Há pouca evidência para apoiar ou refutar a necessidade de fornecer nutrição para crianças gravemente doentes internadas em uma unidade de cuidados intensivos pediátricos (UTI) durante a primeira semana da sua doença.
Dar nutrientes através de uma sonda que vai da boca até o estômago (alimentação enteral) ou diretamente injetados na veia (alimentação parenteral) é muitas vezes considerado uma prioridade quando a criança está com uma doença grave. Porém, existem motivos sugerindo que isso pode não ser necessariamente verdade. Durante uma doença grave, o metabolismo do corpo se modifica e ocorre uma diminuição na necessidade de calorias. Além disso, existem efeitos adversos conhecidos decorrentes da oferta excessiva de nutrientes para essas crianças, tais como o atraso na retirada da criança do aparelho que a ajuda a respirar (ventilação mecânica), problemas no fígado e piora da inflamação.
Encontramos apenas um pequeno estudo randomizado controlado que comparou a alimentação precoce (dentro de 24 horas após a criança ter sofrido queimaduras) versus a alimentação convencional (após pelo menos 48 horas). O estudo não encontrou diferenças entre os grupos para qualquer um dos resultados examinados. Mais pesquisas nesta área são urgentemente necessárias para ajudar a orientar o tratamento ideal de crianças em estado crítico. Em uma recente atualização das nossas buscas (em fevereiro de 2016), identificamos o protocolo de um estudo randomizado relevante que está em andamento. Porém ainda não foram publicados resultados desse estudo.
Existe apenas um estudo randomizado relevante sobre a questão desta revisão. Existe uma necessidade urgente de realizar novos estudos para identificar as melhores práticas no que diz respeito ao momento e às formas de nutrição para crianças gravemente enfermas.
Não existem muitas pesquisas sobre o suporte nutricional para crianças gravemente enfermas (em estado crítico) e este é um tópico bastante controverso no cuidado intensivo pediátrico. Não há diretrizes claras sobre a melhor forma ou melhor momento de introduzir nutrientes para crianças gravemente doentes. Essa é uma atualização de uma revisão publicada originalmente em 2009.
O objetivo dessa revisão foi avaliar o impacto da nutrição enteral e parenteral dada na primeira semana de doença, sobre desfechos clinicamente relevantes em crianças gravemente enfermas. Estas foram nossas duas hipóteses principais:
1. a taxa de mortalidade das crianças gravemente enfermas que recebem alimentação enteral ou parenteral difere da taxa de mortalidade daquelas que não recebem alimentação;
2. a taxa de mortalidade das crianças gravemente enfermas que recebem alimentação enteral é diferente da taxa de mortalidade daquelas que recebem alimentação parenteral.
Para avaliar possíveis diferenças no efeito da intervenção, planejamos fazer as seguintes análises de subgrupos, se houvessem dados disponíveis:
A. idade (crianças com menos de um ano versus um ano ou mais);
B .tipo de paciente: clínico (internado na unidade de terapia intensiva-UTI devido a problema clínico, ou seja, sem intervenção cirúrgica imediatamente antes da admissão) versus cirúrgico (internação na UTI para cuidados pós-operatórios ou cuidados pós-trauma).
Estas foram nossas hipóteses secundárias (a priori), na dependência de ensaios clínicos em andamento, para avaliar em maior detalhe o efeito da intervenção:
3. a taxa de mortalidade é diferente em crianças que recebem apenas nutrição enteral versus nutrição enteral mais parenteral;
4. a taxa de mortalidade é diferente em crianças que recebem alimentação enteral e parenteral versus nenhuma nutrição.
Para esta atualização, fizemos buscas nas seguintes bases de dados: Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL 2016, Issue 2); Ovid MEDLINE (1966 a fevereiro de 2016); Ovid EMBASE (1988 a fevereiro de 2016); OVID Evidence-Based Medicine Reviews; ISI Web of Science - Science Citation Index Expanded (1965 a fevereiro de 2016); WebSPIRS Biological Abstracts (1969 a fevereiro de 2016); e WebSPIRS CAB Abstracts (1972 a fevereiro de 2016). Também fizemos buscas em plataformas de registros de ensaios clínicos, revisamos as listas de referências de todos os estudos potencialmente relevantes, fizemos buscas manuais em anais de congressos relevantes e contatamos especialistas na área e fabricantes de produtos de nutrição enteral e parenteral. Não houve restrição por idioma ou status de publicação.
Incluímos ensaios clínicos randomizados envolvendo pacientes pediátricos (idade entre 1 dia e 18 anos) internados em UTI pediátrica, que relatavam o uso de nutrição nos primeiros 7 dias de internação e que apresentavam dados para pelo menos um dos nossos desfechos pré-estabelecidos: mortalidade na UTI ou nos primeiros 30 dias, duração da internação na UTI ou no hospital, número de dias em aparelho de ventilação mecânica e complicações (como infecções nosocomiais). Excluímos os estudos que apresentavam apenas desfechos nutricionais, avaliações de qualidade de vida ou aspectos econômicos. Além disso, nossa revisão não abordou outras áreas da nutrição pediátrica, como imuno-nutrição e diferentes vias de administração da nutrição enteral.
Dois autores, trabalhando de forma independente, avaliaram as citações identificadas pelas buscas, aplicaram os critérios de inclusão e avaliaram o risco de viés dos estudos incluídos. As discrepâncias foram resolvidas por discussão até se chegar a um consenso. Um autor extraiu os dados e um segundo autor revisou a exatidão e completude dos mesmos. Demos uma nota de qualidade das evidências avaliando os seguintes domínios: limitações dos estudos, consistência do efeito, imprecisão, dados indiretos e viés de publicação.
Identificamos apenas um estudo relevante envolvendo 77 crianças em tratamento intensivo devido a queimaduras envolvendo mais de 25% da superfície corporal. Os participantes foram randomizadas para nutrição enteral nas primeiras 24 horas ou depois de 48 horas. Não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos para os desfechos mortalidade, sepse, dias em ventilação mecânica, duração da internação, eventos adversos inesperados, gasto energético de repouso, balanço de nitrogênio ou níveis séricos de albumina. O estudo foi classificado como tendo risco de viés incerto. A qualidade da evidência foi muito baixa pois foi baseada em apenas um estudo com poucos participantes. Na atualização mais recente da busca, identificamos o protocolo de um ensaio clínico randomizado relevante que está avaliando o impacto de não fornecer nutrição parenteral precoce para complementar a nutrição enteral em pacientes pediátricos em estado grave. Ainda não há resultados desse estudo.
Tradução do Cochrane Brasil (Bruno Jhônatan Costa Lima)