Introdução
A tromboflebite superficial (TS) é um processo inflamatório relativamente comum associado a um coágulo sanguíneo (trombo) que afeta as veias superficiais (veias que estão mais próximas da pele). Os sinais e sintomas da TS incluem dor local, prurido, sensibilidade, vermelhidão da pele e endurecimento do tecido circundante. Existe alguma evidência sugerindo uma ligação entre TS e o tromboembolismo venoso (TEV). O TEV é uma condição em que trombos se formam (na maioria das vezes) nas veias profundas da perna e podem migrar pela circulação até chegarem nos pulmões. O tratamento da TS procura aliviar os sintomas locais e prevenir tanto a expansão do coágulo para uma veia profunda, quanto a recorrência da TS ou o desenvolvimento de eventos mais graves causados por TEV. Esta é a terceira atualização de uma revisão publicada pela primeira vez em 2007. A evidência está atualizada até março de 2017.
Características do estudo e resultados principais
Essa versão atualizada da revisão incluiu 33 ensaios clínicos controlados e randomizados (ECRs) envolvendo um total de 7296 participantes. Os ECRs são um tipo de estudo em que os participantes são sorteados em um de dois ou mais grupos de tratamento. Os estudos testaram vários tipos de tratamento como tomar rivaroxaban (um remédio oral que inibe o fator X ativado), aplicar injeções subcutâneas (sob a pele) para prevenir a formação de coágulos (como o fondaparinux, a heparina de baixo peso molecular ou a heparina não fracionada), usar meias de compressão elástica, anti-inflamatórios não-esteroides orais (AINEs; um tipo de analgésico), tratamento tópico (medicamento aplicado à pele) e cirurgia.
Um grande estudo, que incluiu metade dos participantes da revisão, mostrou que o tratamento com fondaparinux por 45 dias, comparado ao placebo, produziu uma redução significativa do TEV sintomático (pessoas com sintomas indicativos de TEV), da extensão da TS (em que o coágulo vai crescendo para a parte de cima da perna) e da recorrência da TS (nova formação de coágulos). Houve poucos casos de hemorragias graves nos dois grupos do estudo. Um estudo comparou o uso de fondaparinux versus rivaroxaban em pessoas com TS que tinham um alto risco de eventos tromboembólicos recorrentes. Houve uma redução não-significativa de TEV sintomático no grupo que usou fondaparinux. Não houve episódios graves de hemorragia em nenhum dos grupos. Tanto a heparina de baixo peso molecular quanto os AINEs reduziram a extensão da TS ou a recorrência da TS, sem modificar o risco de TEV sintomático ou sangramentos graves. Os tratamentos tópicos aliviaram os sintomas locais, mas os estudos não avaliaram o surgimento de TEV. O tratamento cirúrgico junto com o uso de meias elásticas, comparado ao uso isolado de meias elásticas, foi associado a uma menor taxa de TEV e progressão da TS.
Qualidade da evidência
Em geral, a qualidade da evidência, para a maioria dos tratamentos, foi muito baixa. O motivo foi o desenho dos estudos, a imprecisão dos resultados, a falta de um grupo placebo (sem tratamento) e a existência de apenas um estudo para algumas comparações. Em dois estudos com grupo controle, a qualidade da evidência foi baixa à moderada.
Concluímos que o fondaparinux parece ser um tratamento adequado para a maioria das pessoas com TS. Ainda é preciso estabelecer qual é dose e a duração do tratamento ideais para as pessoas de alto e de baixo risco para eventos trombóticos recorrentes. Mais pesquisas são necessárias para avaliar o papel do rivaroxaban e de outros medicamentos semelhantes, ou trombina, heparina de baixo peso molecular ou AINEs, e para avaliar a possível eficácia do tratamento tópico ou da cirurgia para prevenir o surgimento do TEV.
A administração de doses profiláticas de fondaparinux por 45 dias parece ser uma opção terapêutica válida para a TS das pernas, para a maioria das pessoas. A evidência sobre tratamento tópico ou cirúrgico é muito limitada e não permite avaliar os efeitos desses tratamentos sobre o surgimento do TEV, na prática clínica. São necessárias mais pesquisas para avaliar o papel do rivaroxaban e de outros inibidores orais do fator X ou da trombina, HBPM e AINEs. Também são necessários estudos para determinar quais são as doses e a duração ideais do tratamento em pessoas com diferentes riscos de recorrência, e se uma terapia combinada seria mais efetiva do que uma intervenção isolada. Estudos adequadamente desenhados e conduzidos são necessários para esclarecer o papel dos tratamentos tópico e cirúrgico.
