Qual é o objetivo desta revisão?
O objectivo desta revisão da Cochrane foi descobrir se a utilização de corticóides para além de antibióticos é mais eficaz do que a utilização exclusiva de antibióticos para endoftalmite aguda (infecção no interior do globo ocular que pode causar perda de visão) após cirurgia ocular ou injecções no olho. Procurámos todos os estudos que responderam a esta pergunta e encontrámos quatro estudos.
Mensagens-chave
É incerto se a utilização de corticóides para além de antibióticos é útil ou prejudicial em comparação com a utilização exclusiva de antibióticos para tratar endoftalmite aguda após cirurgia ocular ou injecções no olho.
O que foi estudado na revisão?
A endoftalmite é rara, mas é importante que as pessoas submetidas a cirurgia ou injecções no olho estejam conscientes do risco e que os seus médicos saibam tratar de forma mais adequada, pois pode resultar em perda de visão. É mais frequentemente causada pela entrada de bactérias no olho durante, ou alguns dias após a cirurgia ou injecção. Assim que se suspeita de endoftalmite, uma amostra do fluido dentro do olho é normalmente obtida (e o fluido é mesmo drenado em casos graves), e os antibióticos que cobrem a maioria dos tipos de bactérias são injectados no olho. Embora o uso de antibióticos seja amplamente aceite, o uso de corticóides adicionais para tratar a endoftalmite é controverso. Os corticóides podem ajudar a diminuir a inflamação dentro do olho em pessoas com endoftalmite. Analisámos se a administração de corticóides, para além de antibióticos, afecta os resultados dos doentes.
Quais são os resultados principais da revisão?
Encontrámos quatro estudos da África do Sul, Índia, e Países Baixos. Quase todos os participantes no estudo tiveram endoftalmite após cirurgia de catarata. Os quatro estudos compararam a injecção de dexametasona (um corticóides) mais dois antibióticos no olho versus a injecção de apenas antibióticos no olho. A evidência de baixa certeza mostrou que mais participantes no grupo que recebeu dexametasona tiveram um bom resultado visual 3 meses após o tratamento do que no grupo apenas de antibióticos, mas a evidência eram incertas aos 12 meses. Os efeitos da utilização de corticóides na resolução de endoftalmite e danos ao olho também eram incertos. Dada a incerteza das provas para a maioria dos resultados, não é claro se os médicos devem usar corticóides com antibióticos para tratar endoftalmite após um procedimento no olho.
Quão atualizada se encontra esta revisão?
Pesquisámos estudos publicados até 17 de agosto de 2021.
A evidência actualmente disponível sobre a eficácia da terapêutica adjuvante com corticóides versus antibióticos apenas na gestão da endoftalmite aguda após a cirurgia intra-ocular é inadequada. Não encontrámos estudos que tivessem registado casos de endoftalmite aguda após injecção intravítrea. Uma análise combinada de dois estudos sugere que o uso de corticóides adjuvantes pode proporcionar uma maior probabilidade de ter um bom resultado visual aos três meses do que o não uso de corticóides adjuvantes. No entanto, considerando que a maioria dos intervalos de confiança incluiu o valor nulo, e que esta revisão foi limitada no âmbito e aplicabilidade à prática clínica, não é possível concluir se o uso de corticóides adjuvantes é eficaz neste momento. Quaisquer ensaios futuros devem examinar se os corticóides adjuvantes podem ser úteis em certos contextos clínicos, tais como o tipo de organismo causal ou a etiologia. Estes estudos devem incluir resultados que tenham em conta os sintomas e o exame clínico dos pacientes; reportar os resultados de uma forma uniforme e consistente; e acompanhar a curto e longo prazos.
Endoftalmite diz respeito infecção grave dentro do olho que envolve o humor aquoso ou humor vítreo, ou ambos, e que ameaça a visão. A maioria dos casos de endoftalmite são exógenos (isto é, devido à inoculação de organismos de uma fonte externa), e a maioria das endoftalmite exógenas é aguda e ocorre após um procedimento intra-ocular. A base do tratamento é a administração de forma urgente de antibióticos intravítreos de largo espectro. Devido aos seus efeitos anti-inflamatórios, os corticóides em conjunto com antibióticos foram propostos como sendo benéficos na gestão da endoftalmite.
