Pergunta da revisão
Qual é a precisão dos testes sanguíneos para detectar a endometriose? Existe algum exame de sangue preciso o suficiente para substituir ou reduzir a necessidade de cirurgia para fazer o diagnóstico de endometriose?
Contexto
As mulheres com endometriose têm focos de tecido endometrial (tecido que reveste a parte de dentro do útero e descama durante a menstruação) crescendo fora do útero, na cavidade pélvica. Este tecido responde aos hormônios reprodutivos e provoca cólicas menstruais, dor crônica no baixo ventre e dificuldade para engravidar. Atualmente, a única forma confiável para fazer o diagnóstico da endometriose é a laparoscopia cirúrgica, que permite ver os focos de tecido endometrial crescendo dentro da barriga. Como a cirurgia acarreta riscos e custos, decidimos avaliar se os resultados de exames de sangue (biomarcadores sanguíneos) poderiam ajudar a detectar a endometriose de forma não-invasiva. Um teste sanguíneo preciso pode permitir o diagnóstico da endometriose sem necessidade de cirurgia ou pode fazer com que a cirurgia seja feita apenas nas mulheres com maior probabilidade de ter a doença. Outras revisões Cochrane desta mesma série avaliaram outras formas não-invasivas de diagnosticar a endometriose utilizando urina, exames de imagem, testes endometriais e combinações desses.
Características do estudo
As evidências incluídas nesta revisão estão atualizadas até julho de 2015. Incluímos 141 estudos envolvendo 15.141 participantes. Todos os estudos avaliaram mulheres em idade reprodutiva que estavam fazendo laparoscopia diagnóstica para pesquisar focos de endometriose nos ovários, no peritôneo ou endometriose profunda. O antígeno CA-125 foi o biomarcador mais pesquisado. Um total de 70 estudos avaliaram 47 biomarcadores sanguíneos que se expressaram de maneira diferente em mulheres com e sem endometriose e 82 estudos identificaram 97 biomarcadores que não foram diferentes entre os grupos. E 22 biomarcadores se encaixavam nas duas categorias.
Principais resultados
Somente 4 dos biomarcadores pesquisados (auto anticorpos anti-endometriais, interleucina-6, CA-19.9 e CA-125) foram avaliados por estudos suficientes para fazermos uma avaliação adequada da sua precisão diagnóstica. Nenhum desses testes foi preciso o suficiente para substituir a laparoscopia diagnóstica. Diversos estudos identificaram biomarcadores potencialmente úteis para o diagnóstico da endometriose mas não havia informações suficientes para que pudéssemos ter certeza de suas vantagens diagnósticas. No geral, não há evidência suficiente para recomendar o uso de qualquer biomarcador sanguíneo na prática clínica para o diagnóstico da endometriose.
Qualidade da evidência
No geral, os estudos eram de baixa qualidade metodológica e a maioria dos biomarcadores foi testada em apenas um ou em poucos estudos. Quando o mesmo biomarcador foi estudado em mais de um estudo, houve muita diferença na forma como os estudos foram conduzidos, nas mulheres incluídas nos estudos e nos pontos de corte usados para considerar um resultado positivo.
Pesquisas futuras
É necessário fazer mais pesquisas de alta qualidade metodológica para avaliar com precisão o potencial diagnóstico dos biomarcadores sanguíneos para endometriose, cujo potencial valor foi sugerido por alguns estudos.
Dos biomarcadores que foram avaliados em metanálises, nenhum atendeu de forma consistente os critérios necessários para se tornar um teste substituto ou de triagem diagnóstica. Um subconjunto de biomarcadores sanguíneos se mostrou potencialmente útil para o diagnóstico da endometriose pélvica ou para diferenciar endometrioma ovariano de outras massas ovarianas benignas. Porém, a evidência é insuficiente para chegarmos a conclusões relevantes. No geral, nenhum dos biomarcadores teve precisão suficiente para ser utilizado fora do ambiente de pesquisa. A revisão também identificou biomarcadores sanguíneos que demonstraram não possuir nenhum valor diagnóstico para endometriose. Portanto, recomendamos que futuros investimentos sejam feitos na pesquisa de outros biomarcadores que sejam mais relevantes do ponto de vista clínico.
Cerca de 10% das mulheres em idade reprodutiva sofrem de endometriose, uma doença crônica que causa dores pélvicas e infertilidade. A laparoscopia é o teste padrão ouro para o diagnóstico da endometriose, mas apresenta alto custo e riscos cirúrgicos. Atualmente, não há testes não-invasivos ou minimamente invasivos precisos disponíveis na prática clínica para o diagnóstico da endometriose. Embora outras revisões já tenham avaliado a habilidade de testes sanguíneos para o diagnóstico da endometriose, esta é a primeira revisão a utilizar os métodos Cochrane. Esta revisão oferece uma atualização sobre a literatura em rápida expansão neste campo.
Avaliar biomarcadores sanguíneos como substitutos para o diagnóstico cirúrgico da endometriose e para triagem de indicação cirúrgica para endometriose. Os objetivos específicos incluem:
1. Avaliar a acurácia diagnóstica dos biomarcadores sanguíneos no diagnóstico da endometriose peritoneal, ovariana ou profundamente infiltrante em comparação com o padrão de referência (laparoscopia)
2. Avaliar a utilidade diagnóstica dos biomarcadores sanguíneos para a diferenciação do endometrioma ovariano em relação a outras massas ovarianas.
Nas buscas, não houve restrições de idioma, desenho de estudo ou data de publicação. Fizemos buscas na CENTRAL até julho de 2015, MEDLINE e EMBASE até maio de 2015, bem como as seguintes bases de dados, até 20 de abril de 2015: CINAHL, PsycINFO, Web of Science, LILACS, OAIster, TRIP, ClinicalTrials.gov, DARE e PubMed.
