Qual é o objetivo desta revisão?
O objetivo desta Revisão Cochrane foi descobrir se medicamentos estimulantes e não estimulantes são eficazes e seguros no tratamento de pessoas com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e Epilepsia. Os autores da Revisão Cochrane coletaram e analisaram todos os estudos relevantes para responder a esta pergunta.
Introdução
A epilepsia é uma doença em que o cérebro é predisposto a gerar convulsões. O TDAH é uma doença na qual a vida diária é afetada por desatenção, hiperatividade e impulsividade. É comum que uma pessoa com epilepsia também tenha um diagnóstico de TDAH. Estes dois diagnósticos juntos podem ter um impacto negativo na educação, no trabalho e nas relações familiares e sociais.
O TDAH pode ser controlado com tratamento medicamentoso. São medicamentos estimulantes, como o metilfenidato, e medicamentos não estimulantes, como a atomoxetina. Esses medicamentos atuam em diferentes neurotransmissores no cérebro para melhorar a concentração e o controle de impulsos. Sugere-se que medicamentos estimulantes, particularmente o metilfenidato, podem agravar a epilepsia ou causar convulsões. Ambos os medicamentos estimulantes e não estimulantes continuam a ser prescritas com um aviso de que podem agravar as convulsões.
Não se sabe se os medicamentos estimulantes e não estimulantes são eficazes e seguros no tratamento de pessoas com TDAH e epilepsia. Também não sabe se esses medicamentos têm efeitos colaterais intoleráveis que impeçam as pessoas de tomá-los diariamente.
Quais foram os principais resultados da revisão?
Encontramos dois estudos relevantes envolvendo crianças com TDAH e epilepsia: um estudo americano testou o metilfenidato de sistema oral de liberação osmótica (OROS-MPH) e foi financiado por subsídio do governo; um estudo iraniano analisou o ômega-3 e foi financiado por uma bolsa universitária.
No primeiro estudo, crianças em uma clínica ambulatorial americana receberam OROS-MPH de doses cada vez mais altas ou placebo. Este estudo indica que crianças receberam OROS-MPH:
- podem ter um risco maior de convulsões com doses maiores de OROS-MPH, embora não tenhamos certeza desse resultado.
- são provavelmente duas vezes mais propensas de parar de tomar OROS-MPH devido aos efeitos colaterais (por exemplo, piora na capacidade emocional e nas convulsões), embora estejamos apenas moderadamente confiantes neste resultado.
- podem melhorar seus sintomas de TDAH, embora não estejamos confiantes nesse resultado.
No segundo estudo, crianças em uma clínica ambulatorial iraniana receberam ou ômega-3, o medicamento anti-psicótico risperidona e o medicamento anticonvulsivo usual ou risperidona ou apenas medicamento anticonvulsivo usual. Este estudo indica que crianças que receberam ômega-3:
- podem ter menos apreensões (crianças que receberam ômega-3 tiveram em média seis ou sete convulsões a menos por mês, em comparação com crianças que não receberam ômega-3), embora não tenhamos certeza desse resultado.
- podem ser menos propensos a parar de tomar ômega-3 por causa dos efeitos colaterais (sonolência, diarreia e náuseas e vômitos), embora também não estejamos confiantes nesse resultado. No entanto, os efeitos dos ômega-3 variam e é possível que os ômega-3 façam pouca ou nenhuma diferença.
Os autores da revisão não encontraram nenhum estudo analisando o efeito do ômega-3 nos sintomas de TDAH.
Os autores da revisão não encontraram nenhum estudos analisando adultos com TDAH e epilepsia, ou outros tipos de medicamentos estimulantes e não estimulantes.
Mensagens-chave
O medicamento estimulante OROS-MPH pode melhorar os sintomas de TDAH, mas também pode aumentar o risco de efeitos adversos, tais como convulsões e labilidade emocional. O uso do medicamento não estimulante ômega-3 poderia ser seguro em crianças com TDAH e epilepsia; entretanto, não sabemos se ela é eficaz no tratamento dos sintomas de TDAH. Essas conclusões devem ser interpretadas com cautela devido a vieses de estudo, medidas indiretas de desfechos, pequeno número de eventos e grandes intervalos de confiança. Mais estudos de alta qualidade são necessários, incluindo estudos envolvendo adultos com TDAH e epilepsia e mais tipos de medicamentos estimulantes e não estimulantes.
Quão atual é esta revisão?
Os autores da revisão pesquisaram estudos que haviam sido publicados até Outubro de 2020.
Em crianças com diagnóstico duplo de epilepsia e TDAH, há algumas evidências de que o uso da droga estimulante OROS-MPH não está associado a um agravamento significativo da epilepsia, mas doses mais altas da mesma podem estar associadas ao aumento do risco diário de convulsões; baixa certeza na evidência. OROS-MPH também está associada à uma melhora nos sintomas de TDAH. Entretanto, este tratamento também foi associado a uma grande proporção de abandono do tratamento em comparação com o placebo. Em relação à medicamento não estimulante ômega-3, há algumas evidências de redução na frequência de convulsões em crianças que também estão sob o efeito de risperidona e medicamento anticonvulsivo usual, em comparação com crianças que também receberam medicamento anticonvulsivo usual, apenas. A evidência é inconclusiva se ômega-3 aumenta ou diminui o risco de efeitos adversos dos medicamentos.
Identificamos apenas dois estudos - um para OROS-MPH e ômega-3 cada um - com baixo a alto risco de viés. A certeza geral da evidência para os resultados OROS-MPH e ômega-3 foi considerada baixa e moderada.
