Pergunta da revisão
Revisamos as evidências sobre o efeito do tratamento adicional ("adjuvante") com esteroides em pessoas com infecção por influenza.
Introdução
A maioria das pessoas com influenza tem febre, dor de cabeça, tosse e melhora sem nenhum tratamento específico. Entretanto, uma pequena proporção de pacientes desenvolve uma forma mais grave de influenza que requer internação em uma unidade de terapia intensiva. É comum esses pacientes receberem corticosteroides como parte do seu tratamento. Porém, as evidências que apoiam o uso desses remédios nestas circunstâncias são controversas.
Características do estudo
Procuramos estudos que compararam o tratamento adicional com esteroides versus não dar esse tratamento para pessoas com influenza. As evidências estão atualizadas até 3 de outubro de 2018. Identificamos um total de 30 estudos com 99.224 indivíduos; um desses estudos foi um ensaio clínico. A maioria dos estudos investigou adultos internados no hospital durante a pandemia de influenza em 2009 e 2010.
Principais resultados
Encontramos um ensaio clínico relevante, porém ele incluiu poucos participantes (n = 24) com influenza confirmada laboratorialmente. Os outros 29 estudos eram observacionais. A qualidade (grau de certeza) da evidência desses estudos é muito baixa. Os achados indicam que as pessoas com influenza que recebem tratamento adicional com esteroides podem ter maior risco de morrer do que aquelas que não recebem esteroides. A infecção hospitalar foi o principal "efeito colateral" relacionado ao tratamento com esteroides relatado nos estudos incluídos. A maioria dos estudos relatou maior risco de infecção hospitalar no grupo tratado com esteroides. Porém, não ficou claro se os pacientes com quadros mais graves de influenza tinham sido selecionados para receber esteroides. Consequentemente, não foi possível saber se o tratamento adicional com esteroides em pessoas com influenza é realmente prejudicial ou não. Portanto, são necessários mais ensaios clínicos sobre o uso de esteroides como terapia adjuvante no tratamento das pessoas com influenza. No momento, o uso de esteroides para pessoas com influenza continua a ser uma decisão baseada apenas no julgamento clínico do profissional de saúde.
Certeza da evidência
O único ensaio clínico controlado sobre essa intervenção incluiu apenas 24 participantes com influenza confirmada, e houve poucos casos de pacientes graves internados na UTI e com sepse.
O restante das evidências é proveniente de estudos observacionais. A qualidade (certeza) dessa evidência foi considerada muito baixa. Uma grande limitação foi que as indicações para usar corticosteroides não foram totalmente descritas em muitos dos estudos. Os corticosteroides podem ter sido usados como uma última tentativa em pessoas com a doença mais grave ou, inversamente, podem ter sido usados para tratar doenças menos graves que ocorreram junto com a influenza, como crises de asma. Em alguns estudos houve uma grande associação entre o uso de corticosteroides e a presença de fatores de confusão, como gravidade da doença e doenças subjacentes. A indicação do corticoide pode ter sido um fator de confusão, se ela não foi ajustada na avaliação da estimativa de efeito da intervenção. Houve relato inconsistente de outras variáveis importantes que podem afetar a mortalidade do paciente com influenza. Vários estudos não relataram o tempo até a internação, o uso e o tempo de uso de drogas antivirais e antibióticos, e o tipo, dose, momento da introdução e duração da terapia com corticosteroides. Além disso, nos estudos que relataram esta informação, houve diferenças na forma como eles mediram a gravidade da doença, no período durante o qual eles avaliaram o risco de morte, nas proporções de casos e controles tratados com antivirais e/ou antibióticos, e no tipo, dose, momento de iniciar, e duração da terapia com corticosteroides.
Encontramos um ECR sobre terapia adjuvante com corticosteroides para tratar pessoas com pneumonia adquirida na comunidade. Porém, o número de pessoas com influenza confirmada laboratorialmente nos dois grupos (tratamento e placebo) era muito pequeno para permitir conclusões sobre o efeito dos corticosteroides neste grupo. Não incluímos esse estudo nas meta-análises dos estudos observacionais. A qualidade (certeza) da evidência proveniente dos estudos observacionais foi muito baixa. Um dos grandes problemas foi a possibilidade de confusão devido à indicação da terapia. Apesar da constatação de que a terapia adjuvante com corticosteroides está associada com aumento da mortalidade, este resultado deve ser interpretado com cautela. Os ensaios clínicos sobre terapia adjuvante com corticosteroides para sepse e pneumonia indicam que essa intervenção melhora desfechos, incluindo diminuição da mortalidade. Nesse contexto, é necessário realizar mais estudos de alta qualidade sobre essa intervenção para pacientes com influenza. Isso inclui a realização de ECRs e de estudos observacionais que façam ajustes para a indicação da terapia adjuvante com corticoides. As evidências atualmente disponíveis são insuficientes para avaliar a efetividade dos corticosteroides para pacientes com influenza.
