Pergunta da revisão
Revisamos as evidências sobre os efeitos do metilfenidato no comportamento de crianças e adolescentes com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).
Introdução
O TDAH é uma das doenças psiquiátricas mais comumente diagnosticadas e tratadas na infância. Crianças com TDAH têm dificuldade de se concentrar, são frequentemente hiperativas (inquietas, incapazes de ficar paradas por longos períodos) e impulsivas (fazem as coisas sem parar para pensar). O TDAH pode prejudicar o rendimento na escola, porque essas crianças têm dificuldade para seguir instruções e se concentrar. Seus problemas de comportamento podem interferir com a sua capacidade de se dar bem com a família e amigos, e frequentemente essas crianças se envolvem mais em encrencas. O metilfenidato é o medicamento mais frequentemente prescrito para tratar crianças e adolescentes com TDAH.
Características do estudo
Encontramos 185 estudos controlados randomizados (estudos nos quais os participantes são sorteados para receber um ou outro tratamento). Esses estudos envolveram 12.245 crianças ou adolescentes com diagnóstico de TDAH. Na maioria dos estudos, o metilfenidato foi comparado com placebo (um medicamento que parece e tem o mesmo gosto do metilfenidato, mas sem o ingrediente ativo). A maioria dos estudos tinha poucos participantes e era de baixa qualidade. Nesses estudos, a duração média do tratamento era em torno de 75 dias (variando de 1 a 425 dias). Isso tornou impossível avaliar os efeitos do metilfenidato a longo prazo. Setenta e dois dos 185 estudos (40%) eram patrocinados pela indústria farmacêutica.
Os dados apresentados nesta revisão foram colhidos até fevereiro de 2015.
Resultados principais
Os resultados sugerem que o metilfenidato pode melhorar alguns dos principais sintomas do TDAH, reduzindo a hiperatividade e a impulsividade e ajudando as crianças a se concentrarem. O metilfenidato também pode ajudar a melhorar o comportamento geral e a qualidade de vida das crianças com TDAH. Entretanto, não estamos seguros de que os resultados reflitam, de forma precisa, o grau do benefício do metilfenidato.
As evidências desta revisão de estudos clínicos randomizados sugerem que o metilfenidato não aumenta o risco de efeitos adversos graves (aqueles que representam ameaça à vida) quando o medicamento é usado por períodos de até seis meses. Entretanto, o uso do metilfenidato está associado com aumento do risco de efeitos adversos menores, como problemas do sono ou redução do apetite.
Qualidade da evidência
Para todos os desfechos avaliados, a qualidade das evidências disponíveis foi muito baixa. Isso aconteceu porque os investigadores dos estudos conseguiam saber em qual grupo as crianças estavam, ou seja, se estavam tomando o remédio ou o placebo. Outros motivos para a baixa a qualidade da evidência foram o relato incompleto dos resultados em muitos estudos e, para alguns dos desfechos, houve muita variação dos resultados entre os estudos incluídos na revisão. Isso limita nossa confiança nos resultados desta revisão como um todo.
Conclusões
Neste momento, com base na qualidade das evidências disponíveis, não podemos dizer com certeza se tomar o metilfenidato vai melhorar a vida das crianças e adolescentes com TDAH. Esse medicamento é associado com vários efeitos adversos não graves, como problemas de sono e redução do apetite. Embora a revisão não tenha encontrado evidência de que o medicamento provoque efeitos adversos graves, precisamos de estudos clínicos de mais longa duração para assegurar que o metilfenidato é seguro no longo prazo.
Como o metilfenidato provoca efeitos adversos, o desenho de estudos clínicos de alta qualidade é desafiador. Fica muito fácil para os clínicos, os pesquisadores e os próprios participantes descobrir se a criança está recebendo metilfenidato real ou placebo. Esse é um sério risco de viés que compromete a nossa confiança nos resultados. Uma possível maneira de se evitar isso seria planejar estudos em que o metilfenidato fosse comparado a um tipo de placebo que provocasse os mesmos efeitos adversos que a droga real, mas sem o ingrediente ativo. Esse tipo de estudo é chamado de "estudo de efeito nocebo". Porém, por razões éticas, estudos de efeito nocebo devem ser realizados primeiro com adultos e, somente se o metilfenidato fosse julgado efetivo em adultos, as crianças poderiam ser recrutadas para estudos com esse desenho.
