Intervenções ergonómicas na prevenção de desordens músculo-esqueléticas em profissionais de saúde oral

Qual o objetivo deste revisão?

Os prestadores de cuidados de saúde oral são mais propensos a lesões e desordens nos ossos, músculos, e articulações, conhecidas como distúrbios músculo-esqueléticos (DMEs), devido à natureza física e mentalmente stressante inerente ao seu trabalho. Inúmeras medidas e soluções têm sido sugeridas para prevenir as DMEs associadas ao trabalho ou ocupacionais (DMEOOs). São conhecidas como intervenções ergonómicas, e têm como propósito harmonizar a interação entre as pessoas e os instrumentos de trabalho, com vista a respeitar as necessidades, habilidades e limitações destas interações. As intervenções ergonómicas incluem os domínios físico, cognitivo (mental) ou organizacional. O objetivo desta revisão da Cochrane foi avaliar se alguma destas intervenções ergonómicas era eficaz na prevenção de DMEOOs entre os profissionais de saúde oral. Recolhemos e analisámos todos os estudos relevantes para responder a esta pergunta. Identificámos dois estudos relevantes.

Mensagens-chave

Há evidência de qualidade muito baixa de um estudo de que uma intervenção ergonómica abrangente e multifacetada, consistindo em educação, modificação da estação de trabalho e implementação de um programa regular de exercícios, não tem efeito sobre o risco de desenvolver DMEOOs nas coxas ou pés nos médicos dentistas, durante um período de seis meses. Há evidência de baixa qualidade baseada num estudo de que a mudança dos instrumentos usados para raspar a placa bacteriana dura não tem efeito claro sobre a dor no cotovelo ou no ombro dos médicos dentistas durante um período de quatro meses. Ambos os estudos incluídos têm várias lacunas e não acompanharam os participantes por um período de tempo suficientemente longo. Não foram encontrados estudos que avaliassem a eficácia das intervenções cognitivas ou de ergonomia organizacional. São necessários melhores estudos para avaliar a eficácia das intervenções ergonómicas em profissionais de saúde oral. É muito provável que a inclusão dos resultados de novos estudos mude as conclusões desta revisão.

O que foi estudado nesta revisão

Os médicos dentistas são altamente suscetíveis a riscos ocupacionais, como DMEs, que foram atribuídos à deterioração da qualidade de vida, esgotamento e problemas de saúde, que muitas vezes resultam no abandono da profissão por alguns profissionais. Tem sido sugerido que a introdução de intervenções ergonómicas, como melhorias no estilo de trabalho, instrumentos utilizados, disposição dos gabinetes médicos, atividade física, postura de trabalho, níveis de stress mental, agendamento de consultas ou ambiente de trabalho podem ajudar a prevenir DMEOOs. A nossa revisão avaliou a eficácia de todas essas intervenções na prevenção de DMEOOs na equipa de medicina dentária, incluindo dentistas, higienistas orais, assistentes dentários, enfermeiras ou estudantes de medicina dentária. Avaliámos o quanto essas medidas preveniram a ocorrência de novas DMEOOs, não como reduziram a gravidade ou eliminaram as já existentes. Avaliámos a eficácia das intervenções ergonómicas no número de DMEOOs diagnosticadas por médicos, dor auto-referida ou capacidade de trabalho.

Quais os principais resultados desta revisão?

Encontrámos dois estudos, com 212 participantes, que foram realizados em consultórios ou clínicas de medicina dentário no Irão e nos Estados Unidos. Ambos os estudos avaliaram intervenções ergonómicas físicas. Um estudo avaliou uma intervenção ergonómica abrangente, que consiste em educação, modificação da estação de trabalho e um programa regular de exercícios, e o outro estudo avaliou dois tipos diferentes de instrumentos usados para realizar um procedimento médico-dentário. O primeiro estudo descobriu que a intervenção ergonómica abrangente não reduziu a dor musculoesquelética nas coxas ou pés. O segundo estudo descobriu que as pessoas que usam os dois tipos diferentes de instrumentos para raspar a placa bacteriana dura apresentaram níveis semelhantes de dor no cotovelo e no ombro. Esses estudos tinham lacunas, nomeadamente metodologia fraca e tempos de acompanhamento curtos, o que nos impossibilita de tirar conclusões definitivas com base nestes resultados.

Não encontrámos estudos que avaliassem a eficácia das intervenções de ergonomia cognitiva ou organizacional. Precisamos de estudos que sejam corretamente planeados, conduzidos e relatados para avaliar os efeitos das intervenções de ergonomia física, cognitiva e organizacional.

Quão atualizada está esta revisão?

A evidência encontra-se atualizada até agosto de 2018.

Conclusão dos autores: 

Há evidência de muito baixa qualidade de um estudo que mostra que a intervenção multifacetada não tem efeito claro no risco de médicos dentistas desenvolverem DMEOO nas coxas ou pés, quando comparado a nenhuma intervenção durante um período de seis meses. Este estudo foi delineado de forma incorreta e apresenta várias incongruências e erros no tratamento estatístico dos dados. Há evidência de baixa qualidade de um estudo que mostra nenhuma diferença clara na dor no cotovelo ou dor no ombro em participantes que usam curetas leves de cabo mais largo ou curetas mais pesadas de cabo estreito para o alisamento radicular ao longo de um período de 16 semanas.

