Introdução
A Organização Mundial de Saúde define condições crônicas como “problemas de saúde que necessitam de controle contínuo durante anos ou décadas”. Muitas pessoas com um problema ou condição de saúde crônicos possuem mais de uma condição crônica, o que é chamado de multimorbidade. Assim, multimorbidade geralmente significa que as pessoas podem ter qualquer combinação de condições de saúde. No entanto, em muitos estudos, as combinações de condições de saúde são pré-especificadas e direcionadas para alguma combinação comum de doenças, como diabetes e doenças do coração. Nós nos referimos a esse tipo de estudo como estudos de comorbidade. A efetividade de intervenções para melhorar os desfechos de pessoas com multimorbidade é pouco compreendida. Essa versão é uma atualização de uma revisão publicada anteriormente.
Pergunta da revisão
Esta revisão objetivou identificar as evidências disponíveis sobre a efetividade de intervenções para melhorar os desfechos de pessoas com multimorbidade na atenção primária e no contexto da comunidade. A revisão objetivou também sintetizar os desfechos de saúde clínicos e mentais, além de desfechos reportados pelos pacientes, incluindo qualidade de vida.
Características dos Estudos
Nós realizamos buscas na literatura e identificamos 18 ensaios clínicos controlados e randomizados, em sua maioria bem delineados, e que estavam em concordância com os critérios de elegibilidade. As buscas estão atualizadas até 28 de setembro de 2015. Nove desses estudos se concentraram em combinações específicas de condições de saúde (estudos de comorbidade), por exemplo, diabetes e doença do coração. Os outros 9 estudos apresentaram uma tendência de se concentrarem na população de idosos, mas incluíram pessoas com uma grande variedade de condições de saúde (estudos de multimorbidade). A maioria dos estudos avaliaram intervenções que envolviam mudanças na forma de oferecimento do cuidado pela organização, mas alguns estudos avaliaram intervenções orientadas para o paciente. Todos os estudos receberam financiamento do governo ou de instituições beneficentes.
Resultados principais
Em geral, os resultados sobre a efetividade das intervenções foram heterogêneos. Não houve uma melhora nitidamente positiva nos desfechos clínicos, na utilização de serviços de saúde, na aderência à terapia medicamentosa, no comportamento do paciente em relação a sua saúde, no comportamento do provedor do cuidado, nem nos custos. Em 7 estudos que se concentraram em estudar pessoas com depressão, os desfechos de saúde mental apresentaram uma modesta melhora. Dois estudos que se concentraram em estudar participantes com dificuldades funcionais também demonstraram uma modesta melhora nos desfechos funcionais. De uma maneira geral, os resultados indicam que é difícil melhorar os desfechos de pessoas com múltiplas condições de saúde. A revisão sugere que intervenções delineadas com foco em fatores de risco específicos (por exemplo, tratamento da depressão), ou intervenções que se concentram nas dificuldades funcionais vivenciadas no cotidiano (por exemplo, tratamento fisioterápico para melhorar a aptidão para a atividade física), podem ser mais efetivas. São necessários mais estudos sobre esse assunto, em particular estudos envolvendo pessoas com multimorbidade comuns e de diferentes idades.
Qualidade ou confiabilidade das evidências
Todos os estudos incluídos eram do tipo ensaio clínico controlado. De uma maneira geral, a qualidade desses estudos foi boa, mas muitos estudos não relataram todas as potenciais fontes de viés. O potencial para combinar de forma satisfatória os estudos e tirar conclusões gerais é limitado, pois as definições de multimorbidade variam entre os estudos. Na maior parte dos casos, nós consideramos que podemos confiar moderadamente nos resultados desta revisão. No entanto, devido ao pequeno número de estudos e aos resultados heterogêneos, nós reconhecemos que permanecem incertezas, e que estudos futuros têm o potencial de alterar nossas conclusões.
Esta revisão identifica a crescente disponibilidade de evidências para apoiar políticas para o manejo de pessoas com multimorbidade e comorbidade comuns na atenção primária e no contexto da comunidade. Até o momento, permanecem incertezas sobre a efetividade das intervenções para pessoas com multimorbidade devido ao número relativamente pequeno de ensaios clínicos controlados e randomizados conduzidos nessa área. Além disso, os ensaios clínicos existentes apresentaram resultados heterogêneos. Em atualizações futuras, os resultados podem ser alterados com a inclusão de estudos maiores, e bem conduzidos, que estão em andamento. Os resultados sugerem uma melhora nos desfechos de saúde quando as intervenções podem ser direcionadas para fatores de risco, como depressão, ou dificuldades funcionais específicas de pessoas com multimorbidade.
