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É incerto se os medicamentos antipsicóticos mais antigos, de primeira geração ou "típicos", tal como o haloperidol, têm um efeito no comportamento agitado (por exemplo, inquietação e agressão); o efeito é, na melhor das hipóteses, moderado. Os medicamentos antipsicóticos típicos podem diminuir ligeiramente os delírios e alucinações em pessoas com demência.
Os novos medicamentos antipsicóticos "atípicos" de segunda geração, tal como a risperidona, provavelmente reduzem ligeiramente o comportamento agitado. Os medicamentos antipsicóticos atípicos provavelmente não têm efeito sobre os sintomas psicóticos.
Ambos os medicamentos antipsicóticos de primeira e de segunda geração aumentam o risco de sonolência e outros eventos indesejados. Quando os sintomas dos pacientes melhoram após a prescrição de antipsicóticos, isto deve-se provavelmente em grande parte à melhoria natural dos sintomas ao longo do tempo.
O que são medicamentos antipsicóticos?
Os antipsicóticos são medicamentos prescritos para tratar sintomas psicóticos e comportamento gravemente perturbado em algumas doenças mentais, tais como esquizofrenia, doença bipolar e depressão grave. Os sintomas psicóticos são delírios (crenças muito fortes em algo que não é verdade) e alucinações (sentir - geralmente ver ou ouvir - coisas que não estão realmente presentes).
Os medicamentos antipsicóticos são frequentemente divididos em dois grupos:
1. antipsicóticos de primeira geração (mais antigos) ou "típicos", por exemplo o haloperidol;
2. antipsicóticos de segunda geração (mais recentes) ou 'atípicos', por exemplo a risperidona.
Ambos os tipos de antipsicóticos podem causar efeitos indesejados, tais como sonolência, alterações do movimento (por exemplo, movimentos involuntários ou incontroláveis, tremores, contrações musculares) e aumento de peso.
Porque é que as pessoas com demência precisam de antipsicóticos?
As pessoas com demência experimentam frequentemente alucinações e delírios ao longo da sua doença por algum tempo. Especialmente nas fases posteriores da doença, podem também apresentar comportamentos agitados, tais como inquietação, gritos ou agressão para com os outros. É importante tentar compreender o que está a impulsionar estes comportamentos e há muitas maneiras de os gerir que não envolvem medicamentos. No entanto, os medicamentos antipsicóticos têm sido frequentemente prescritos a pessoas com demência para estes problemas. Em muitos países, são prescritos com menos frequência do que no passado, mas ainda são utilizados quando os sintomas são graves.
O que pretendíamos descobrir?
Queríamos saber quão bem os medicamentos antipsicóticos reduzem a gravidade da agitação e dos sintomas psicóticos em pessoas com os dois tipos mais comuns de demência, nomeadamente demência devido à doença de Alzheimer e demência vascular. Também queríamos saber quantas pessoas experimentaram efeitos indesejados.
O que fizemos?
Procurámos estudos que investigaram medicamentos antipsicóticos atualmente disponíveis nos EUA ou na União Europeia, comparando-os com placebo (um comprimido sem um princípio ativo), para tratamento de agitação persistente ou sintomas psicóticos. As pessoas nos estudos tinham de ter doença de Alzheimer ou demência vascular. Podiam ser de qualquer idade e residir num lar, num hospital ou na comunidade. A maioria das pessoas nos estudos tinha de estar a experimentar agitação (incluindo agressão) ou sintomas psicóticos, ou ambos, no início do estudo.
Comparámos e resumimos os resultados dos estudos e classificámos a nossa confiança na evidência com base em fatores como a metodologia e tamanho dos estudos.
O que descobrimos?
Encontrámos 24 estudos com um total de 6090 pessoas.
- seis estudos testaram antipsicóticos típicos, na sua maioria haloperidol;
- 20 estudos testaram antipsicóticos atípicos, tais como risperidona, olanzapina e aripiprazol; e
- dois estudos testaram ambos os antipsicóticos, típicos e atípicos.
Todos os estudos compararam os antipsicóticos com o placebo. As pessoas viviam em instituições, hospitais, na comunidade, ou uma combinação destes ambientes.
Resultados principais
Antipsicóticos típicos (haloperidol, tiotixeno) em comparação com o placebo:
- podem melhorar ligeiramente os sintomas de psicose (2 estudos, 240 pessoas), mas não temos certeza quanto ao seu efeito na agitação (4 estudos, 361 pessoas);
- provavelmente aumentam o risco de sonolência (3 estudos, 466 pessoas), e perturbações do movimento (3 estudos, 467 pessoas);
- podem aumentar ligeiramente o risco de efeitos indesejáveis graves (1 estudo, 193 pessoas) e de morte (6 estudos, 578 pessoas).