Avaliar os efeitos dos antibióticos combinados com corticóides versus antibióticos de forma para o tratamento de endoftalmite aguda após cirurgia intra-ocular ou injecção intravítrea.
efetuámos a nossa pesquisa no Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL) (que contém o Registo Cochrane Eyes and Vision Trials) (2021, Número 8), MEDLINE Ovid (1946 a Agosto de 2021), Embase Ovid (1980 a Agosto de 2021), LILACS (base de dados Latin American and Caribbean Health Sciences Literature) (1982 a Agosto de 2021), o registo ISRCTN; pesquisado em Agosto de 2021, ClinicalTrials.gov; pesquisado em Agosto de 2021, e na Plataforma Internacional de Registo de Ensaios Clínicos da OMS; pesquisado em Agosto de 2021. Não houve restrições de data ou idioma na pesquisa de estudos nas bases de dados eletrónicas.
Incluímos ensaios randomizados controlados (RCTs) comparando a eficácia dos corticóides adjuvantes com antibióticos dados de forma isolada na gestão de endoftalmite aguda, clinicamente diagnosticada após cirurgia intra-ocular ou injecção intravítrea. Excluímos ensaios com participantes com endoftalmite endógena, a menos que os resultados fossem comunicados por fonte de infecção. Não impusemos restrições quanto ao método ou ordem de administração, dose, frequência ou duração dos antibióticos e corticóides.
Utilizámos a metodologia standard da Cochrane, e classificámos a certeza do conjunto de evidências para seis resultados utilizando a classificação GRADE.
Incluímos nesta revisão 4 RCT, num total de 264 olhos de 264 participantes. Os estudos foram conduzidos na África do Sul, Índia e Países Baixos. Todos os estudos utilizaram dexametasona intravítrea para a terapia com corticóides adjuvantes e uma combinação de dois antibióticos intravítreos que proporcionaram uma cobertura gram-positiva e gram-negativa para a terapia antibiótica. Considerámos dois ensaios como sendo de baixo risco geral de viés, e os outros dois estudos como sendo de risco geral pouco claro de viés devido à falta de informação sobre os métodos de estudo. Apenas um estudo foi registado num registo de ensaios clínicos.
Embora nenhum dos estudos incluídos tenha relatado o resultado primário da resolução completa da endoftalmite tal como definido no nosso protocolo, um estudo relatou sucesso anatómico e funcional combinado (ou seja, proporção de participantes com pressão intra-ocular de pelo menos 5 mmHg e acuidade visual de pelo menos 6/120). A evidência de certeza muito baixa não sugere qualquer diferença no sucesso combinado ao comparar apenas o corticóide adjunto com os antibióticos (risk ratio (RR) 1,08, intervalo de confiança de 95% (IC) 0,80 a 1,45; 32 participantes). A evidência de baixa certeza de dois estudos sugeriram que a dexametasona adjunta pode resultar num bom resultado visual (acuidade visual de Snellen 6/6 a 6/18) aos 3 meses, em comparação apenas com os antibióticos (RR 1,95, 95% IC 1,05 a 3,60; 60 participantes); contudo, as provas foram menos conclusivas aos 12 meses (RR 1,12, 95% IC 0,92 a 1,37; 2 estudos; 195 participantes; evidência de baixa certeza). Os investigadores de um estudo relataram melhorias na acuidade visual, mas não pudemos estimar o efeito da terapêutica com corticóides adjuvantes porque os investigadores do estudo não forneceram quaisquer estimativas de precisão. Apenas um estudo examinou a pressão intra-ocular (PIO). A evidência sugere que a dexametasona adjunta pode reduzir ligeiramente a PIO após 12 meses de intervenções (diferença média -1,90, 95% IC -3,78 a 0,07; 1 estudo; 167 participantes; evidência de baixa certeza). Três estudos relataram eventos adversos (descolamento da retina, hipotonia, vitreoretinopatia proliferativa, seclusão de pupila,miodesóspias e desenvolvimento de membrana epirretiniana). O número total de eventos adversos foi de 14 em 111 (12,6%) para aqueles que receberam dexametasona em comparação com 12 em 116 (10,3%) para aqueles que não receberam. Só conseguimos realizar uma análise conjunta para a ocorrência de descolamento da retina: as diferenças entre os dois grupos de tratamento era incertas (RR 1,41, 95% IC 0,53 a 3,74; 227 participantes; evidência de baixa certeza). Nenhum estudo relatou resultados relacionados com os custos.
Traduzido por: Traduzido por: Inês Leal, Serviço de Oftalmologia, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte. Revisão final: Knowledge Translation Team, Cochrane Portugal.