Controle glicêmico intensivo versus controle glicêmico convencional para pessoas com diabetes tipo 1

Pergunta da revisão

O objetivo principal desta revisão foi avaliar, em pessoas com diabetes tipo 1, os efeitos positivos e negativos do controle mais rigoroso do nível de açúcar no sangue (controle glicêmico “intensivo”) em comparação com o controle menos rigoroso (controle glicêmico)

Introdução

O tratamento das pessoas com diabetes tipo 1 consiste em tomar insulina para controlar o nível de açúcar no sangue, por toda a vida. O objetivo principal do tratamento dessas pessoas é conseguir um “bom” controle do nível de açúcar no sangue e, ao mesmo tempo, evitar que elas tenham episódios de açúcar muito baixo no sangue (hipoglicemia grave). No entanto, diretrizes clínicas diferem em relação às metas glicêmicas (valores ideais de glicose no sangue) recomendadas para as pessoas que têm diabetes tipo 1.

Características do estudo

Encontramos 12 estudos relevantes, que incluíram um total de 2.230 participantes. Os participantes desses estudos variaram muito quanto a idade, a duração do diabetes e também quanto a já ter ou não complicações da doença quando eles foram incluídos nos estudos. A duração média do seguimento dos participantes variou entre 1 ano e 6,5 anos. A maioria dos estudos foi realizada na década de 1980 e todos os participantes moravam na Europa ou na América do Norte.

Resultados principais

O controle glicêmico intensivo foi muito efetivo na redução do risco de desenvolver complicações microvasculares do diabetes, como retinopatia (doença ocular), nefropatia (doença renal) e neuropatia (doença dos nervos). Enquanto 63/1.000 pessoas no grupo do controle glicêmico intensivo desenvolveram retinopatia diabética, 232/1.000 pessoas no grupo de controle convencional apresentaram esta complicação. Enquanto 159/1.000 pessoas com controle glicêmico intensivo desenvolveram nefropatia diabética 284/1.000 pessoas no grupo de controle convencional apresentaram esta complicação. Enquanto 49/1.000 pessoas no grupo com controle glicêmico intensivo desenvolveram neuropatia, isso ocorreu em 139/1.000 pessoas no grupo com controle convencional.

O controle glicêmico intensivo teve um efeito mais fraco na progressão da retinopatia e não encontramos evidência de que esse tipo de controle tenha qualquer efeito sobre a progressão da nefropatia nos participantes que já têm microalbuminúria (perda de albumina pelo rim). Não existem dados sobre o efeito do controle glicêmico rigoroso sobre a progressão da neuropatia.

Desfechos macrovasculares maiores (tais como derrame e infarto) foram muito raros nos estudos incluídos nesta revisão. Por isso, não conseguimos chegar a conclusões definitivas sobre o efeito do controle glicêmico rigoroso sobre esses problemas de saúde.

O controle glicêmico intensivo pode aumentar o risco de hipoglicemia grave, porém os resultados variaram entre os estudos, e apenas um grande estudo mostrou um claro aumento nos episódios de hipoglicemia grave nos pacientes sob controle intensivo. Fizemos uma análise de acordo com níveis de hemoglobina glicada (HbA1c; um indicador do do controle glicêmico a longo prazo) dos participantes no início do estudo. Essa análise sugere que o risco de hipoglicemia grave com controle intensivo da glicose possivelmente só estava aumentado para quem começou o estudo com valores de HbA1c relativamente baixos (inferior a 9,0%).

Quase não havia dados sobre qualidade de vida relacionada à saúde, morte por qualquer causa e custos. Em geral, a mortalidade foi muito baixa em quase todos os estudos. Os efeitos do controle glicêmico intensivo na qualidade de vida não ficaram claros e foram inconsistentes (tanto poderia melhorar ou piorar a qualidade de vida). Um estudo relatou que o controle glicêmico intensivo pode ser altamente interessante do ponto de vista financeiro porque pode reduzir as complicações do diabetes no futuro.

