Os cigarros eletrônicos podem ajudar as pessoas a parar de fumar e têm algum efeito indesejável quando usados para este fim?

O que são cigarros eletrônicos?

Os cigarros eletrônicos (e-cigarettes) são dispositivos portáteis que funcionam aquecendo um líquido que geralmente contém nicotina e aromatizantes. Os cigarros eletrônicos permitem que os usuários inale nicotina em vapor em vez de fumaça. Por não queimarem tabaco, os cigarros eletrônicos não expõem os usuários às mesmas quantidades de produtos químicos causadores de doenças que os cigarros convencionais.

O uso de um cigarro eletrônico é comumente conhecido como 'vaping'. Muitas pessoas usam cigarros eletrônicos para ajudá-las a parar de fumar tabaco. Nesta revisão nos concentramos principalmente nos cigarros eletrônicos com nicotina.

Por que fizemos esta revisão Cochrane?

Deixar de fumar diminui o risco de desenvolver câncer de pulmão, ataques cardíacos e muitas outras doenças. Muitas pessoas têm dificuldade de parar de fumar. Queríamos saber se o uso de cigarros eletrônicos poderia ajudar as pessoas a parar de fumar. Também queríamos saber se as pessoas que usam cigarros eletrônicos experimentam algum efeito indesejável.

O que nós fizemos?

Buscamos estudos que investigaram o uso de cigarros eletrônicos para parar de fumar.

Procuramos por ensaios clínicos randomizados, nos quais os tratamentos recebidos pelas pessoas foram decididos aleatoriamente. Os ensaios clínicos randomizados são os estudos que fornecem a evidência mais confiável sobre os efeitos do tratamento. Também procuramos estudos nos quais todos receberam tratamento com cigarros eletrônicos. Também incluímos estudos que forneceram cigarros eletrônicos a fumantes e monitorou sua saúde, mesmo que não houvesse grupo randomizado, pois tais estudos podem contribuir para nossa compreensão dos efeitos do uso de CE na saúde.

Estávamos interessados em descobrir:

- quantas pessoas pararam de fumar por pelo menos seis meses; e
- quantas pessoas tiveram efeitos indesejáveis, relatados após pelo menos uma semana de uso.

Data da busca: Incluímos evidências publicadas até 1 de Julho de 2023.

O que descobrimos

Encontramos 88 estudos com um total de 27.235 adultos que fumavam. Os estudos compararam os cigarros eletrônicos com:

- terapia de reposição de nicotina, tais como adesivos ou chicletes;

- vareniclina (um medicamento para ajudar as pessoas a parar de fumar);
· cigarros eletrônicos sem nicotina;

· tabaco aquecido (produtos projetados para aquecer o tabaco a uma temperatura suficientemente alta para libertar vapor, sem queimá-lo ou produzir fumo; diferem dos cigarros eletrônicos porque aquecem a folha/lâmina de tabaco em vez de um líquido);

- outros tipos de cigarros eletrônicos contendo nicotina (por exemplo, dispositivos pod, dispositivos mais novos);
- suporte comportamental, como a orientação ou aconselhamento; ou
- nenhum apoio para parar de fumar.

A maioria dos estudos foi realizada nos EUA (38 estudos), no Reino Unido (19) e na Itália (9).

Quais são os resultados de nossa revisão?

As pessoas têm maior probabilidade de parar de fumar por pelo menos seis meses usando cigarros eletrônicos com nicotina do que usando terapia de reposição de nicotina (7 estudos, 2.544 pessoas) ou cigarros eletrônicos sem nicotina (6 estudos, 1.613 pessoas).

Os cigarros eletrônicos com nicotina pode ajudar mais pessoas a parar de fumar do que a ausência de suporte ou apenas o uso de suporte comportamental (9 estudos, 5024 pessoas).

Para cada 100 pessoas que usam cigarros eletrônicos com nicotina para parar de fumar, 8 a 10 podem parar de fumar efetivamente, em comparação com apenas 6 de 100 pessoas que usam a terapia de reposição de nicotina, 7 de 100 que usam cigarros eletrônicos sem nicotina, ou 4 de 100 pessoas que não recebem nenhum suporte ou recebem apenas suporte comportamental.

Não sabemos se existe uma diferença entre a quantidade de efeitos indesejáveis que ocorre em pessoas que usam cigarros eletrônicos com nicotina em comparação com as que usam a terapia de reposição de nicotina, ou as que não usam nenhum suporte ou usam apenas suporte comportamental. Encontramos algumas evidências de que os efeitos indesejáveis não graves foram mais comuns nos grupos que receberam cigarros eletrônicos com nicotina em comparação com os que não receberam nenhum suporte ou que receberam apenas suporte comportamental. Baixos números de efeitos indesejados, incluindo efeitos indesejados graves, foram relatados em estudos comparando cigarros eletrônicos com nicotina à terapia de reposição de nicotina. Provavelmente não há diferença na quantidade de efeitos indesejáveis não graves em pessoas que usam cigarros eletrônicos com nicotina em comparação com cigarros eletrônicos sem nicotina.

