Administração intraperitoneal de anestésico local em pessoas submetidas a colecistectomia laparoscópica

Contexto

Entre 10% e 20% da população ocidental é afetada por cálculos biliares. Anualmente, 1% a 4% dessas pessoas irão desenvolver sintomas. A remoção da vesícula biliar (colecistectomia) é o principal tratamento de pacientes que desenvolvem cálculos biliares sintomáticos. A colecistectomia laparoscópica (cirurgia para remoção da vesícula biliar por pequenos orifícios) é o método preferido de cirurgia. A colecistectomia laparoscópica é considerada menos dolorosa do que a cirurgia aberta.

Revisões sistemáticas anteriores demonstraram que a administração de anestésico local (droga que entorpece parte do corpo) no abdómen (barriga) é possivelmente eficaz e associada a baixas taxas de eventos adversos graves. Contudo, a evidência que suporta tal é de muito baixa qualidade. Levámos a cabo esta revisão para atualizar a evidência com ensaios recentemente publicados.

Pesquisa de estudos e caraterísticas do estudo

Pesquisámos bases de dados de literatura médica até 19 de julho de 2021. Pesquisámos listas de referência de trabalhos relevantes. Também procurámos outros recursos para identificar ensaios não publicados ou em curso até 10 de setembro de 2021.

Identificámos 85 ensaios concluídos, com 76 ensaios (4957 pacientes submetidos a colecistectomia laparoscópica) que contribuíram com dados para pelo menos um dos resultados. A maioria dos participantes encontrava-se em forma e saudável e foi sujeita a colecistectomia laparoscópica eletiva. Os participantes foram atribuídos aleatoriamente para receberem (ou não) anestesia local por forma a garantir que os grupos a serem comparados fossem o mais semelhantes possível.

Financiamento

Sete ensaios receberam financiamento para a sua investigação de organismos externos; destes, três ensaios foram avaliados como estando em risco de presença de conflitos de interesse. Uns adicionais 17 ensaios declararam não haver financiamento.

Resultados principais

Não foram registadas mortes nos oito ensaios que reportaram mortes. Treze ensaios reportaram sobre eventos adversos graves (p.ex. baixa frequência cardíaca ou tensão arterial) e não demonstraram uma diferença nas taxas de efeitos secundários entre os que recebiam anestesia local e os que recebiam o controlo. Nenhum dos estudos reportou dados sobre qualidade de vida relacionada à saúde. Doze ensaios relataram o tempo de hospitalização após a cirurgia e demonstraram uma pequena diferença no tempo de hospitalização no grupo intraperitoneal. Três ensaios reportavam no próprio dia de alta cirúrgica e não demonstraram qualquer diferença entre a anestesia local e o controlo. As pontuações da dor foram mais baixas no grupo que recebeu anestesia intraperitoneal em comparação com os que receberam controlos às 4 a 8 horas (57 ensaios; 4046 participantes) e 9 a 24 horas (52 ensaios; 3588 participantes), medidas por uma pontuação analógica visual (uma tabela de 1 cm a 10 cm para indicar o nível de dor). Nenhum dos ensaios relatou o regresso à atividade ou o regresso ao trabalho.

Além disso, encontramos dois ensaios que ainda estão em curso, e um ensaio que foi concluído mas sem resultados publicados. Os três ensaios estão registados no registo de ensaios da OMS.

Grau de certeza da evidência

A maioria dos ensaios estavam em alto risco de enviesamento, o que significa que havia uma hipótese de se chegar a conclusões erradas devido à forma como o estudo foi conduzido. Para a maioria dos resultados, um elevado grau de preocupação quanto à imprecisão dos nossos resultados contribuiu para uma redução do grau de certeza nas nossas conclusões. Isto significa que estamos incertos sobre onde reside o valor do verdadeiro efeito. Globalmente, a força da evidência foi avaliada como sendo de muito baixa ou baixa certeza, o que significa que os benefícios ou danos da anestesia local para colecistectomia laparoscópica podem ser maiores ou menores.

Conclusões

Os acontecimentos adversos graves eram raros (evidência de muito baixa certeza). Encontrámos evidência de certeza moderada de que a anestesia local intraperitoneal provavelmente resulta numa redução do tempo de internamento hospitalar. Não encontrámos qualquer evidência clara de que a instilação intraperitoneal da anestesia local afete a proporção de pacientes que têm alta no mesmo dia da cirurgia. Descobrimos que a administração intraperitoneal de anestesia local reduz a pontuação de dor após colecistectomia laparoscópica num ambiente de ensaio aleatório, mas esta evidência era de baixa certeza.

Investigação ulterior

São necessários mais ensaios. Tais ensaios deveriam incluir resultados como a qualidade de vida, o tempo necessário para regressar à atividade normal, e o tempo necessário para regressar ao trabalho, que são importantes para a pessoa submetida à colecistectomia laparoscópica e para as pessoas que providenciam fundos para o tratamento.

Notas de tradução: 

Traduzido por: João Pedro Bandovas, Serviço de Cirurgia Geral, Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, com o apoio da Cochrane Portugal. Revisão final: Knowledge Translation Team, Cochrane Portugal.

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