O controle glicêmico rigoroso reduziu o risco de desenvolver complicações microvasculares do diabetes. Os principais benefícios identificados nesta revisão vieram de estudos com pessoas mais jovens que estavam em estágios iniciais da doença. O treinamento adequado do paciente é importante nesse tipo de controle para evitar o risco de hipoglicemia grave. Para os pacientes que já têm complicações, os benefícios do controle glicêmico rigoroso parecem ser menores. No entanto, essa é uma questão que ainda precisa de mais estudos. Além disso, há uma falta de evidências de ensaios clínicos controlados sobre os efeitos de controle glicêmico rigoroso nas pessoas mais velhas ou naquelas que já têm doença macrovascular. Não há, atualmente, nenhuma evidência forte que aponte quais seriam os níveis ideais de glicemia para os pacientes com diabetes tipo 1. Portanto, as metas glicêmicas devem ser individualizadas, levando em conta a idade, o estágio da doença, o risco macrovascular, o estilo de vida e a capacidade de cada paciente controlar a sua doença.

Qualidade da evidência

Para a maioria dos desfechos, a a evidência foi considerada como sendo de qualidade moderada ou baixa (analisada de acordo com o GRADE).

Atualização dos dados

Esta evidência foi atualizada em dezembro de 2012.

Conclusão dos autores: 

O controle glicêmico rigoroso reduz o risco de desenvolver complicações microvasculares do diabetes. A evidência desse benefício é baseada principalmente em estudos envolvendo pacientes mais jovens em estágios iniciais da doença. Os benefícios precisam ser pesados contra os riscos, tais como a hipoglicemia grave; o treinamento do paciente é um aspecto importante na prática. Os efeitos do controle glicêmico rigoroso parecem tornar-se menos evidentes nos pacientes que já têm complicações. No entanto, ainda são necessários mais estudos sobre e esta questão. Além disso, há uma falta de evidência de ECRs sobre os efeitos de controle glicêmico rigoroso em pacientes mais velhos ou com doença macrovascular. Não há evidência forte sobre quais seriam as metas glicêmicas ideais para todos os pacientes. As metas precisam ser individualizadas, levando-se em conta a idade, o estágio da doença, o risco macrovascular, o estilo de vida do paciente e sua capacidade de controlar o diabetes.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

As diretrizes clínicas diferem em relação às metas glicêmicas recomendadas para pacientes com diabetes tipo 1. Estudos recentes em pacientes com diabetes tipo 2 sugerem que metas glicêmicas muito baixas podem aumentar o risco de mortalidade.

Objetivos: 

Avaliar os efeitos do controle glicêmico intensivo versus o convencional em pacientes com diabetes tipo 1, em termos de complicações a longo prazo. Avaliar se valores glicêmicos muito baixos, próximos à normalidade, trazem benefícios adicionais.

Métodos de busca: 

Fizemos buscas nas seguintes bases de dados eletrônicas: Biblioteca Cochrane, MEDLINE e Embase. A busca foi realizada em dezembro de 2012.

Critério de seleção: 

Incluímos todos os ensaios clínicos randomizados (ECR) que testaram diferentes metas de controle glicêmico em pacientes com diabetes tipo 1 e que tinham acompanhamento de pelo menos um ano.

Coleta dos dados e análises: 

Dois revisores extraíram os dados e avaliaram o risco de viés dos estudos, de forma independente. As divergências foram resolvidas por consenso. A qualidade geral das evidências foi avaliada pelo sistema GRADE. Fizemos metanálises usando os modelos de efeitos aleatórios. Apresentamos os resultados dos desfechos dicotômicos como risco relativo (RR), com intervalos de confiança de 95% (95% CI).

Principais resultados: 

Identificamos 12 ECRs (2.230 pacientes) que preencheram nossos critérios de seleção. As características dos pacientes variaram muito entre os estudos. Um estudo incluiu apenas crianças, outro incluiu apenas pacientes com transplante renal, um incluiu apenas adultos recém-diagnosticados com DM1 e diversos estudos incluíram pacientes com retinopatia ou microalbuminúria instalada. A duração média de acompanhamento dos pacientes nos diversos estudos variou entre 1 ano e 6,5 anos. A maioria dos estudos foi realizada na década de 1980, e todos ocorreram na Europa ou na América do Norte. Todos os estudos tiveram um alto risco de viés de desempenho (performance bias) para desfechos subjetivos (como hipoglicemia), já que não foi possível cegar os participantes quanto à intervenção. Metade dos estudos foi classificada como tendo alto risco de viés em pelo menos um dos outros domínios.

