Qual é o melhor remédio para evitar a perda excessiva de sangue depois do parto?

Qual é a pergunta?

O objetivo desta revisão Cochrane foi descobrir qual é o remédio mais eficaz e com menos efeitos colaterais para evitar a perda excessiva de sangue depois do parto. Procuramos encontrar e analisar todos os estudos relevantes que pudessem responder a essa pergunta (data da busca: 24 de maio de 2018).

Por que isso é importante?

Em todo o mundo, a principal causa de morte de mulheres na hora do parto é o sangramento excessivo depois do bebê nascer. A maioria das mulheres terá um sangramento moderado, depois do parto. Porém, algumas mulheres podem ter um sangramento excessivo e isso pode trazer graves riscos para sua saúde, inclusive o risco de morte. Para reduzir o sangramento excessivo no parto, a administração rotineira de um remédio para contrair o útero (uterotônico) tornou-se prática padrão em todo o mundo.

Diversos tipos de uterotônicos são usados rotineiramente para evitar o sangramento excessivo depois do parto. Esses remédios incluem a oxitocina, o misoprostol, a ergotamina, e a carbetocina, usados de forma isolada ou combinada. Existem diferenças na eficácia e nos efeitos colaterais desses uterotônicos. Os efeitos colaterais incluem vômitos, aumento da pressão arterial e febre. Na atualidade, a oxitocina é o remédio recomendado (padrão) para diminuir o sangramento excessivo no parto. Analisamos as evidências existentes para comparar a eficácia e os efeitos colaterais de cada um dos uterotônicos.

Que evidências encontramos?

Encontramos 196 estudos que envolveram um total de 135.559 mulheres. Comparamos sete uterotônicos entre si. E também comparamos o uso de algum uterotônico versus não dar nenhum uterotônico. Os estudos foram conduzidos em 53 países. Na maioria dos estudos, as mulheres haviam dado a luz por via vaginal em um hospital.

Para prevenir as perdas sanguíneas de 500 ml (meio litro) ou mais, todos os uterotônicos são mais eficazes do que não usar nenhum uterotônico de rotina. Comparados com a oxitocina (o uterotônico padrão recomendado) os três melhores remédios para evitar esse tipo de sangramento são a associação da ergotamina mais oxitocina, a carbetocina, e a associação do misoprostol mais oxitocina. Os outros remédios (misoprostol, prostaglandinas injetáveis, e ergotamina) produzem pouca ou nenhuma diferença sobre esse resultado, quando comparados com a oxitocina.

Todos os uterotônicos, exceto a ergotamina e as prostaglandinas injetáveis, são mais eficazes do que não usar nenhum uterotônico na prevenção das perdas sanguíneas de 1000 ml (um litro) ou mais. A ergotamina mais oxitocina e o misoprostol mais oxitocina produzem pouca ou nenhuma diferença sobre esse resultado, quando comparados com a oxitocina. Há dúvidas se a carbetocina e a ergotamina (usadas isoladamente) produzem alguma diferença sobre esse resultado. Porém, o misoprostol foi menos eficaz do que a oxitocina na prevenção das perdas sanguíneas de 1000 ml ou mais.

O misoprostol mais oxitocina diminuiu a necessidade da mulher receber uterotônicos adicionais, e provavelmente também diminui o risco de transfusão sanguínea, em comparação com a oxitocina. A carbetocina, as prostaglandinas injetáveis, e a ergotamina mais oxitocina também podem diminuir a necessidade da mulher receber uterotônicos adicionais. Porém a qualidade (certeza) da evidência para esse resultado é baixa. Como houve poucos casos de morte ou de complicações graves do parto nos estudos, não foi possível detectar diferenças significantes entre os uterotônicos para esses resultados.

As duas combinações de uterotônicos estão associadas a efeitos colaterais importantes. As mulheres que receberam misoprostol mais oxitocina tiveram maior probabilidade de ter vômitos e febre do que as mulheres que receberam apenas oxitocina. As mulheres que receberam ergotamina mais oxitocina também tiveram maior probabilidade de ter vômitos, e probabilidade semelhante de ter aumento da pressão arterial. Porém, a qualidade da evidência para esse resultado foi baixa.

As análises chegaram a resultados semelhantes para mulheres que deram a luz por parto vaginal ou cesárea, em um hospital ou fora dele, naquelas com alto ou baixo risco para hemorragia pós-parto, nas que receberam uma dose alta ou baixa de misoprostol, e naquelas que receberam oxitocina em uma injeção concentrada (em bolo) ou num soro mais lento ou das duas formas.