Mais estudos são necessários. Os estudos futuros devem incluir: 1. participantes adultos; 2. uma maior variedade de medicamentos estimulantes e não estimulantes, tais como anfetaminas e atomoxetina, respectivamente; e 3. desfechos adicionais importantes, como hospitalizações relacionadas a convulsões e qualidade de vida. Grupos de estudos avaliando o mesmo medicamento (e com base nas evidências apresentadas nesta revisão sobre OROS-MPH e ômega-3) são necessários para poder realizar uma meta-análise dos desfechos.
O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) pode co-ocorrer em até 40% das pessoas com epilepsia. Há um debate sobre a eficácia e tolerabilidade dos medicamentos estimulantes e não estimulantes usados para tratar pessoas com TDAH e epilepsia co-ocorrente.
Avaliar o efeito de medicamentos e estimulantes e não estimulantes em crianças e adultos com TDAH e epilepsia co-ocorrente em termos de frequência de convulsões e taxas de retirada de medicamentos (objetivos primários), assim como a gravidade das convulsões, sintomas de TDAH, estado cognitivo, comportamento geral, qualidade de vida e perfil de efeitos adversos (objetivos secundários).
Fizemos buscas nas seguintes bases de dados em 12 de Outubro de 2020: Cochrane Register of Studies (CRS Web), MEDLINE (Ovid, 1946 a 9 de Outubro de 2020), CINAHL Plus (EBSCOhost, 1937 em diante). Não houve restrição de idiomas. O CRS Web inclui ensaios clínicos randomizados ou quasi-randomizados da PubMed, Embase, ClinicalTrials.gov, World Health Organization International Clinical Trials Registry Platform (ICTRP), Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL) e Specialised Registers of Cochrane Review Groups incluindo Epilepsia.
Incluímos ensaios clínicos randomizados de medicamentos estimulantes e não estimulantes para pessoas de qualquer idade, sexo ou etnia com TDAH e epilepsia co-ocorrente.
Selecionamos artigos e extraímos dados de acordo com critérios pré-definidos. A análise primária foi realizada com base na intenção de tratar. Os desfechos foram apresentados como risk ratios (RRs) com intervalos de confiança (IC) de 95%, exceto para efeitos adversos individuais, onde citamos IC de 99%. Análises de sensibilidade foram realizadas no melhor e pior caso para lidar com dados incompletos. Uma avaliação de risco de viés foi realizada para cada estudo incluído usando a ferramenta Cochrane “Risk of Bias” e a certeza na evidência foi avaliada usando o método GRADE.
Identificamos dois estudos que atenderam aos nossos critérios de inclusão: um estudo dos EUA comparou diferentes doses do medicamento estimulante metilfenidato do sistema osmótico oral (OROS-MPH) com um placebo em 33 crianças (média de idade 10,5 ± 3,0 anos), e um estudo Iraniano comparou o medicamento não estimulante ômega-3 tomado junto com a risperidona e o medicamento anticonvulsivo usual com risperidona e medicamento anticonvulsivo usual apenas em 61 crianças (média de idade 9,24 ± 0,15 anos). Todas as crianças foram diagnosticadas com epilepsia e TDAH de acordo os critérios da International League Against Epilepsy and Diagnostic e do Statistical Manual of Mental Disorders, quarta edição, respectivamente. Avaliamos ambos os estudos como sendo de baixo risco de detecção e de viés de relato, mas as avaliações variaram de baixo a alto risco de viés em todos os outros domínios.
OROS-MPH
Nenhum participante que recebeu OROS-MPH apresentou piora significativa da epilepsia, definida como: 1.uma duplicação da taxa mais alta de convulsões de 14 dias ou 2 dias observadas durante os 12 meses anteriores ao estudo; 2. uma convulsão tônico-clônica generalizada, se nenhuma tivesse ocorrido nos 2 anos anteriores; ou 3. uma intensificação clinicamente significativa na duração ou gravidade da convulsão (33 participantes, 1 estudo; baixa certeza na evidência). Entretanto, doses mais altas de OROS-MPH previram um aumento do risco diário de uma apreensão (P < 0,001; 33 participantes, 1 estudo; baixa certeza na evidência). A OROS-MPH teve uma proporção maior de participantes recebendo pontuações "muita melhora" ou "muitíssima melhora" para sintomas de TDAH de acordo com a ferramenta Clinical Global Impressions for ADHD-Improvement (33 participantes, 1 estudo; baixa certeza na evidência). Com OROS-MPH também houve uma proporção maior de pessoas que abandonaram o tratamento (RR 2,80; IC 95% 1,14 a 6,89; 33 participantes, 1 estudo; moderada certeza na evidência).
Omega-3
Omega-3 com risperidona e medicamento anticonvulsivo foram associados a uma redução na frequência média de convulsões em 6,6 convulsões por mês (IC 95% 4,24 a 8,96; 56 participantes, 1 estudo; baixa certeza na evidência) e um aumento na proporção de pessoas que atingiram uma redução de 50% ou mais na frequência mensal crises (RR 2,79, IC 95% 0,84 a 9,24; 56 participantes, 1 estudo; baixa certeza na evidência) em comparação com pessoas com risperidona e medicamento anticonvulsivo apenas. Com o Omega-3 com risperidona e medicamento anticonvulsivo também houve uma proporção menor de pessoas que abandonaram o tratamento (RR 0,65, IC 95% 0,12 a 3,59; 61 participantes, 1 estudo; baixa certeza na evidência), mas uma proporção maior de pessoas sofrendo eventos adversos com medicamentos (RR 1,40, IC 95% 0,44 a 4,42; 56 participantes, 1 estudo; baixa certeza na evidência) em comparação com pessoas com risperidona e medicamento anticonvulsivo apenas.
Tradução do Cochrane Brazil (Mayara Rodrigues Batista). Contato: tradutores.cochrane.br@gmail.com