O tratamento ideal da TS nas pernas ainda continua indefinido. O tratamento deve melhorar e aliviar os sintomas dolorosos locais além de prevenir o surgimento do tromboembolismo venoso (TEV), que pode complicar a história natural da TS. Esta é a terceira atualização de uma revisão publicada pela primeira vez em 2007.
Avaliar a eficácia e a segurança dos tratamentos tópicos, clínicos, e cirúrgicos para a TS nas pernas para melhorar os sintomas locais e diminuir as complicações tromboembólicas.
Para esta atualização, o Especialista em Informação do grupo Cochrane Vascular fez buscas no Cochrane Vascular Specialised Register (em março de 2017), na CENTRAL (2017, Issue 2) e em plataformas de registros de ensaios clínicos (em março de 2017). Fizemos buscas manuais nas listas de referências de artigos e de anais de conferências relevantes.
Incluímos ensaios clínicos controlados e randomizados (ECRs) que avaliaram tratamentos tópicos, clínicos, e cirúrgicos para TS nas pernas. Os estudos deveriam incluir pessoas com diagnóstico clínico de TS nas pernas ou diagnóstico objetivo de trombo em uma veia superficial.
Dois autores avaliaram os estudos para inclusão na revisão, extraíram os dados e avaliaram a qualidade dos estudos. Os dados dos estudos incluídos foram extraídos de forma independente. As discordâncias foram resolvidas por consenso. Avaliamos a qualidade da evidência usando a metodologia GRADE.
Identificamos três estudos adicionais (613 participantes). Portanto, esta versão atualizada da revisão incluiu 33 estudos envolvendo 7296 pessoas com TS nas pernas. Os tratamentos testados nesses estudos foram: fondaparinux, rivaroxaban, heparina de baixo peso molecular (HBPM), heparina não fracionada (HNF), anti-inflamatórios não-esteroides (AINEs), meias de compressão, tratamento tópico, intramuscular ou endovenoso, e intervenções cirúrgicas como trombectomia ou ligadura. Apenas uma minoria de estudos comparou o tratamento com placebo em vez de um tratamento alternativo. Muitos estudos eram pequenos e de baixa qualidade. A combinação dos dados foi possível para poucos desfechos, e nenhum deles fazia parte de um estudo controlado com grupo de placebo. Em um grande ECR controlado com grupo placebo envolvendo 3002 participantes, o fondaparinux subcutâneo, comparado ao placebo produziu uma redução significativa do TEV sintomático (razão de risco (RR) 0,15, intervalo de confiança (IC) de 95% 0,04 a 0,50, evidência de qualidade moderada), reduziu a extensão da TS (RR 0,08, IC 95% 0,03 a 0,22, evidência de qualidade moderada) e a recorrência da TS (RR 0,21, IC 95% 0,08 a 0,54, evidência de qualidade moderada). Em ambos os grupos, houve poucos casos de sangramentos graves. Isso levou a um intervalo de confiança muito amplo em torno da estimativa de risco (RR 0,99, IC 95% 0,06 a 15,86, evidência de qualidade moderada). Um ECR com 472 participantes com TS que tinham um alto risco de tromboembolismo relatou que o fondaparinux, comparado à 10 mg de rivaroxaban, produziu uma redução não-significativa do TEV sintomático (RR 0,33; IC 95% 0,03 a 3,18, evidência de baixa qualidade). Não houve eventos hemorrágicos graves em nenhum dos grupos (evidência de baixa qualidade). Em outro estudo controlado com grupo placebo, tanto doses profiláticas como terapêuticas de HBPM (profiláticas: RR 0,44; IC 95% 0,26 a 0,74; terapêuticas: RR 0,46, IC 95% 0,27 a 0,77) e AINEs (RR 0,46, IC 95% 0,27 a 0,78) reduziram a extensão (evidência de baixa qualidade) e a recorrência da TS (evidência de baixa qualidade) em comparação com placebo, sem efeitos significativos sobre TEV sintomático (evidência de baixa qualidade) ou sangramentos graves (evidência de baixa qualidade). Em geral, os tratamentos tópicos melhoraram os sintomas locais em comparação com o placebo. Porém esses estudos não avaliaram os efeitos do tratamento sobre a extensão da TS ou sobre o surgimento do TEV. O tratamento cirúrgico combinado com meias elásticas foi associado a uma menor taxa de TEV e progressão da TS em relação ao uso isolado das meias elásticas. Porém, a maioria dos estudos que compararam diferentes tratamentos orais, tratamentos tópicos, ou cirúrgicos, não avaliou o surgimento do TEV, a progressão da TS, eventos adversos ou efeitos adversos do tratamento.
Tradução do Centro Afiliado Paraíba, Cochrane Brazil (Gabriel Rodrigues de Assis Ferreira e Maria Regina Torloni). Contato: tradutores@centrocochranedobrasil.org.br.