Os inibidores da neuraminidase e os adamantanos são os únicos tratamentos específicos para a influenza. Os corticosteroides mostram evidência de benefício na sepse e condições relacionadas, muito provavelmente devido às suas propriedades anti-inflamatórias e imunomoduladoras. Apesar deles serem frequentemente prescritos para casos de influenza grave, há incerteza quanto aos seus potenciais benefícios ou danos. Esta é uma atualização de uma revisão publicada pela primeira vez em 2016.
Avaliar a eficácia e os potenciais efeitos adversos dos corticosteroides como terapia adjuvante no tratamento da influenza, levando em conta diferentes momentos para sua introdução e diferentes doses de corticosteroides.
Fizemos buscas na CENTRAL (2018, Issue 9), que inclui o Cochrane Acute Respiratory Infections Group Specialised Register, MEDLINE (1946 a 1 de outubro de 2018), Embase (1980 a 3 de outubro de 2018), CINAHL (1981 a 3 de outubro de 2018), LILACS (1982 a 3 de outubro de 2018), e na Web of Science (1985 a 3 de outubro de 2018). Também fizemos buscas nos livros de resumos das principais conferências de doenças infecciosas e microbiologia dos últimos três anos, e nas listas de referências dos artigos incluídos. Em 3 de outubro de 2018 fizemos buscas em três plataformas de registro de ensaios clínicos: World Health Organization International Clinical Trials Registry Platform, ClinicalTrials.gov, e ISRCTN.
Incluímos ensaios clínicos randomizados controlados (ECR), quase ECR e estudos observacionais que compararam o tratamento com corticosteroides versus o tratamento sem corticosteroides para pacientes com influenza ou doença influenza-like. Não houve restrição de idiomas ou status de publicação, subtipos de influenza, ambiente clínico ou idade dos participantes. Selecionamos estudos elegíveis em duas etapas: avaliação inicial do título e abstract, seguido da avaliação do texto completo.
Dois autores da revisão, trabalhando de forma independente, extraíram os dados e avaliaram o risco de viés dos estudos. Combinamos os dados em metanálises usando o modelo de efeitos aleatórios, quando apropriado. Avaliamos a heterogeneidade usando a estatística I2 e avaliamos a certeza da evidência usando a abordagem GRADE.
Esta revisão atualizada incluiu 30 estudos (um ECR com dois braços e 29 estudos observacionais) com um total de 99.224 participantes. Incluímos 19 estudos na revisão original (n = 3459), todos observacionais, com 13 estudos incluídos na meta-análise da mortalidade. Incluímos 12 novos estudos nesta atualização (um ECR e 11 estudos observacionais), e excluímos um estudo da revisão original, uma vez que foi substituído por uma análise mais recente. Incluímos 21 estudos na meta-análise (9536 indivíduos). Quinze desses estudos envolveram participantes infectados pelo vírus da gripe A H1N1 de 2009 (H1N1pdm09). A qualidade dos dados específicos para mortalidade foi muito baixa. Eles foram baseados predominantemente em estudos observacionais, com relato inconsistente de variáveis potencialmente associadas aos desfechos de interesse, houve diferença na forma como os estudos foram conduzidos e uma probabilidade de confusão potencial decorrente da indicação do uso dos corticoides. As doses de corticosteroides utilizadas foram altas e as indicações para o seu uso não foram relatadas com clareza. Na meta-análise, a terapia com corticosteroides foi associada com aumento da mortalidade (odds ratio (OR) 3,90, intervalo de confiança (IC) de 95% 2,31 a 6,60; I2 = 68%; 15 estudos). Um aumento semelhante no risco de mortalidade foi observado em uma análise estratificada de estudos que relataram estimativas ajustadas (OR 2,23, IC 95% 1,54 a 3,24; I2 = 0%; 5 estudos). Uma associação entre terapia com corticosteroides e aumento da mortalidade também foi observada na meta-análise de seis estudos que relataram hazard ratios (HR) ajustados (HR 1,49, IC 95% 1,09 a 2,02; I2= 69%). Houve maior probabilidade de infecção hospitalar adquirida relacionada com a terapia com corticosteroides na meta-análise de sete estudos (OR 2,74, IC 95% 1,51 a 4,95; I2 = 90%). Todas foram estimativas não ajustadas. A qualidade da evidência foi considerada muito baixa.
Tradução do Centro Afiliado Rio de Janeiro / Faculdade de Medicina de Petrópolis, Cochrane Brazil (Clara Nogueira e Maria Regina Torloni). Contato: tradutores@centrocochranedobrasil.org.br