Óxido nítrico inalado para tratamento de crises de dor em pessoas com doença falciforme

Pergunta da revisão

O óxido nítrico inalado pode aliviar as crises de dor em pessoas com doença falciforme e possui outros efeitos benéficos (como diminuir a intensidade da dor, reduzir o período das internações hospitalares ou diminuir a frequência com que as crises acontecem novamente) ou quaisquer efeitos prejudiciais?

Contexto

A doença falciforme é uma condição que afeta as células vermelhas do sangue. As células vermelhas do sangue normais são redondas, mas em pessoas com doença falciforme algumas células vermelhas podem ter um formato anormal, como uma lua crescente (ou uma foice, uma ferramenta com uma lâmina curva). As células de formato anormal ficam facilmente presas nos vasos sanguíneos, o que pode causar episódios de dor intensa, conhecidos como crises de dor. A dor pode ocorrer nos ossos, no peito ou em outras partes do corpo e pode durar de várias horas a dias.

Os analgésicos são o principal tratamento para essas crises de dor. Outro tratamento sugerido é o uso de óxido nítrico inalado, um gás que pode relaxar os vasos sanguíneos bloqueados para que possam se dilatar e permitir a passagem das células falciformes. Queríamos descobrir se o óxido nítrico inalado é eficaz no alívio da dor em pessoas com doença falciforme.

Data da busca

Estas evidências estão atualizadas até 1 de setembro de 2021.

Características dos estudos

Incluímos três estudos, com 188 pessoas (número igual de homens e mulheres) com doença falciforme que estavam passando por uma crise de dor. A maioria dos participantes eram adultos, com exceção de um estudo realizado em um hospital infantil onde a maioria dos participantes eram crianças com mais de 10 anos de idade. Os estudos compararam o óxido nítrico inalado com um placebo (tratamento simulado, ou seja, ar ambiente) que não proporciona alívio da dor. Os participantes foram designados de maneira aleatória para um dos grupos de tratamento. Os tratamentos duraram quatro horas em dois estudos e oito horas no terceiro estudo.

Resultados principais

Apenas um grande estudo (150 participantes) relatou o tempo até a dor cessar, não encontrando diferença entre o óxido nítrico ou o ar ambiente. Este estudo também foi o único a relatar a frequência de crises de dor no período de acompanhamento, e encontramos pouca ou nenhuma diferença entre os grupos de óxido nítrico inalado e ar ambiente em termos de retorno ao departamento de emergência ou reinternação hospitalar. Todos os três estudos relataram pontuações de dor: o estudo maior não encontrou diferença entre o óxido nítrico ou o ar ambiente em cada momento até oito horas, mas os dois estudos menores (38 participantes) relataram um benefício do óxido nítrico inalado no alívio da dor após quatro horas. No entanto, estes estudos foram pequenos e limitados em comparação com o primeiro estudo.

Todos os três estudos relataram que o óxido nítrico inalado não teve efeito na diminuição do uso de analgésicos, mas não houve dados que pudessem ser analisados. Dois estudos relataram a duração média de permanência no hospital: no estudo maior, aqueles que receberam ar ambiente (placebo) tiveram uma permanência mais curta, enquanto o estudo menor, realizado no hospital infantil, relatou uma permanência mais curta naqueles tratados com óxido nítrico inalado. Apenas o maior estudo relatou os efeitos prejudiciais do óxido nítrico, encontrando pouca ou nenhuma diferença entre os grupos de tratamento.

Não foi possível combinar os dados disponíveis dos três estudos incluídos devido a diferenças no relato dos desfechos. Como resultado, as evidências atualmente disponíveis não são suficientes para dar uma resposta clara sobre o uso de óxido nítrico inalado em pessoas com doença falciforme que sofrem uma crise de dor.

Futuros estudos, de preferência em grande escala e a longo prazo, devem ser realizados para fornecer evidências sólidas nesta área. Os investigadores devem medir e relatar desfechos importantes para os pacientes (por exemplo, medidas de dor, tempo até a resolução da dor e quantidades de analgésicos utilizados), bem como a utilização dos serviços de saúde de maneira padronizada.

Certeza da evidência

Consideramos as evidências analisáveis como de baixa certeza. Acreditamos que os resultados desta revisão foram afetados porque os estudos eram pequenos e dois estudos não relataram todos os desfechos planejados. Além disso, a indústria farmacêutica financiou o estudo menor com adultos, o que deve ser levado em consideração ao analisar seus resultados.

Conclusões dos autores: 

As evidências atualmente disponíveis são insuficientes para determinar os efeitos (benefícios ou riscos) do uso de óxido nítrico inalado para tratar crises de dor (vaso-oclusivas) em pessoas com doença falciforme. São necessários estudos em larga escala e de longo prazo para fornecer dados mais robustos nesta área. Os desfechos importantes para o paciente, como medidas de dor, tempo até a resolução da dor e quantidades de analgésicos utilizados, bem como a utilização dos serviços de saúde, devem ser medidos e relatados de maneira padronizada.