O controle glicêmico intensivo, em comparação com o tratamento convencional, reduziu o risco de complicações microvascularesa) retinopatia: 23/371 (6,2%) versus 92/397 (23,2%); RR 0,27 (95% CI 0,18 a 0,42); P < 0,00001; 768 participantes; 2 estudos; evidência de alta qualidade; b) nefropatia: 119/732 (16,3%) contra 211/743 (28,4%); RR 0,56 (95% CI 0,46 a 0,68); P < 0,00001; 1.475 participantes; 3 estudos; evidência de moderada qualidade; c) neuropatia: 29/586 (4,9%) contra 86/617 (13,9%); RR 0,35 (95% CI 0,23 a 0,53); P < 0,00001; 1.203 participantes; 3 estudos; evidência de alta qualidade O efeito sobre a progressão dessas complicações foi menor (retinopatia) ou possivelmente inexistente (nefropatia: RR 0,79; 95% CI 0,37 a 1,70); P = 0,55; 179 participantes com microalbuminúria; 3 estudos; evidência de qualidade muito baixa). Não há dados disponíveis em relação à progressão da neuropatia; O controle glicêmico intensivo reduziu o risco de progressão de retinopatia nos estudos com acompanhamento de pelo menos dois anos: 85/366 (23,2%) versus 154/398 (38,7%); (RR 0,61; 95% CI 0,49 a 0,76; P < 0,0001; 764 participantes; 2 estudos; evidência de qualidade moderada). Houve evidência de que inicialmente o controle glicêmico intensivo piorou a retinopatia após um ano de tratamento: 17/49 (34,7%) versus 7/47 (14,9%); RR 2,32 (95% CI 1,16 a 4.63); P = 0,02; 96 participantes; 2 estudos; evidência de baixa qualidade.

Desfechos macrovasculares maiores (acidente vascular cerebral e infarto do miocárdio) ocorreram muito raramente; portanto, não foi possível avaliar o efeito da intervenção sobre esses desfechos (evidência de baixa qualidade).

O controle glicêmico intensivo aumentou o risco de hipoglicemia grave. Porém os resultados foram heterogêneos, e apenas um estudo (o 'Diabetes Complications Clinical Trial', DCCT) mostrou aumento evidente no número de episódios de hipoglicemia grave no grupo sob tratamento intensivo. Uma análise de subgrupo, de acordo com o nível inicial de hemoglobina glicada (HbA1c) dos participantes, sugere que o risco de hipoglicemia seria maior apenas nos pacientes com níveis relativamente baixos de HbA1c (< 9,0%; evidência de baixa qualidade). Vários dos estudos incluídos mostraram também maior ganho de peso no grupo dos participantes tratados com controle glicêmico intensivo, e o risco de cetoacidose foi maior apenas nos estudos que utilizaram bombas de insulina no grupo de tratamento intensivo (qualidade de evidência muito baixa).

Em geral, a mortalidade por qualquer causa foi muito baixa em todos os estudos (evidência de moderada qualidade), exceto em um estudo que avaliou aloenxerto renal como tratamento para nefropatia diabética em fase final. A qualidade de vida relacionada à saúde foi relatada apenas no estudo DCCT; não houve diferença significativa nesse desfecho entre os grupos de intervenção e comparador (evidência de qualidade moderada). Além disso, somente o estudo DCCT apresentou dados sobre custos, indicando que o tratamento glicêmico intensivo era altamente custo-efetivo, considerando a redução das possíveis complicações do diabetes (evidência de qualidade moderada).

Notas de tradução: 

Tradução do Centro Cochrane do Brasil (Arnaldo Alves da Silva)

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