Contexto
As circuncisões masculinas são realizadas há muitos séculos e são um dos procedimentos cirúrgicos mais comuns no sexo masculino. Os médicos normalmente realizam circuncisões removendo o prepúcio num procedimento cirúrgico. Alguns médicos utilizam dispositivos de circuncisão especificamente concebidos para circuncisões masculinas médicas. Acredita-se que podem poupar tempo, e ser métodos de circuncisão mais simples e seguros. Mas, não é claro a partir da evidência existente se os homens circuncidados com estes dispositivos têm melhores resultados.
Caraterísticas do estudo
Após uma ampla pesquisa da literatura, encontrámos 18 ensaios clínicos, incluindo 5246 homens. Analisámos as informações de ensaios que comparavam circuncisões por procedimentos cirúrgicos e baseadas em dispositivos. Comparámos as complicações que os doentes tiveram após a circuncisão; o tempo que um prestador de cuidados de saúde levou a fazer a circuncisão; a dor do doente durante o dia após o procedimento e uma semana depois; e o grau de satisfação que os doentes manifestaram com o procedimento.
Resultados principais
Houve pouca ou nenhuma diferença em complicações graves como a admissão hospitalar ou danos permanentes no pénis em qualquer ensaio, independentemente da técnica utilizada.
Pode haver ligeiramente mais complicações moderadas que requerem tratamento adicional, tais como necessidade de pontos ou antibiótico, nas pessoas circuncisadas com dispositivos, mas mais evidência é necessária para compreender melhor esta diferença.
Não temos a certeza se existe ou não uma diferença em complicações ligeiras, tais como pequenas hemorragias que requerem tratamento adicional, mas mais evidência pode ajudar-nos a compreender melhor esta diferença.
A duração média de um procedimento cirúrgico padrão é de cerca de 24 minutos (variando de 15 a 31 minutos), em comparação com a utilização de dispositivos de circuncisão que tem uma duração média de cerca de 7 minutos (variando de 3 a 13 minutos). Por conseguinte, a revisão concluiu que a utilização de um dispositivo de circuncisão poupou cerca de 17 minutos em comparação com a circuncisão cirúrgica convencional.
Pode haver menos dor durante as primeiras 24 horas em doentes que foram circuncidados com um dispositivo, em comparação com a circuncisão cirúrgica padrão. Pode haver pouca ou nenhuma diferença na dor reportada nos primeiros sete dias após a circuncisão nos doentes que foram circuncidados com o dispositivo em comparação com os circuncidados com métodos cirúrgicos convencionais.
Verificámos que os doentes estavam ligeiramente mais satisfeitos quando circuncisados com um dispositivo em comparação com aqueles que receberam um procedimento cirúrgico padrão.
Conclusões
Em geral, a nossa revisão concluiu que os dispositivos de circuncisão podem ter um aumento ligeiro de complicações relativamente à cirurgia convencional, tais como a necessidade de antibióticos ou pontos. Também concluímos que os procedimentos feitos com dispositivos de circuncisão provavelmente levam menos tempo a ser completados. Os doentes podem sentir menos dor nas primeiras 24 horas após uma circuncisão quando um dispositivo é utilizado, em comparação com a cirurgia padrão. Os doentes podem preferir ligeiramente a utilização de um dispositivo em comparação com a cirurgia convencional. Na decisão de utilizar um dispositivo, estes resultados devem ser tidos em conta juntamente com a consideração do contexto local, como os custos associados e o acesso a profissionais de saúde treinados. Ensaios clínicos adicionais podem ajudar-nos a compreender os benefícios e os malefícios das diferentes técnicas com mais certeza, particularmente as complicações e dor pós-operatória.
Não foram reportados eventos adversos graves quando se utilizou um dispositivo de circuncisão em comparação com as técnicas cirúrgicas convencionais, mas podem aumentar ligeiramente os eventos adversos moderados, e não é claro se existe uma diferença nos eventos adversos ligeiros. A utilização de dispositivos de circuncisão reduz provavelmente o tempo do procedimento em cerca de 17 minutos, uma poupança de tempo clinicamente significativa. Para os doentes, a utilização de dispositivos de circuncisão pode resultar em classificações mais baixas da dor nas primeiras 24 horas e os doentes podem ficar ligeiramente mais satisfeitos em comparação com as técnicas cirúrgicas convencionais. Clínicos, doentes e decisores políticos podem utilizar estes resultados e conjuga-los com os fatores do seu próprio contexto para determinar a abordagem que melhor se adequa ao seu sistema de saúde. Ensaios de alta qualidade são necessários para fornecer maior evidência relativa às taxas de efeitos adversos e dor pós-operatória associados à utilização de dispositivos em comparação com as técnicas cirúrgicas padrão.