Muitas pessoas com doenças crônicas possuem mais de uma condição crônica, ao que nos referimos como multimorbidade. O termo comorbidade também pode ser utilizado, mas atualmente esse termo tem sido reservado para o contexto em que uma doença primária está relacionada a outras condições, como diabetes e doenças cardiovasculares. Esse termo também é utilizado quando determinadas condições coexistem, por exemplo, diabetes e depressão. Os fenômenos da multimorbidade e da comorbidade não são novos, mas, atualmente, há uma maior compreensão da importância e do impacto de melhorar os desfechos dos indivíduos afetados. Até o momento, as pesquisas na área haviam se dedicado, basicamente, a estudos de epidemiologia descritiva e de avaliação do impacto do problema. Poucas pesquisas se dedicaram a explorar a efetividade das intervenções que objetivam melhorar os desfechos das pessoas com multimorbidade.
Determinar a efetividade de intervenções realizadas nos serviços de saúde ou orientadas para o paciente, para melhorar os desfechos de pessoas com multimorbidade na atenção primária e no contexto da comunidade. Multimorbidade foi definida como duas ou mais condições crônicas no mesmo indivíduo.
Nós realizamos buscas no MEDLINE, EMBASE, CINAHL e em outras 7 bases de dados. As buscas estão atualizadas até 28 de setembro de 2015. Nós também buscamos estudos completos ou em andamento na literatura cinzenta e em consultas com especialistas da área.
Os estudos para inclusão foram avaliados e selecionados por dois autores da revisão, de forma independente. Nós consideramos para inclusão estudos que avaliaram intervenções para melhorar os desfechos de pessoas com multimorbidade assistidas na atenção primária ou vivendo na comunidade. Os estudos incluídos poderiam ser ensaios clínicos controlados e randomizados, ensaios clínicos não-randomizados, estudos do tipo “antes e depois” e análise de séries temporais interrompidas. Multimorbidade foi definida como duas ou mais condições crônicas no mesmo indivíduo, por isso incluiu estudos em que os participantes tinham combinações de quaisquer condições, ou combinações mais comuns de determinadas condições pré-especificadas (comorbidade), por exemplo, hipertensão e doença cardiovascular. A intervenção comparativa foi cuidado usual, conforme oferecido no contexto específico.
Os dados dos estudos incluídos foram extraídos, de forma independente, por dois autores da revisão, que também avaliaram a qualidade dos estudos e julgaram a confiabilidade das evidências utilizando o método GRADE. Quando possível, conduzimos uma metanálise dos resultados, e realizamos uma síntese narrativa dos demais resultados. Para demonstrar os efeitos através de todos os tipos de desfechos, apresentamos os resultados na ‘Tabela de Sumário de Resultados’ e no formato tabular convencional.
Nós identificamos 18 ensaios clínicos controlados e randomizados que avaliaram uma grande quantidade de intervenções complexas para pessoas com multimorbidade. Nove estudos se concentraram em identificar condições específicas, com ênfase para depressão, diabetes e doença cardiovascular. Os estudos remanescentes se concentraram na multimorbidade, geralmente em idosos. Em 12 estudos, o elemento predominante da intervenção foi uma mudança na forma de oferecimento do cuidado pela organização, usualmente realizado através do manejo dos casos ou aprimoramento do trabalho da equipe multidisciplinar. Em seis estudos, as intervenções foram predominantemente orientadas para o paciente, por exemplo, intervenções de suporte educacional ou intervenções para o apoio do autogerenciamento, todas diretamente oferecidas aos participantes. Em geral, nossa confiança nos resultados em relação à efetividade das intervenções variou de baixa a alta. A diferença nos desfechos clínicos foi pouca ou nenhuma (com base em evidências de confiabilidade moderada). Houve melhoria nos desfechos de saúde mental (com base em evidências de alta confiabilidade), com uma modesta redução nos escores médios de depressão nos estudos de comorbidade realizados em participantes com depressão (diferença padronizada entre médias (DPM) −2,23, 95% intervalo de confiança (IC) −2.52 a −1.95). Os desfechos reportados pelos pacientes parecem ter apresentado somente uma pequena melhoria (evidências de confiabilidade moderada), apesar de dois estudos, que avaliaram especificamente as dificuldades funcionais dos participantes, terem demonstrado efeitos positivos em desfechos funcionais. Em especial, um desses estudos também relatou redução na mortalidade após quatro anos de acompanhamento (Intervenção 6%, Controle 13%, Diferença absoluta 7%). A intervenção parece exercer pouca ou nenhuma diferença na utilização do serviço de saúde (evidências de confiabilidade baixa), e, provavelmente, leve melhora na aderência à terapia medicamentosa (evidência de confiabilidade baixa). O comportamento do paciente em relação a sua saúde (evidências de confiabilidade moderada) e o comportamento do provedor do cuidado em relação aos hábitos de prescrição e à qualidade do cuidado (evidências de confiabilidade moderada) também, provavelmente, apresentam leve melhoria. Dados sobre custos são limitados.
Tradução: Daniela Junqueira. Edição e revisão científica: Evidências em Saúde (www.evidenciasemsaude.com.br).