Leia o resumo na íntegra...
Contexto: 

Em pessoas com doença falciforme, os glóbulos vermelhos falciformes causam a oclusão de pequenos vasos sanguíneos, que se apresenta como episódios de dor intensa conhecidos como crises de dor ou crises vaso-oclusivas. A dor pode ocorrer nos ossos, no peito ou em outras partes do corpo e pode durar várias horas ou dias. O alívio da dor durante as crises inclui tratamentos farmacológicos e não farmacológicos. A eficácia do uso de óxido nítrico inalado nas crises de dor tem sido um assunto controverso. Hipóteses foram levantadas sugerindo uma resposta benéfica devido às suas propriedades vasodilatadoras, no entanto, nenhuma evidência conclusiva foi apresentada. Esta revisão teve como objetivo avaliar ensaios clínicos randomizados (ECRs) disponíveis que abordam esse tema.

Objetivos: 

Capturar o conjunto de evidências que avalia a eficácia e segurança do uso de óxido nítrico inalado no tratamento de crises de dor em pessoas com doença falciforme, e avaliar a relevância, robustez e validade do tratamento a fim de orientar melhor a prática médica nas áreas de hematologia e cuidados paliativos (já que a literatura recente parece favorecer o envolvimento de cuidados paliativos para essas pessoas).

Métodos de pesquisa: 

Fizemos buscas nas seguintes bases de dados: Cochrane Cystic Fibrosis Trials Register e Genetic Disorders Group Haemoglobinopathy Trials Register. Buscamos trabalhos não publicados nos seguintes anais de resumos: the European Haematology Association conference, the American Society of Hematology conference, the British Society for Haematology Annual Scientific Meeting, the Caribbean Health Research Council Meetings, and the National Sickle Cell Disease Program Annual Meeting. A busca mais rescente foi realizada em 1 de Setembro de 2021. Também fizemos buscas em 19 de Novembro de 2021 de registros de estudos em andamento.

Critérios de seleção: 

ECRs e estudos quase‐randomizados (não randomizados) comparando o uso de óxido nítrico inalado com placebo no tratamento de crises de dor em pessoas com doença falciforme.

Coleção e análise dos dados: 

Dois autores da revisão avaliaram de forma independente a qualidade dos estudos e realizaram a extração dos dados, incluindo dados sobre eventos adversos. As discordâncias entre eles foram resolvidas por um terceiro autor da revisão. Quando os dados não foram relatados no texto, tentamos extraí-los das tabelas ou figuras disponíveis. Entramos em contato com os autores dos estudos para obter informações adicionais. Utilizamos o GRADE para avaliar a certeza da evidência.

Principais resultados: 

A revisão incluiu três estudos envolvendo um total de 188 participantes na revisão. Havia um número igual de homens e mulheres. A maioria dos participantes eram adultos, embora um pequeno estudo tenha sido realizado em um hospital infantil e tenha recrutado crianças com idade superior a 10 anos. Todos os três estudos paralelos compararam a administração de oxigênio nítrico inalado (80 partes por milhão (ppm)) com placebo (gás nitrogênio misturado com oxigênio ou ar ambiente) durante quatro horas; um dos estudos continuou a administração de óxido nítrico (40 ppm) por mais quatro horas. Este estudo prolongado apresentou um baixo risco de viés; no entanto, tivemos preocupações com o risco de viés nos outros dois estudos restantes devido ao pequeno tamanho da amostra e, um alto risco de viés devido a conflitos de interesse financeiros em um dos estudos menores. Só conseguimos analisar alguns dados limitados do estudo de oito horas, relatando os resultados restantes de forma narrativa.

Evidências de um estudo com 150 participantes sugerem que o óxido nítrico inalado pode não reduzir o tempo até a resolução da dor: a mediana com óxido nítrico inalado foi de 73,0 horas (intervalo de confiança (IC) de 95% 46,0 a 91,0) e com placebo foi de 65,5 horas (IC 95% de 48,1 a 84,0) (baixa certeza da evidência). Nenhum estudo relatou a duração da crise de dor inicial. Apenas um grande estudo relatou a frequência de crises de dor no período de acompanhamento e descobriu que pode haver pouca ou nenhuma diferença entre os grupos de óxido nítrico inalado e placebo em termos de retorno ao departamento de emergência (Risco relativo (RR) 0,73, IC 95% 0,31 a 1,71) e reinternação hospitalar (RR 0,53, IC 95% 0,25 a 1,11) (150 participantes; baixa certeza da evidência).

Pode haver pouca ou nenhuma diferença entre o tratamento e o placebo em termos de redução na pontuação da dor em qualquer momento até oito horas (150 participantes). Os dois estudos menores relataram um efeito benéfico do óxido nítrico inalado na redução da pontuação de dor na escala visual analógica após quatro horas de intervenção.

Foi relatado que o uso de analgésicos não diferiu muito entre o grupo de óxido nítrico inalado e o grupo placebo nos três estudos, mas nenhum dado analisável foi fornecido. Dois estudos relataram a duração mediana da internação hospitalar: no estudo maior, o grupo placebo teve uma duração menor de internação, enquanto no segundo estudo, menor e focado em pediatria, a internação foi mais curta no grupo de tratamento.

Apenas o maior estudo, com 150 participantes, relatou eventos adversos graves, sem aumento no grupo de tratamento com óxido nítrico inalado durante ou após a intervenção em comparação ao grupo controle (síndrome torácica aguda ocorreu em 5 de 75 participantes de cada grupo, febre em 1 de 75 de cada grupo, e disfagia e queda de hemoglobina foram relatadas em 1 de 75 participantes no grupo do óxido nítrico inalado) (baixa certeza da evidência).

Notas de tradução: 

Tradução do Cochrane Brazil (Nitza Ferreira Muniz e Mayara Rodrigues). Contato: tradutores.cochrane.br@gmail.com

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