Não foram encontrados estudos que avaliassem a eficácia de intervenções ergonómicas de âmbito cognitivo ou organizacional.

A obtenção de conclusões definitivas é limitada pela escassez de estudos adequados disponíveis e pelo alto risco de viés dos estudos disponíveis. Esta revisão destaca a necessidade de ECAs bem desenhados, conduzidos e reportados, com acompanhamento a longo prazo que avaliem as estratégias de prevenção para DMEOOs entre os médicos dentistas.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

A Medicina Dentária é uma profissão com elevada prevalência de distúrbios músculo-esqueléticos de origem ocupacional (DMEOO), com sintomatologia de início precoce na carreira, muitas das vezes ainda na fase de estudante. Têm sido sugeridas intervenções ergonómicas nos domínios físico, cognitivo e organizacional por forma a prevenir a sua ocorrência, mas a evidência dos efeitos destas medidas ainda não é clara.

Objetivos: 

Avaliar o efeito de intervenções ergonómicas na prevenção de distúrbios músculo-esqueléticos de origem ocupacional entre profissionais de saúde oral.

Métodos de busca: 

Pesquisámos nas bases de dados CENTRAL, MEDLINE PubMed, Embase, PsycINFO ProQuest, NIOSHTIC, NIOSHTIC‐2, HSELINE, CISDOC (OSH‐UPDATE), ClinicalTrials.gov, e World Health Organization International Clinical Trials Registry Platform (ICTRP) Search Portal até agosto de 2018, sem restrições de idioma ou data.

Critério de seleção: 

Incluímos ensaios clínicos aleatorizados (ECAs), quasi-ECAs e ECAs de cluster, nos quais os participantes eram adultos, com idade igual ou superior a 18 anos, que exerciam a profissão de medicina dentária. Pelo menos 75% dos participantes não apresentavam dor músculo-esquelética no início do estudo. Apenas foram incluídos estudos que mediam pelo menos um dos desfechos primários considerados, nomeadamente, diagnóstico médico de DMEOO, dor auto-referida, ou limitações na capacidade de trabalho.

Coleta dos dados e análises: 

Três autores avaliaram e selecionaram de forma independente 20 referências potencialmente elegíveis de 946 referências relevantes identificadas nos resultados da pesquisa. Após a análise integral dos artigos, foram incluídos 2 estudos, excluídos 16 estudos, e 2 aguardaram classificação. Quatro autores extraíram os dados de forma independente, e 2 autores avaliaram o risco de viés dos artigos. Calculámos a diferença de médias (DM) com um intervalo de confiança de 95% (IC 95%) para os desfechos contínuos e o risco relativo (RR) com um intervalo de confiança de 95% para os desfechos dicotómicos. Avaliámos a qualidade da evidência para cada desfecho com o instrumento GRADE.

Principais resultados: 

Incluímos 2 ECAs (212 participantes), dos quais um era um ECA de cluster. O ajuste da amostra em função do ECA de cluster reduziu o n para 210 participantes. Ambos os estudos foram realizados em clínicas de medicina dentária e avaliaram intervenções ergonómicas no domínio físico, um deles avaliou uma intervenção ergonómica multifacetada, que consistia em educação e treino sobre ergonomia, alteração da equipe de trabalho, treino e topografia de ergonomia na equipe de trabalho, e um programa regular de exercícios; o outro, avaliou a eficácia de dois tipos diferentes de instrumentos utilizados para a realização de alisamentos radiculares na prevenção de DMEOOs. Não foi possível combinar os resultados dos dois estudos devido à diversidade de intervenções e resultados.

Intervenções ergonómicas físicas . Com base num estudo, há evidência de muito baixa qualidade de que a intervenção multifacetada não tem efeito claro sobre o risco dos médicos dentistas desenvolverem DMEOO nas coxas (RR 0,57, IC 95% 0,23 a 1,42; 102 participantes), ou nos pés (RR 0,64, IC 95% 0,29 a 1,41; 102 participantes) quando comparado a nenhuma intervenção durante um período de seis meses. Com base num estudo, há evidência de baixa qualidade de nenhuma diferença clara na dor no cotovelo (DM −0,14, IC 95% −0,39 a 0,11; 110 participantes), ou dor no ombro (DM −0,32, IC 95% −0,75 a 0,11; 110 participantes) em participantes que usaram curetas leves de cabo largo ou curetas mais pesadas de cabo estreito para o alisamento radicular durante um período de 16 semanas.

Intervenções ergonómicas cognitivas. Não encontrámos estudos que avaliassem a eficácia das intervenções ergonómicas de âmbito cognitivo.

Intervenções ergonómicas organizacionais. Não encontrámos estudos que avaliassem a eficácia das intervenções ergonómicas de âmbito organizacional.

Notas de tradução: 

Traduzido por: Carlota Duarte de Mendonça, Bruno Rosa, Joana Faria Marques, João Silveira e António Mata, Centro de Estudos de Medicina Dentária Baseada na Evidência, Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa, com o apoio da Cochrane Portugal. Revisão final: Ricardo Manuel Delgado, Knowledge Translation Team, Cochrane Portugal.

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