguns casos, ele pode ser repetido.
Revisamos a evidência proveniente de estudos científicos para avaliar os benefícios e riscos de dar corticosteroides a gestantes em risco de parto prematuro.
Como encontramos e avaliamos a evidência?
Procuramos na literatura médica por estudos que comparassem os efeitos dos corticosteroides versus:
- um placebo (medicamento de mentira); ou
- nenhum tratamento.
Comparamos os resultados e resumimos a evidência de todos os estudos. Avaliamos a qualidade (nossa confiança) das evidências em função dos métodos usados nos estudos, do número de participantes nos estudos, e da consistência dos resultados entre os estudos. A qualidade da evidência reflete nosso grau de confiança no resultado.
O que encontramos?
Encontramos 27 estudos que incluíram 11.272 mulheres e 11.925 bebês. Os estudos foram feitos em 21 países diferentes, de alta, média e baixa renda.
Saúde do bebê
Existe evidência robusta que os corticosteroides:
- reduzem o risco de mortes perinatais (bebês que nascem mortos e bebês que morrem nos primeiros 28 dias de vida);
- reduzem o risco de mortes neonatais (bebês que morrem nos primeiros 28 dias de vida);
- reduzem o risco de problemas respiratórios graves nas primeiras horas de vida;
- têm pouco ou nenhum efeito no peso de nascimento dos bebês.
Os corticosteroides provavelmente reduzem o risco de:
- sangramento dentro do cérebro;
- atraso no desenvolvimento na infância.
Estamos apenas moderadamente confiantes sobre estes dois efeitos porque:
- os bebês nos estudos podem não ter sido representativos de todos os bebês prematuros; ou
- é possível que os estudos tenham sido conduzidos de forma a introduzir erros nos seus resultados.
Saúde materna
As evidências indicam que os corticosteroides provavelmente não têm efeitos sobre o risco de:
- morte materna após o parto;
- desenvolver corioamnionite (inflamação ou infecção dos tecidos que envolvem o bebê no útero);
- desenvolver endometrite (inflamação do revestimento interno do útero).
Estamos apenas moderadamente confiantes quanto a estes três resultados porque eles são baseados em poucos eventos. Enquanto não tivermos mais evidência de mais mulheres, não podemos ter a certeza de que não exista diferença nesses riscos.
Encontramos poucas evidências sobre os seguintes aspectos:
- gestantes com mais de um bebê; gestantes com pressão alta; ou gestantes com rotura da bolsa amniótica antes do parto;
- os efeitos dos corticosteroides em bebês prematuros versus muito prematuros;
- diferentes doses de corticosteroides.
Isto significa que não podemos ter a certeza que os resultados desta revisão se apliquem a todas as gestantes e bebês em risco de parto prematuro. Nem conseguimos avaliar qual dose de corticosteroides seria a melhor.
O que isso significa?
A administração de corticosteroides às gestantes em risco de parto prematuro aumenta as chances de que seus bebês sejam capazes de respirar e sobreviver.
As evidências disponíveis sugerem que o uso de corticosteroides antes do parto provavelmente não está associado a riscos para o bebê ou para a mãe. São necessários mais estudos sobre:
- se os corticosteroides funcionam de forma diferente nas gestantes com mais de um feto ou com aumento da pressão arterial;
- se os benefícios e riscos dos corticosteroides são os mesmos quando os bebês nascem muito prematuros, ou menos prematuros;
- qual seria a melhor dose de corticosteroides.
Esta revisão está atualizada?
Incluímos nesta Revisão Cochrane todos os estudos disponíveis até setembro de 2020.
Um resumo visual de alguns dos resultados desta revisão pode ser encontrado aqui.
A evidência desta revisão atualizada continua apoiando o uso de um único curso de corticosteroide antenatal para acelerar a maturação pulmonar fetal em mulheres em risco de parto prematuro. O uso antenatal de corticosteroides reduz o risco de morte perinatal, morte neonatal e SDR, e provavelmente reduz o risco de HIV. Esta evidência é robusta, independentemente dos recursos disponíveis nos locais onde a intervenção é feita (altos, médios ou baixos).
Pesquisas adicionais devem focar nas variações do regime de tratamento, e na efetividade da intervenção em subgrupos específicos que carecem de estudos como gestações múltiplas e outras gestantes de alto risco. Além disso, novos estudos devem avaliar os riscos e benefícios da intervenção nas gestantes com partos prematuro extremo ou parto prematuro tardio. Para investigar os efeitos tardios do uso antenatal dos corticoides, é necessário acompanhar e avaliar os desfechos na infância e na vida adulta dos participantes dos estudos existentes.
Encorajamos os autores de estudos anteriores a fornecerem mais informações que possam responder a quaisquer questões remanescentes sobre o uso antenatal dos corticosteroides sem a necessidade de mais ECRs. É provável que as metanálises de dados individuais de pacientes de estudos publicados forneçam respostas para a maioria das incertezas clínicas remanescentes.
A morbidade respiratória, incluindo a síndrome do desconforto respiratório (SDR), é uma complicação grave do parto prematuro e a principal causa de mortalidade e incapacidade neonatal precoce. Apesar das evidências iniciais indicarem um efeito benéfico do uso antenatal de corticosteroides na maturação pulmonar fetal e das recomendações generalizadas para essa intervenção em gestantes em risco de parto prematuro, existiam algumas incertezas quanto à sua efetividade. Essas incertezas são sobre o uso dos corticosteroides em locais com poucos recursos, em diferentes idades gestacionais e em gestantes de alto risco, tais como hipertensão arterial ou gestação múltipla.