Os resultados das metanálises sugerem que o metilfenidato pode melhorar os sintomas do TDAH e o comportamento avaliados pelos professores e a qualidade de vida avaliada pelos pais de crianças e adolescentes com a doença. Porém, a baixa qualidade das evidências encontradas significa que não se pode ter certeza sobre a magnitude dos efeitos. Dentro do período de acompanhamento curto dos estudos incluídos na revisão, há alguma evidência de que o uso do metilfenidato se associa com aumento do risco de eventos adversos não graves, como problemas do sono e diminuição do apetite, mas não há evidências de que aumente eventos adversos graves.
Estudos mais bem desenhados são necessários para se avaliar os benefícios do metilfenidato. Dada a frequência de eventos adversos não graves associados com a droga, a dificuldade de cegar os participantes e avaliadores aponta para a vantagem de se realizar estudos controlados grandes com um "comprimido nocebo", ou seja, uma substância semelhante ao placebo que cause eventos adversos no grupo controle semelhantes aos que ocorrem com os participantes que usam a droga real. Entretanto, por razões éticas, esses estudos deveriam primeiro ser conduzidos com adultos, que podem fornecer o consentimento informado.
Estudos futuros deveriam publicar os dados individualizados sem identificação para todos os desfechos, incluindo eventos adversos. Isso permitirá que os autores de revisões sistemáticas possam avaliar as diferenças entre os efeitos das intervenções conforme o sexo, idade, comorbidades, tipo de TDAH e dosagem. Finalmente, os resultados desta revisão sistemática apontam para a necessidade urgente de se realizarem ensaios clínicos randomizados grandes sobre tratamentos não farmacológicos para o TDAH.
O transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é uma das doenças psiquiátricas mais comumente diagnosticadas e tratadas na infância. Crianças com TDAH têm dificuldade de prestar atenção nas coisas, são hiperativas e impulsivas.
O metilfenidato é o medicamento mais prescrito para tratar crianças e adolescentes com TDAH. Porém, apesar de a droga ser amplamente utilizada, esta é a primeira revisão sistemática completa sobre seus benefícios e malefícios.
Avaliar os efeitos benéficos e eventos adversos do metilfenidato para crianças e adolescentes com TDAH.
Em fevereiro de 2015, fizemos buscas em seis bases de dados eletrônicas (CENTRAL, Ovid MEDLINE, EMBASE, CINAHL, PsycINFO, Conference Proceedings Citations Index) e em duas plataformas de registros de ensaios clínicos. Procuramos por estudos adicionais nas listas de referências dos estudos incluídos e de revisões relevantes. Entramos em contato com as empresas farmacêuticas que fabricam o metilfenidato para solicitar dados publicados e não publicados.
Incluímos todos os ensaios clínicos randomizados que comparavam o metilfenidato com placebo ou com nenhuma intervenção em crianças e adolescentes com até 18 anos de idade, com diagnóstico de TDAH. Pelo menos 75% dos participantes precisavam ter inteligência normal (QI maior ou igual a 70). Os desfechos analisados incluíram sintomas de TDAH, eventos adversos graves e não graves, comportamento geral e qualidade de vida.
Nesta revisão, 17 revisores participaram da extração de dados e avaliação do risco de viés, e dois revisores realizaram independentemente todas as tarefas. Utilizamos os procedimentos padrão de metodologia preconizados pela Cochrane. Os dados de ensaios clínicos com grupos paralelos e da primeira fase de estudos do tipo cross-over foram usados para nossas análises principais. Para os estudos do tipo cross-over, fizemos análises separadas dos resultados dados obtidos na segunda fase (após o cross-over). Utilizamos o método de Análise Sequencial de Ensaios Clínicos (Trial Sequential Analysis) para controlar os erros tipo I (5%) e tipo II (20%), e usamos o sistema GRADE (Grades of Recommendation, Assessment, Development and Evaluation) para avaliar a qualidade da evidência, quanto às limitações do estudo (alto risco de viés), imprecisão, evidência indireta, heterogeneidade e viés de publicação.