Não houve evidência sobre o risco de efeitos indesejáveis não graves e graves combinados.
Antipsicóticos atípicos (risperidona, olanzapina, aripiprazol, quetiapina) em comparação com o placebo:
- provavelmente reduzem ligeiramente a agitação (7 estudos, 1971 pessoas) e podem reduzir ligeiramente a agressividade (1 estudo, 301 pessoas), mas provavelmente não fazem diferença importante nos sintomas de psicose (12 estudos, 3364 pessoas);
- aumentam o risco de sonolência (13 estudos, 2878 pessoas) e provavelmente aumentam ligeiramente perturbações do movimento (15 estudos, 4180 pessoas);
- provavelmente aumentam ligeiramente o risco de sofrer qualquer efeito indesejado não grave ou grave combinado, o risco de efeitos indesejáveis graves, e o risco de morte (17 estudos, 5032 pessoas).
Quais são as limitações da evidência?
No geral, a nossa confiança nas evidências sobre os antipsicóticos típicos é limitada e a nossa confiança nas evidências sobre os antipsicóticos atípicos moderada. Os antipsicóticos típicos têm sido investigados em apenas alguns estudos. Além disso, os estudos sobre os antipsicóticos típicos e atípicos nem sempre utilizam os melhores métodos para realizar as suas investigações, ou não reportam os resultados. Consequentemente, os efeitos sobre a agitação ou psicose podem ter sido sobrestimados, e os efeitos sobre os acontecimentos adversos subestimados.
Quão atualizada está esta evidência?
Esta evidência está atualizada até 7 de janeiro de 2021.
Há algumas evidências de que os antipsicóticos típicos podem diminuir ligeiramente a agitação e a psicose em pacientes com demência. Os antipsicóticos atípicos reduzem ligeiramente a agitação na demência, mas o seu efeito sobre a psicose da demência é negligenciável. A aparente eficácia dos fármacos observada na prática diária pode ser explicada por um curso natural favorável dos sintomas, tal como observado nos grupos placebo. Ambas as classes de medicamentos aumentam o risco de sonolência e outros eventos adversos. Se os antipsicóticos forem considerados para sedação em doentes com sintomas graves e perigosos, isto deve ser discutido abertamente com o doente e o representante legal.
Os antipsicóticos típicos e atípicos são amplamente utilizados para tratar a agitação e a psicose na demência. No entanto, se são ou não benéficos é incerto. Alguns ensaios têm demonstrado resultados negativos e a eficácia pode ser ultrapassada pelos efeitos negativos
Avaliar a eficácia e a segurança dos antipsicóticos para tratamento da agitação e psicose em pessoas com doença de Alzheimer e demência vascular
Pesquisámos em ALOIS, no registo do Grupo Cochrane para a demência e melhoria cognitiva , MEDLINE (Ovid SP), Embase (Ovid SP), PsycINFO (Ovid SP), CINAHL (EBSCOhost), Web of Science Core Collection (ISI Web of Science), LILACS (BIREME), e ClinicalTrials.gov a 7 de janeiro de 2021. Dois dos autores examinaram independentemente o título e o resumo dos artigos, e dois autores avaliaram o texto completo dos estudos que foram selecionados nessa análise.
Incluímos ensaios aleatórios controlados por placebo, ensaios clínicos de braços paralelos comparando os efeitos dos medicamentos antipsicóticos e placebo para o tratamento da agitação ou psicose em pessoas com demência devido à doença de Alzheimer ou demência vascular, ou ambos, independentemente da idade, da gravidade da deficiência cognitiva e do cenário. (A maioria dos) participantes teve de ter agitação (incluindo agressão) ou psicose clinicamente significativa ou ambas na linha de base. Excluímos estudos sobre antipsicóticos que já não estão disponíveis nos EUA ou na UE, ou que são utilizados para sedação de emergência de curto prazo. Excluímos também os ensaios cabeça a cabeça e os ensaios de retirada de antipsicóticos.
Os principais resultados esperados eram (1) redução da agitação ou psicose nos participantes com agitação ou psicose, respectivamente na linha de base, e (2) o número de participantes com eventos adversos: sonolência, sintomas extrapiramidais, qualquer evento adverso, qualquer evento adverso grave (SAE), e morte.