Esta revisão atualizada (que substitui a revisão anterior de Crowley 1996) foi publicada pela primeira vez em 2006 e posteriormente atualizada em 2017.
Avaliar os efeitos de administrar um curso de corticosteroides a gestantes antes de um parto prematuro antecipado (antes da 37a semana) sobre a morbidade e mortalidade fetal e neonatal, a morbidade e mortalidade materna, e sobre a saúde da criança mais tarde na sua vida.
Em 3 de setembro de 2020 fizemos buscas nas seguintes bases de dados: Cochrane Pregnancy and Childbirth Group's Trials Register, ClinicalTrials.gov e WHO International Clinical Trials Registry Platform (ICTRP). Também avaliamos as listas de referências dos estudos recuperados.
Incluímos na revisão ensaios clínicos randomizados controlados (ECRs) que compararam a administração antenatal de corticosteroides versus placebo, ou nenhum tratamento. As participantes eram gestantes com feto único ou gestação múltipla, antes de um parto prematuro antecipado (eletivo ou após rotura das membranas ou em trabalho de parto espontâneo), independentemente de outras comorbidades.
Utilizamos os métodos padrão do grupo de revisão Cochrane Pregnancy and Childbirth para a coleta e análise dos dados. Dois autores de revisão, trabalhando de forma independente, selecionaram os estudos, avaliaram o risco de viés, avaliaram a confiabilidade com base em critérios pré-definidos desenvolvidos pelo grupo de Revisão, extraíram dados e avaliaram sua acurácia. Avaliamos a qualidade (certeza) da evidência utilizando a abordagem GRADE. Os desfechos primários foram morte perinatal, morte neonatal, SDR, hemorragia intraventricular (HIV), peso ao nascer, atraso no desenvolvimento na infância e morte materna.
Incluímos 27 estudos, conduzidos em 20 países, que randomizaram 11.272 mulheres e 11.925 recém-nascidos ao todo. Dez estudos (4422 mulheres randomizadas) foram feitos em locais com recursos médios ou baixos.
Excluímos das análises seis estudos que haviam sido incluídos na versão anterior da revisão. A versão atual da revisão inclui apenas os ECRs que preenchem nossos critérios pré-definidos de confiabilidade. Em 19 ECRs, as gestantes receberam um único curso de corticosteroides. Nos outros 8 ECRs, as participantes podem ter recebido cursos repetidos de corticosteroides.
Quinze estudos tinham baixo risco de viés, dois estudos tinham alto risco de viés em dois ou mais domínios e 10 ECRs tinham um alto risco de viés devido à falta de cegamento (o placebo não foi usado no grupo controle).
No geral, a qualidade (certeza) da evidência foi moderada a alta. Rebaixamos a qualidade da evidência para HIV devido à dados indiretos.Rebaixamos a qualidade da evidência para o desfecho atraso no desenvolvimento devido ao risco de viés dos estudos. Rebaixamos a qualidade da evidência para o desfecho eventos adversos (morte, corioamnionite e endometrite) devido à imprecisão.
Desfechos neonatais e na infância
A administração antenatal de corticosteroides reduz o risco de:
- morte perinatal (razão de risco (RR) 0,85, intervalo de confiança (IC) 95% 0,77 a 0,93; 9833 bebês; 14 estudos; evidência de alta qualidade; 2,3% menos, IC 95% 1,1% a 3,6% menos),
- morte neonatal (RR 0,78, IC 95% 0,70 a 0,87; 10.609 neonatos; 22 estudos; evidência de alta qualidade; 2,6% menos, IC 95% 1,5% a 3,6% menos),
- síndrome do desconforto respiratório (RR 0,71, IC 95% 0,65 a 0,78; 11.183 neonatos; estudos = 26; evidências de alta qualidade; 4,3% menos, IC 95% 3,2% a 5,2% menos).
A administração antenatal de corticosteroides provavelmente reduz o risco de HIV (RR 0,58, IC 95% 0,45 a 0,75; 8475 neonatos; 12 estudos; evidência de qualidade moderada; 1,4% menos, IC 95% 0,8% a 1,8% menos), e provavelmente têm pouco ou nenhum efeito sobre o peso ao nascer (diferença média (MD) -14,02 g, IC 95% -33,79 a 5,76; 9551 bebês; 19 estudos; evidência de alta qualidade).
A administração antenatal de corticosteroides provavelmente reduz o risco de atraso de desenvolvimento na infância (RR 0,51, IC 95% 0,27 a 0,97; 600 crianças; 3 estudos; evidência de qualidade moderada; 3,8% menos, IC 95% 0,2% a 5,7% a menos).
Desfechos maternos
A administração antenatal de corticosteroides provavelmente tem pouco ou nenhum efeito no risco de morte materna (RR 1,19, IC 95% 0,36 a 3,89; 6244 mulheres; 6 estudos; evidência de qualidade moderada; 0,0% menos, IC 95% 0,1% menos a 0,5% mais), corioamnionite (RR 0,86, IC 95% 0.69 a 1,08; 8374 mulheres; 15 estudos; evidência de moderada qualidade; 0,5% menos, 95% IC 1,1% menos a 0,3% mais), e endometrite (RR 1,14, 95% IC 0,82 a 1,58; 6764 mulheres; 10 estudos; qualidade moderada; 0,3% mais, IC 95% 0,3% menos a 1,1% mais)
Os IC de 95% de todos estes desfechos foram amplos e incluem possíveis benefícios e possíveis danos.
Tradução do Cochrane Brazil (Maria Regina Torloni). Contato: tradutores@centrocochranedobrasil.org.br