Os estudos.Nós incluímos 38 ensaios clínicos em paralelo (5.111 participantes randomizados) e 147 ensaios clínicos do tipo cross-over (7.134 participantes randomizados). Os participantes eram de ambos os sexos, com uma taxa meninos-meninas de 5:1; e as idades variaram de 3 a 18 anos na maioria dos estudos (em dois, as idades variaram de 3 a 21 anos). A média de idade entre todos os estudos foi de 9,7 anos. A maioria dos participantes era de países de alta renda.
A duração do tratamento com o metilfenidato variou de 1 a 425 dias, com média de 75 dias. O metilfenidato foi comparado com placebo (175 estudos) ou com nenhuma intervenção (10 estudos).
Risco de viés.Todos os 185 estudos foram categorizados como tendo alto risco de viés.
Desfechos primários O metilfenidato pode melhorar os sintomas conforme avaliação dos professores (diferença média padronizada, DMP, de -0,77; intervalo de confiança de 95%, 95% CI, de -0,90 a -0,64; 19 estudos, 1.698 participantes; evidência de muito baixa qualidade). Isso corresponde a uma diferença média (DM) de -9.6 pontos (95% CI -13,75 a -6,38) na escala ADHD Rating Scale (ADHD-RS), que varia de 0 a 72 pontos (DuPaul 1991a). Uma mudança de 6,6 pontos nessa escala representa a mudança mínima clinicamente relevante. Não houve evidência de que o metilfenidato esteja associado com aumento de eventos adversos graves, isto é, potencialmente letais (risco relativo, RR, de 0,98; 95% CI de 0,44 a 2,22; 9 estudos,1.532 participantes, evidência de muito baixa qualidade). O efeito da intervenção ajustado pela análise sequencial foi de RR 0,91 (95% CI de 0,02 a 33,2).
Desfechos secundáriosNo grupo do metilfenidato, 526 a cada 1.000 participantes (variando de 448 a 615) tiveram eventos adversos não graves, comparados com 408 de 1.000 no grupo controle. Isso equivale a um aumento de 29% (RR 1,29; 95% CI 1,10 a 1,51) do risco geral de ter qualquer evento adverso não grave (21 estudos, 3.132 participantes, evidência de muito baixa qualidade). O efeito da intervenção ajustado pela análise sequencial foi de RR 1,29 (95% CI de 1,06 a 1,56). Os eventos adversos mais comuns foram problemas do sono e redução do apetite. As crianças do grupo metilfenidato tiveram um risco 60% maior de ter problemas do sono (RR 1,60, 95% CI 1,15 a 2,23; 13 estudos, 2.416 participantes) e um risco 266% maior de diminuição do apetite do que as crianças do grupo controle (RR 3,66; 95% CI 2,56 a 5,23; 16 estudos, 2.962 participantes).
O comportamento geral das crianças conforme avaliado pelos professores pareceu melhorar com o metilfenidato (DMP -0,87; 95% CI -1,04 a -0,71; 5 estudos, 668 participantes; evidência de muito baixa qualidade).
Uma mudança de 7 pontos no escore do Child Health Questionnaire (que varia de 1 a 100 pontos; Landgraf, 1998) é considerada a menor diferença clinicamente relevante. A mudança identificada na metanálise de três estudos corresponde a uma diferença média de 8,0 pontos (95% CI de 5,49 a 10,46) no questionário, o que sugere que o metilfenidato pode melhorar a qualidade de vida avaliada pelos pais (DMP 0,61; 95% CI de 0,42 a 0,80; 3 estudos, 514 participantes; evidência de muito baixa qualidade).
Tradução do Centro Cochrane do Brasil (Patricia Logullo)