Dois autores, trabalhando de forma independente, extraíram os dados e avaliaram o risco de viés dos estudos usando a ferramenta de avaliação de vieses da Cochrane . Calculámos o efeito combinado sobre a agitação e psicose para os antipsicóticos típicos e atípicos separadamente, e o risco combinado de efeitos adversos independentemente do sintoma alvo (agitação ou psicose). Utilizámos o RevMan Web para as análises.
A pesquisa resultou em 8233 artigos separados. Após a avaliação do texto integral de 35 estudos, incluímos 24 ensaios que preenchiam os critérios de elegibilidade. Seis ensaios testaram um antipsicótico típico, quatro para agitação e dois para psicose. Vinte ensaios testaram um antipsicótico atípico, oito para agitação e doze para psicose. Dois ensaios testaram ambos os tipos de medicamentos. Dezassete das vinte seis comparações foram realizadas em pacientes com a doença de Alzheimer especificamente. As outras nove comparações também incluíram pacientes com demência vascular ou demência mista. Em conjunto, os estudos incluíram 6090 participantes (12 a 652 por estudo). Os ensaios foram realizados em doentes institucionalizados, hospitalizados e residentes na comunidade, ou numa combinação destes.
Em relação aos antipsicóticos típicos (por exemplo, haloperidol, tiotixeno), não sabemos se estes medicamentos melhoram a agitação em comparação com placebo (diferença média padronizada (SMD) -0,36, intervalo de confiança de 95% (IC) -0,57 a -0,15, 4 estudos, n = 361); muito baixa evidência, mas os antipsicóticos típicos podem melhorar ligeiramente a psicose (SMD -0,29, IC 95% -0,55 a -0,03, 2 estudos, n= 240; baixa evidência em comparação com placebo. Estes medicamentos aumentam provavelmente o risco de sonolência (rácio de risco (RR) 2,62, 95% CI 1,51 a 4,56, 3 estudos, n = 466; evidência moderada) e aumentam os sintomas extrapiramidais (RR 2,26, 95% CI 1,58 a 3,23, 3 estudos, n = 467; evidência alta). Não encontrámos evidências relativas ao risco de qualquer acontecimento adverso. Os riscos de EAS (RR 1,32, 95% CI 0,65 a 2,66, 1 estudo, n = 193) e morte (RR 1,46, 95% CI 0,54 a 4,00, 6 estudos, n = 578) podem ser ligeiramente aumentados, mas estas estimativas foram muito imprecisas, e o grau de evidência foi baixo. As estimativas do efeito do haloperidol em cinco ensaios estavam em linha com as da classe do medicamento.
Antipsicóticos atípicos (por exemplo risperidona, olanzapina, aripiprazol, quetiapina) provavelmente reduzem ligeiramente a agitação (SMD -0,21, 95% CI -0,30 a -0,12, 7 estudos, n = 1971; grau de evidência moderado), mas provavelmente têm um efeito negligenciável na psicose (SMD -0,11, 95% CI -0,18 a -0,03, 12 estudos, n = 3364; grau de evidência moderado). Estes medicamentos aumentam o risco de sonolência (RR 1,93, 95% CI 1,57 a 2,39, 13 estudos, n - 3878; grau de evidência alto) e provavelmente também estão associados a um ligeiro aumento do risco de sintomas extrapiramidais (RR 1,39, 95% CI 1,14 a 1.68, 15 estudos, n = 4180; grau de evidência moderado) eventos adversos graves (RR 1,32, 95% CI 1,09 a 1,61, 15 estudos, n= 4316; grau de evidência moderado) e morte(RR 1,36, 95% CI 0,90 a 2,05, 17 estudos, n= 5032; grau de evidencia moderado), embora a última estimativa fosse imprecisa. Os medicamentos têm provavelmente um efeito negligenciável sobre o risco de qualquer acontecimento adverso (RR 1,05, 95% CI 1,02 a 1,09, 11 estudos, n = 2785; grau de incerteza moderado). Os resultados de sete ensaios com a risperidona estavam em linha com os da classe do medicamento.
Traduzido por: Sara Correia, Ângelo Luís e Assunção Vaz-Patto, Centro de Investigação em Ciências da Saúde, Universidade da Beira interior (CICS-UBI), Covilhã, Portugal, com o apoio da Cochrane Portugal. A tradução e revisão da secção Plain Language Summary foi, igualmente, efetuada por: Mariana Alves, Serviço de Medicina Interna, Centro Hospitalar Lisboa Norte - Hospital Pulido Valente.