O que isso significa?

Para prevenir o sangramento excessivo no parto, qualquer um dos uterotônico é mais eficaz do que não dar nenhum uterotônico. O uso da ergotamina mais oxitocina, da carbetocina, e do misoprostol mais oxitocina pode trazer alguns benefícios a mais do que o uso da oxitocina isolada (o uterotônico padrão atual). Porém, as duas combinações de uterotônicos estão associadas com efeitos colaterais incômodos para as mulheres, em comparação com o uso da oxitocina. A carbetocina pode ter alguns efeitos benéficos adicionais, comparada com a oxitocina, e parece não aumentar o risco de efeitos colaterais.

Conclusão dos autores: 

No geral, para prevenção da HPP, todos os uterotônicos são mais efetivos do que o placebo ou nenhum tratamento. O uso da ergotamina mais oxitocina, da carbetocina, e do misoprostol mais oxitocina pode trazer alguns benefícios a mais do que o uso da oxitocina isolada, (o uterotônico padrão na atualidade). Porém, as duas combinações de uterotônicos estão associadas a efeitos colaterais importantes. Para alguns desfechos, a carbetocina pode ser mais efetiva do que a oxitocina, sem aumentar o risco de efeitos colaterais.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

A hemorragia pós-parto (HPP) é a principal causa de morte materna no mundo. Os uterotônicos podem prevenir a HPP, e recomenda-se que sejam usados de forma rotineira, para a prevenção dessa complicação. A recomendação atual da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a prevenção da HPP é dar 10 UI (unidades internacionais) de oxitocina por via intramuscular ou intravenosa. Existem vários outros uterotônicos para prevenir a HPP. Porém, ainda existem incertezas sobre qual seria o agente mais efetivo e com menos efeitos adversos. Esta é uma atualização de uma Revisão Cochrane publicada inicialmente em abril de 2018. A atualização foi feita para incorporar os resultados de um ensaio clínico randomizado recente da OMS.

Objetivos: 

Identificar o(s) uterotônico(s) mais efetivo(s) para prevenir a HPP e criar uma listagem desses medicamentos baseada na sua efetividade e nos seus efeitos colaterais.

Métodos de busca: 

Fizemos buscas nas seguintes bases de dados, em 24 de maio de 2018: Cochrane Pregnancy and Childbirth's Trials Register, ClinicalTrials.gov e WHO International Clinical Trials Registry Platform (ICTRP). Também fizemos buscas nas listas de referências dos estudos identificados.

Critério de seleção: 

Incluímos ensaios clínicos randomizados ou ensaios clínicos tipo cluster que compararam a efetividade e os efeitos colaterais de diferentes uterotônicos entre si ou versus um placebo ou nenhum tratamento, para prevenir a HPP. Os ensaios clínicos quasi-randomizados não foram incluídos. Os estudos publicados apenas como resumos foram incluídos se tivessem informações suficientes.

Coleta dos dados e análises: 

Dois autores independentes selecionaram os estudos a serem incluídos, avaliaram o risco de viés e fizeram a extração de dados. Os autores também verificaram a acurácia dos dados extraídos. Estimamos os efeitos relativos e ordenamos os uterotônicos quanto à sua efetividade para prevenir HPP ≥ 500 mL e HPP ≥ 1000 mL (desfechos primários). Os desfechos secundários foram o volume da perda sanguínea e desfechos correlatos, morbidade, satisfação e bem-estar maternos, e efeitos colaterais. Também avaliamos os desfechos primários para subgrupos pré-estabelecidos: por tipo de parto, risco basal de HPP, local do parto, dose, regime e via de administração do medicamento. Fizemos metanálises em pares e em rede para avaliar os efeitos relativos de todos os uterotônicos disponíveis e ordená-los em uma lista.

Principais resultados: 

A metanálise em rede incluiu 196 ensaios clínicos randomizados (135.559 mulheres) envolvendo sete uterotônicos versus placebo ou nenhum tratamento. Estes estudos foram conduzidos em 53 países de alta, média e baixa renda. Os estudos foram realizados principalmente em hospitais (187/196, 95,4%) com mulheres que deram à luz por via vaginal (140/196, 71,5%).

