Terapia com inibidores da bomba de protões iniciada antes da endoscopia na hemorragia digestiva alta

Contexto

A hemorragia com origem no esófago (o canal que liga a garganta ao estômago), estômago ou duodeno (a primeira parte do intestino delgado) é uma emergência médica comum. A investigação sugeriu que a redução da quantidade de ácido no estômago pode ajudar a controlar a hemorragia, mas desconhece-se se é benéfico iniciar esse tratamento precocemente; ou seja, antes da endoscopia (o exame do esófago, estômago e duodeno com uma câmara de fibra ótica).

Pergunta de revisão

Revimos a evidência acerca do efeito de um tipo de medicamento anti-ácido (inibidores da bomba de protões) em comparação com a ausência de tratamento (placebo) ou outro tipo de medicamento anti-ácido (antagonistas do recetor da histamina-2) iniciado antes da endoscopia em pessoas com hemorragia digestiva alta.

Caraterísticas do estudo

A evidência encontra-se atualizada até junho de 2021. Incluímos seis estudos envolvendo 2.223 participantes. Todos os estudos foram realizados num ambiente hospitalar, e incluíram participantes com sinais clínicos de hemorragia digestiva alta.

Estes estudos reportaram dados para os seguintes resultados: morte (5 estudos, 2.143 participantes); recorrência de hemorragia gastrointestinal superior (5 estudos, 2.121 participantes); cirurgia (6 estudos, 2.223 participantes); a proporção de participantes com hemorragia ativa ou sinais de hemorragia grave recente na primeira endoscopia (4 estudos, 1.332 participantes); e a necessidade de terapia endoscópica (tal como injeção de medicamentos ou cauterização dos vasos sanguíneos) para hemorragia (3 estudos, 1.983 participantes). Um estudo relatou dados sobre o tempo para a alta, e dois estudos relataram dados para a necessidade de transfusão de sangue.

Resultados principais

Permanece incerto se o tratamento com um inibidor de bomba de protões antes da endoscopia afetou o risco de morte, hemorragias recorrentes, necessidade de cirurgia, a proporção de participantes com sinais de hemorragia grave ativa ou recente na primeira endoscopia, a duração do internamento ou a necessidade de transfusão de sangue. Contudo, o tratamento com um inibidor de bomba de protões antes da endoscopia provavelmente reduziu a necessidade de tratamento endoscópico da hemorragia.

Grau de certeza da evidência

O grau de certeza (qualidade) da evidência foi de baixo a moderado, devido principalmente a limitações na conceção e execução de alguns estudos, e à incapacidade de obter uma estimativa precisa do efeito (devido ao número inadequado de participantes e eventos nos estudos incluídos).

Conclusões dos autores: 

Existe evidência com grau de certeza moderado de que o tratamento com IBP iniciado antes da endoscopia para a hemorragia digestiva alta provavelmente reduz a necessidade de tratamento hemostático endoscópico na endoscopia inicial. No entanto, não existe evidência suficientes para concluir se o tratamento pré-endoscópico com IBP aumenta, reduz ou não tem efeito sobre outros desfechos clínicos, incluindo mortalidade, ressangramento e necessidade de cirurgia. São necessários mais ECA bem conduzidos que estejam em conformidade com os padrões atuais para tratamento hemostático endoscópico e co-intervenções apropriadas, e que garantam que IBP em alta dose sejam administrados apenas em pessoas que receberam tratamento hemostático endoscópico, independentemente da aleatorização inicial. No entanto, como pode ser irrealista atingir o tamanho ideal da informação, ensaios multicêntricos pragmáticos podem fornecer evidência valiosa sobre este tópico.

Leia o resumo na íntegra...
Contexto: 

A hemorragia digestiva alta (HDA) é um motivo comum de admissão hospitalar de emergência. Os inibidores da bomba de protões (IBP) reduzem a produção de ácido gástrico e são usados ​​para controlar a hemorragia digestiva alta (HDA). No entanto, existe evidência conflituante quanto à eficácia clínica dos IBP iniciados antes da endoscopia em pessoas com hemorragia digestiva alta.

Objetivos: 

Avaliar os efeitos do tratamento com IBP iniciado antes da endoscopia em pessoas com hemorragia digestiva alta (HDA) aguda.

Métodos de pesquisa: 

Pesquisámos as bases de dados CENTRAL, MEDLINE, Embase e CINAHL e os principais anais de conferências até outubro de 2008, para as versões anteriores desta revisão, e em abril de 2018, outubro de 2019 e 3 de junho de 2021 para esta atualização. Também contactámos especialistas na área e pesquisamos registos de ensaios e referências de ensaios na procura de estudos adicionais.

Critérios de seleção: 

Selecionámos ensaios clínicos aleatorizados (ECA) que compararam o tratamento com um IBP (oral ou intravenoso) com o tratamento de controlo, que consistia em placebo, antagonista do recetor de histamina-2 (H 2 RA) ou ausência de tratamento, antes da endoscopia em pacientes hospitalizados com hemorragia digestiva alta não investigada.

Coleção e análise dos dados: 

Pelo menos dois revisores avaliaram de forma independente a elegibilidade do estudo, realizaram a extração de dados e avaliaram o risco de viés. Os desfechos avaliados aos 30 dias foram: mortalidade (o nosso outcome primário), ressangramento, cirurgia, estigmas de alto risco de hemorragia recente (hemorragia ativa, vaso visível sem hemorragia ou coágulo aderente) na endoscopia inicial, tratamento hemostático endoscópico na endoscopia inicial, tempo até à alta, necessidade de transfusão de sangue e efeitos adversos. Seguimos as recomendações metodológicas padrão esperadas pela Cochrane.

Principais resultados: 

Incluímos seis ECAs compreendendo 2.223 participantes. Nenhum novo estudo foi publicado após a pesquisa bibliográfica realizada em 2008 para a versão anterior desta revisão. Dos estudos incluídos, considerámos um com baixo risco de viés, dois com risco de viés incerto e três com alto risco de viés.

As nossas meta-análises sugerem que o uso pré-endoscópico de IBP pode não reduzir a mortalidade (OR 1,14, IC 95% 0,76 a 1,70; 5 estudos; evidência de baixo grau de certeza) e pode reduzir o ressangramento (OR 0,81, IC 95% 0,62 a 1,06; 5 estudos; evidência de baixo grau de certeza). Além disso, o uso pré-endoscópico de IBP pode não reduzir a necessidade de cirurgia (OR 0,91, IC de 95% 0,65 a 1,26; 6 estudos; evidência de baixo grau de certeza) e pode não reduzir a proporção de participantes com estigmas de alto risco de hemorragia recente na endoscopia inicial (OR 0,80, IC de 95% 0,52 a 1,21; 4 estudos; evidência de baixo grau de certeza). O uso pré-endoscópico de IBP provavelmente reduz a necessidade de tratamento hemostático endoscópico na endoscopia inicial (OR 0,68, IC 95% 0,50 a 0,93; 3 estudos; evidência com grau de certeza moderado).

Não houve dados suficientes para determinar o efeito do uso pré-endoscópico de IBP nas transfusões de sangue (2 estudos; meta-análise não foi possível; evidência de grau de certeza muito baixo) e o tempo até à alta (1 estudo; evidência de grau de certeza muito baixo).

Não houve heterogeneidade substancial entre os ensaios em qualquer análise.

Notas de tradução: 

Traduzido por: João Pedro Bandovas, Serviço de Cirurgia Geral, Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, e por Ricardo Manuel Delgado. Revisão final: Ricardo Manuel Delgado, Knowledge Translation Team, Cochrane Portugal.

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