Os efeitos indesejáveis relatados com mais frequência com os cigarros eletrônicos com nicotina foram irritação na garganta ou na boca, dor de cabeça, tosse e sensação de mal-estar. Esses efeitos pareceram semelhantes aos que as pessoas sentem ao usar a terapia de reposição de nicotina . Estes efeitos foram reduzidos com o tempo, à medida que as pessoas continuaram a usar cigarros eletrônicos com nicotina.

Até que ponto estes resultados são confiáveis?

Nossos resultados são baseados em poucos estudos para a maioria dos desfechos e, para alguns desfechos, os dados variaram muito.

Encontramos evidências de que os cigarros eletrônicos com nicotina ajudam mais pessoas a parar de fumar do que a terapia de reposição de nicotina. Provavelmente, os cigarros eletrônicos com nicotina ajudam mais pessoas a parar de fumar do que os cigarros eletrônicos sem nicotina, mas mais estudos ainda são necessários para confirmar isso.

Estudos comparando os cigarros eletrônicos com nicotina versus suporte comportamental ou sem suporte também mostraram taxas mais altas de cessação em pessoas que usam cigarros eletrônicos com nicotina. No entanto, estes estudos forneceram dados de menor confiabilidade, devido à presença de problemas com a metodologia destes estudos.

A maioria dos nossos resultados relacionados aos efeitos indesejáveis poderia mudar quando mais evidências estiverem disponíveis.

Mensagens principais

Os cigarros eletrônicos com nicotina podem ajudar as pessoas a parar de fumar por pelo menos seis meses. As evidências mostram que eles funcionam melhor do que a terapia de reposição de nicotina e provavelmente melhor do que os cigarros eletrônicos sem nicotina.

Eles também podem funcionar melhor do que nenhum suporte ou suporte comportamental apenas. Além disso, eles podem não estar associados a efeitos indesejáveis graves.

No entanto, ainda precisamos de mais evidências, especialmente sobre os efeitos de tipos mais recentes de cigarros eletrônicos que têm uma melhor libertação de nicotina do que os tipos mais antigos de cigarros eletrônicos, já que uma melhor libertação de nicotina pode ajudar mais pessoas a deixar de fumar.

Conclusão dos autores: 

Há alta certeza da evidência de que os CE com nicotina aumentam as taxas de cessação em comparação com a terapia de reposição de nicotina, e moderada certeza da evidências de que aumentam as taxas de cessação em comparação com os CE sem nicotina. As evidências que comparam a CE com nicotina com os cuidados habituais/sem tratamento também sugerem benefício, mas são menos certas devido ao risco de viés inerente ao desenho do estudo. Os ICs foram, na maioria das vezes, amplos para os dados sobre os eventos adversos, eventos adversos graves e outros marcadores de segurança, sem diferença nos eventos adversos entre CE com nicotina e sem nicotina, nem entre CE com nicotina e a terapia de reposição de nicotina. A incidência geral de eventos adversos graves foi baixa em todos os grupos de estudo. Não detectamos evidências de efeitos adversos dos CEs com nicotina, porém, o acompanhamento mais longo foi de dois anos e o número de estudos foi pequeno.

A principal limitação das evidências permanece sendo a imprecisão, devido ao pequeno número de ECRs, muitas vezes com a ocorrência de poucos eventos. Outros ECRs estão em andamento. Para garantir que a revisão continue a fornecer informações atualizadas aos tomadores de decisão, esta revisão é uma revisão sistemática viva. Realizamos buscas mensalmente e a revisão é atualizada sempre que novas evidências relevantes se tornam disponíveis. Consulte a Cochrane Database of Systematic Reviews para saber como esta revisão está atualmente.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

Os cigarros eletrônicos (CEs) são dispositivos eletrônicos portáteis que produzem um aerossol (dispositivo vaping) por meio do aquecimento de um liquido (e-liquids). As pessoas que fumam, prestadores de serviços de saúde e reguladores estão interessados em saber se os cigarros eletrônicos podem ajudar as pessoas a parar de fumar e se estes dispositivos são seguros para esse fim . Esta é uma atualização de uma revisão sistemática viva.

Objetivos: 

Examinar a segurança, tolerabilidade e efetividade do uso de cigarros eletrônicos (CEs) para ajudar as pessoas que fumam tabaco a alcançar a abstinência do tabagismo a longo prazo, em comparação com os CEs sem nicotina, outros tratamentos para parar de fumar e nenhum tratamento.

Métodos de busca: 

Fizemos buscas no Cochrane Tobacco Addiction Group's Specialized Register, de 1 de Fevereiro de 2023, e Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL), MEDLINE, Embase e PsycINFO até 1 de Julho de 2023, e verificamos referências e contatamos os autores dos estudos.