A circuncisão médica está entre os procedimentos cirúrgicos mais comuns realizados no sexo masculino. As indicações habituais são a fimose (incapacidade de retrair completamente o prepúcio e expor a glande devido a uma constrição congénita ou adquirida do prepúcio), parafimose (quando o prepúcio não pode ser reposto após a retração resultando numa zona de constrição apertada que causa edema do pénis distal e dor aguda), balanopostite (eritema e edema do prepúcio e da glande) e balanite (a inflamação está confinada à glande; o prepúcio é geralmente não retráctil). Os dispositivos de circuncisão foram desenvolvidos para encurtar o tempo operatório, simplificar a técnica e melhorar a segurança e o resultado cosmético. Estes dispositivos visam geralmente esmagar o prepúcio, ao mesmo tempo que criam hemostase, o prepúcio excedentário é depois excisado ou deixado até cair. A sua utilização é supostamente mais segura e fácil de replicar do que as técnicas cirúrgicas padrão. Existem pelo menos 20 dispositivos para a circuncisão masculina no mercado, mas a sua eficácia ainda não foi revista até à data.
Avaliar os efeitos da circuncisão realizada com dispositivos em comparação com a realizada por técnica cirúrgica padrão em homens adolescentes e adultos (a partir dos 10 anos de idade).
Realizámos uma pesquisa abrangente, sem restrições relativas à língua ou ao estado de publicação. Pesquisámos na Cochrane Library, MEDLINE (PubMed), Embase, Web of Science, registos de ensaios clínicos, fontes de literatura e em atas de conferências, até 16 de abril de 2020.
Incluímos ensaios randomizados controlados de circuncisões feitas com dispositivos (por esmagamento ou laqueação) em comparação com circuncisões realizadas por técnica cirúrgica padrão conduzidas por profissionais de saúde num contexto médico.
Pelo menos dois revisores, avaliaram de forma independente a elegibilidade dos estudos e fizeram a extração dos dados dos estudos incluídos. Classificamos os acontecimentos adversos em graves, moderados ou ligeiros. Os resultados do estudo foram comunicados como rácio de risco (RR) ou diferenças médias (MD) usando intervalos de confiança de 95% (CI) e um modelo de efeitos randomizados. Utilizámos a abordagem GRADE para avaliar a qualidade global da evidência para cada resultado.
Dezoito ensaios cumpriram os critérios de inclusão. Os ensaios foram realizados na China, África do Sul, Quénia e Zâmbia, Moçambique, Ruanda, Uganda e Zimbabué.
Principais resultados
Eventos adversos graves: não houve acontecimentos adversos graves em nenhum dos dois braços do tratamento (11 ensaios, 3472 participantes).
Eventos adversos moderados: pode haver um ligeiro aumento de eventos adversos moderados quando os dispositivos são utilizados em comparação com as técnicas cirúrgicas convencionais (RR 1.31, 95% CI 0.55 a 3.10; I²= 68%; 10 ensaios, 3370 participantes; evidência de baixa qualidade); isto corresponde a mais 8 (variando de menos 15 a mais 84) eventos adversos moderados por 1000 participantes. Tivemos de baixar a qualidade da evidência devido às limitações do estudo e à imprecisão.
Resultados secundários
Eventos adversos ligeiros: não temos certeza quanto à diferença de eventos adversos ligeiros quando os dispositivos são utilizados em comparação com as técnicas cirúrgicas convencionais (RR 1.09, 95% CI 0.44 a 2.72; I² = 91%; 10 ensaios, 3370 participantes; evidência de muito baixa qualidade). Baixámos a qualidade da evidência pelas limitações dos estudos, a imprecisão e a inconsistência não explicada.
Tempo operatório: o tempo operatório é provavelmente cerca de 17 minutos mais curto quando se utiliza um dispositivo em vez de técnicas cirúrgicas convencionais, o que constitui uma diminuição clinicamente significativa num procedimento (MD -17.26 minutos, 95% CI -19.96 a -14.57; I² = 99%; 14 ensaios, 4812 participantes; evidência de qualidade moderada). Baixámos a qualidade da evidência devido a limitações importantes do estudo. A técnica cirúrgica padrão demora geralmente cerca de 24 minutos.
Pode haver menos dor pós-operatória durante as primeiras 24 horas quando são utilizados dispositivos de circuncisão em comparação com técnicas cirúrgicas convencionais (medição utilizando uma escala visual analógica [VAS]; MD 1.30 cm mais baixo, 95% CI 2.37 mais baixo a 0.22 mais baixo; I² = 99%; 9 ensaios, 3022 participantes; evidência de baixa qualidade). Baixámos a qualidade da evidência pelas limitações do estudo e pela heterogeneidade não explicada. Pode haver pouca ou nenhuma diferença na dor pós-operatória durante os primeiros sete dias quando comparada com as técnicas cirúrgicas padrão (medição utilizando a VAS; MD 0.11 cm mais alto, 95% CI 0.89 mais baixo a 1.11 mais alto; I² = 94%; 4 ensaios, 1430 participantes; evidência de baixa qualidade). Baixámos a qualidade da evidência por limitações do estudo e inconsistências não explicadas. Uma pontuação mais alta no VAS significa mais dor.
Os participantes podem preferir ligeiramente os dispositivos de circuncisão em comparação com as técnicas cirúrgicas convencionais (RR 1.19, 95% CI 1.04 a 1.37; I² = 97%; 15 ensaios, 4501 participantes; evidência de baixa qualidade). Baixámos a qualidade da evidência por limitações do estudo e inconsistências não explicadas. Registámos a satisfação como um resultado dicotómico. Taxas mais elevadas refletiram uma maior satisfação.
Traduzido por: Mariana Morgado, Serviço de Cirurgia Pediátrica, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, com o apoio da Cochrane Portugal.