Os resultados da metanálise em rede indicam que todos os uterotônicos são efetivos na prevenção da HPP ≥ 500 mL, quando comparados com placebo ou nenhum tratamento. Os três uterotônicos mais efetivos para a prevenção da HPP ≥ 500 mL foram a combinação de ergotamina mais oxitocina, a combinação de misoprostol e oxitocina, e a carbetocina. Existe evidência que três uterotônicos são mais efetivos para a prevenção da HPP ≥ 500 mL do que a oxitocina isolada. Comparada à oxitocina, a combinação de ergotamina mais oxitocina teve um RR de 0,70, IC 95% 0,59 até 0,84 (evidência de qualidade moderada), a carbetocina teve um RR de 0,72, IC 95% 0,56 até 0,93 (evidência de qualidade moderada), e a combinação de misoprostol mais oxitocina teve um RR de 0,70, IC 95% 0,58 à 0,86 (evidência de baixa qualidade). Para esse desfecho, existe evidência de baixa qualidade de que o misoprostol isolado, as prostaglandinas injetáveis, e a ergotamina isolada resultam em pouca ou nenhuma diferença em comparação com a oxitocina.

As análises sugerem que todos os uterotônicos, exceto a ergotamina isolada e as prostaglandinas injetáveis, são mais efetivos do que o placebo ou não usar nenhum uterotônico para prevenir HPP ≥ 1000 mL. Existe evidência de alta qualidade que a ergotamina mais oxitocina (RR 0,83, IC 95% 0,66 até 1,03) e o misoprostol mais oxitocina (RR 0,88, IC 95% 0,70 até 1,11) fazem pouca ou nenhuma diferença para o desfecho HPP ≥ 1000 mL, em comparação com a oxitocina. Para esse desfecho, existe evidência de baixa qualidade de que a ergotamina isolada resulta em pouca ou nenhuma diferença, comparada com a oxitocina. A qualidade da evidência para a carbetocina foi muito baixa. Existe evidência de alta qualidade de que o misoprostol isolado é menos efetivo na prevenção da HPP ≥ 1000 mL do que a oxitocina (RR 1,19, IC 95 % 1,01 até 1,42). Apesar dos efeitos de todos os uterotônicos (exceto o misoprostol) serem relativamente semelhantes na comparação com a oxitocina, os três uterotônicos mais efetivos para a prevenção da HPP ≥ 1000 mL foram (nessa ordem): a ergotamina mais oxitocina, o misoprostol mais oxitocina e a carbetocina.

Em comparação com a oxitocina, o misoprostol mais oxitocina diminui a necessidade da mulher receber uterotônicos adicionais (RR 0,56, IC 95% 0,42 até 0,73, evidência de alta qualidade), e provavelmente também diminui o risco de transfusões sanguíneas (RR 0,51, IC 95% 0,37 até 0,70, evidência de qualidade moderada). A carbetocina, as prostaglandinas injetáveis e a ergotamina mais oxitocina também podem diminuir a necessidade da mulher receber uterotônicos adicionais. Porém a qualidade da evidência para esse desfecho é baixa. Como houve poucos casos de morte materna ou morbidade materna grave nos estudos incluídos, não foi possível detectar diferenças significativas entre os uterotônicos quanto a esses desfechos.

As duas combinações de uterotônicos estão associadas a efeitos colaterais importantes. Comparada com a oxitocina, a combinação de misoprostol mais oxitocina aumenta o risco de vômitos (RR 2,11, IC 95% 1,39 até 3,18, evidência de alta qualidade) e de febre (RR 3,14, IC 95% 2,20 até 4,49, evidência de qualidade moderada). Comparada com a oxitocina, a combinação de ergotamina mais oxitocina aumenta o risco de vômitos (RR 2,93, IC 95% 2,08 até 4,13, evidência de qualidade moderada) e parece produzir pouca ou nenhuma diferença no risco de hipertensão. Porém, houve bastante variação nos efeitos absolutos e a qualidade da evidência para esse desfecho foi baixa.

Não houve diferenças importantes nas análises de subgrupos conforme o tipo de parto (cesárea versus vaginal), local do parto (hospitalar versus fora do hospital), risco basal de HPP (alto versus baixo), dose de misoprostol (≥ 600 mcg versus < 600 mcg) e o regime de administração da oxitocina (em bolo versus em bolo mais infusão versus apenas infusão).

Notas de tradução: 

Tradução do Cochrane Brazil (Maria Regina Torloni). Contato: tradutores@centrocochranedobrasil.org.br

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