Incluímos ensaios clínicos randomizados ou estudos transversais de quaisquer tamanhos que incluíam amostras coletadas prospectivamente em populações de mulheres em idade reprodutiva com suspeita de ter uma ou mais das seguintes condições: endometriose ovariana, peritoneal ou profundamente infiltrante. Os estudos deveriam ter sido publicados e revisados por pares. Incluímos estudos que compararam a precisão de um ou mais biomarcadores sanguíneos versus os achados cirúrgicos de lesões endometriais.
Dois revisores, trabalhando de forma independente, extraíram os dados e avaliaram a qualidade dos estudos. Para cada teste diagnóstico, classificamos os dados como positivos ou negativos em relação à detecção cirúrgica da endometriose e calculamos as estimativas de sensibilidade e especificidade. Utilizamos um modelo bivariado para obter estimativas agrupadas de sensibilidade e especificidade sempre que possível. Usamos os seguintes critérios predeterminados para definir a utilidade clínica do teste sanguíneo como substituto ao diagnóstico cirúrgico: sensibilidade de 0,94 e especificidade de 0,79. Para os testes de triagem, usamos uma sensibilidade ≥ 0,95 e uma especificidade de ≥ 0,50, o que "exclui" diagnósticos com alta precisão caso estes apresentem resultado negativo (teste SnOUT) ou uma sensibilidade ≥ 0,50 e especificidade ≥ 0,95, que "inclui" diagnósticos com alta precisão caso estes apresentem um resultado positivo (teste SpIN).
Incluímos 141 estudos (com um total de 15.141 participantes) que avaliaram 122 biomarcadores sanguíneos. Todos os estudos eram de baixa qualidade metodológica. Os estudos avaliaram os biomarcadores sanguíneos tanto em fases específicas do ciclo menstrual quanto em fases aleatórias e os testaram no soro, plasma e sangue total. As participantes eram mulheres com uma alta prevalência de endometriose (10% a 85%) que haviam recebido indicação para laparoscopia diagnóstica devido à suspeita de endometriose, como parte dos exames de investigação para infertilidade ou para investigar uma massa ovariana. Um total de 70 estudos avaliaram a performance diagnóstica de 47 biomarcadores sanguíneos para endometriose (44 testes de marcador único e 30 testes que combinavam de dois a seis biomarcadores). Os biomarcadores eram fatores de crescimento/angiogênese, marcadores apoptóticos, moléculas de adesão celular, marcadores de alto rendimento, marcadores hormonais, marcadores dos sistemas imunológico e inflamatório, marcadores de stress oxidativo, microRNAs, marcadores tumorais e outras proteínas. A maioria desses marcadores foi avaliada em pequenos estudos individuais que, frequentemente, utilizaram diferentes critérios de corte. Só pudemos realizar metanálise para anticorpos anti-endometriais, interleucina-6 (IL-6) e antígenos de câncer 19.9 (CA-19.9) e 125 (CA-125). As estimativas da acurácia diagnóstica desses biomarcadores variaram entre os estudos O CA-125 foi o único biomarcador com dados suficientes para que pudéssemos pesquisar as fontes de heterogeneidade.
A sensibilidade média dos anticorpos anti-endometriais foi 0,81 (IC 95% 0,76 a 0,87) e a especificidade média foi 0,75 (IC 95% 0,46 a 1,00), (4 estudos, 759 mulheres). A sensibilidade do IL-6 (usando o ponto de corte > 1,90 a 2,00 pg / ml) foi 0,63 (IC 95 0,52 a 0,75) e a especificidade foi 0,69 (IC 95% 0,57 a 0,82),(3 estudos, 309 mulheres) Para o CA-19.9 (ponto de corte > 37,0 UI / ml) a sensibilidade foi 0,36 (95% CI: 0,26 a 0,45) e a especificidade foi 0,87 (IC 95% 0,75 a 0,99), (3 estudos, 330 mulheres).
Os estudos sobre o CA-125 usaram vários pontos de corte diferentes. Para valores > 10,0 a 14,7 U/ml, a sensibilidade e especificidade médias foram: 0,70 (IC 95% 0,63 a 0,77) e 0,64 (IC 95% 0,47 a 0,82). Para valores de 16,0 a 17,6 U/ml: 0,56 (IC 95% 0,24 a 0,88) e 0,91 (IC 95% 0,75 a 1,00). Para valores > 20,0 U/ml: 0,67 (IC 95% 0,50 a 0,85) e 0,69 (IC 95% 0,58 a 0,80). Para valores > 25,0 a 26,0 U/ml: 0,73 (IC 95% 0,67 a 0,79) e 0,70 (IC 95% 0,63 a 0,77). Para valores 30,0 a 33,0 U/ml: 0,62 (IC 95% 0,45 a 0,79) e 0,76 (IC 95% 0,53 a 1,00). Para valores > 35,0 a 36,0 U/ml: 0,40 (IC 95% 0,32 a 0,49) e 0,91 (IC 95% 0,88 a 0,94).
Não foi possível fazer análises estatísticas relevantes para os outros biomarcadores, incluindo para aqueles usados para diferenciar entre endometrioma versus outros cistos ovarianos benignos.
Um total de 82 estudos avaliaram 97 biomarcadores que não diferenciaram mulheres com versus sem endometriose. Destes, 22 biomarcadores tiveram resultados conflitantes, com alguns estudos mostrando expressão diferencial e outros sem evidência de diferença entre os grupos com e sem endometriose.
Tradução Centro Cochrane Brasil (Janaina Aderaldo) - contato: tradutores@centrocochranedobrasil.org.br