Critério de seleção: 

Incluímos estudos nos quais pessoas que fumam foram randomizadas para uma condição de CE ou controle. Também incluímos estudos de intervenção não controlados nos quais todos os participantes receberam uma intervenção de CE, uma vez que estes estudos têm o potencial de fornecer mais informações sobre os danos e uso a longo prazo. Os estudos tiveram que relatar um desfecho elegível.

Coleta dos dados e análises: 

Seguimos os métodos padronizados pela Cochrane para coleta e extração de dados. Desfechos críticos incluíram abstinência do cigarro após pelo menos seis meses, eventos adversos e eventos adversos graves. Usamos um modelo de efeito fixo Mantel-Haenszel para calcular os riscos relativos (RRs) com intervalos de confiança (ICs) de 95% para os desfechos dicotômicos. Para os desfechos contínuos, calculamos as diferenças médias. Quando apropriado, reunimos os dados em metanálise em rede.

Principais resultados: 

Incluímos 88 estudos concluídos (10 novos nesta atualização), representando 27.235 participantes, dos quais 47 eram ensaios clínicos randomizados (ECRs). Dos estudos incluídos, nós avaliamos dez (todos, exceto um, contribuíram para nossas principais comparações) com baixo risco de viés em geral, 58 com alto risco em geral (incluindo todos os estudos não randomizados) e o restante com risco incerto de viés.

Há alta certeza de que o CE com nicotina aumenta as taxas de cessação em comparação com a terapia de reposição de nicotina (RR 1,59, IC 95% 1,29 a 1,93; I 2 = 0%; 7 estudos, 2.544 participantes). Em termos absolutos, isso pode se traduzir em quatro desistentes a mais a cada 100 tabagistas (IC 95% 2 a 6 a mais). Há moderada certeza da evidência (limitada pela imprecisão) de que a taxa de ocorrência de eventos adversos é semelhante entre os grupos (RR 1,03, IC 95% 0,91 a 1,17; I 2 = 0%; 5 estudos, 2.052 participantes). Os efeitos adversos graves foram raros, e não há evidências suficientes para determinar se as taxas diferem entre os grupos devido a imprecisão muito grave na estimativa do efeito (RR 1,20, IC 95% 0,90 a 1,60; I 2 = 32%; 6 estudos, 2.761 participantes; baixa certeza da evidência).

Há moderada certeza da evidência, limitadas pela imprecisão, de que o CE com nicotina aumenta as taxas de cessação em comparação com o CE sem nicotina (RR 1,46, IC 95% 1,09 a 1,96; I 2 = 4%; 6 estudos, 1.613 participantes). Em termos absolutos, isto pode se traduzir em três desistentes a mais a cada 100 tabagistas (IC 95% 1 a 7 a mais). Há moderada certeza da evidência de que não há diferença na taxa de eventos adversos entre estes grupos (RR 1,01, IC 95% 0,91 a 1,11; I 2 = 0%; 5 estudos, 1840 participantes). Não há evidências suficientes para determinar se as taxas de eventos adversos graves diferem entre os grupos, devido a uma imprecisão muito grave na estimativa do efeito (RR 1,00, IC 95% 0,56 a 1,79; I 2 = 0%; 9 estudos, 1412 participantes; baixa certeza da evidência).

Devido a questões de risco de viés, há baixa certeza da evidência de que, em comparação com apenas/sem apoio comportamental, as taxas de cessação podem ser mais altas para participantes randomizados para CE com nicotina (RR 1,88, IC 95% 1,56 a 2,25; I 2 = 0%; 9 estudos, 5.024 participantes). Em termos absolutos, isto representa quatro desistentes a mais a cada 100 tabagistas (IC 95% 2 a 5 a mais). Encontramos algumas evidências de que os eventos adversos não graves foram mais comuns em pessoas sorteadas para receber o CE com nicotina (RR 1,22, IC 95% 1,12 a 1,32; I 2 = 41%, 4 estudos, 765 participantes; baixa certeza da evidência). E, novamente, encontramos evidências insuficientes para determinar se as taxas de eventos adversos graves diferiram entre grupos (RR 0,89, IC 95% 0,59 a 1,34; I 2 = 23%; 10 estudos, 3263 participantes; muito baixa certeza da evidência).

Os resultados da metanálise em rede foram consistentes com os das metanálises pareadas para todos os desfechos críticos, e não houve indicação de inconsistência dentro das redes.

Os dados de estudos não randomizados foram consistentes com os dados de ECRs. Os eventos adversos mais comumente relatados foram a irritação na garganta ou boca, dor de cabeça, tosse e náusea, os quais tendiam a diminuir com o uso contínuo do CE. Muito poucos estudos relataram dados sobre os outros desfechos ou comparações, portanto, as evidências para estes são limitadas, com os ICs muitas vezes envolvendo danos e benefícios clinicamente significativos.

Notas de tradução: 

Tradução do Cochrane Brazil (Mayara Rodrigues Batista). Contato: tradutores.cochrane.br@gmail.com

Tools
Information