Os papilomavírus humanos (HPV em inglês) são um grupo de vírus que infectam a pele e as mucosas. Alguns tipos de HPV são sexualmente transmissíveis e são comuns em jovens. A maioria das infecções causadas pelo HPV será neutralizada pelo sistema imunológico. Porém, algumas pessoas terão infecções persistentes com alguns tipos de HPV que podem causar alterações nas células infectadas. Estas alterações celulares são chamadas "pré-cancerosas" porque podem evoluir para cânceres no colo do útero, vagina, vulva, canal anal, pênis, e também na cabeça e no pescoço. A infecção por outros tipos de HPV causa verrugas na região genital ou em volta do ânus.
A vacinação visa prevenir que a pessoa venha a ter infecções pelo HPV. Atualmente, três vacinas de HPV estão disponíveis para uso - uma bivalente (protege contra dois tipos de HPV); uma quadrivalente (protege contra quatro tipos de HPV); e uma nona valente (protege contra nove tipos de HPV). Tomar três doses das vacinas bivalente ou quadrivalente protege as mulheres contra as lesões genitais pré-cancerosas do colo do útero, causadas pelos tipos de HPV contidos na vacina. A evidência sobre a vacina nona valente ainda não foi avaliada a fundo, nem os efeitos da vacina quadrivalente nos homens, ou os efeitos das vacinas contra o HPV em pessoas portadoras do vírus HIV. A utilização de vacinas contra o HPV permanece baixa em muitos países. O uso de esquemas de vacinação mais simples ou dar a vacina a meninos e meninas são medidas que poderiam aumentar o número de pessoas vacinadas.
Os estudos que avaliam a eficácia das vacinas contra o HPV nem sempre são projetados para coletarem dados sobre o surgimento de cânceres e lesões pré-cancerosas. Isso ocorre por diversas razões. Em primeiro lugar, a vacina contra o HPV é rotineiramente administrada antes que as meninas se tornem sexualmente ativas, e não é ético coletar amostras de células do colo uterino de meninas que não tiveram relações sexuais. Em segundo lugar, as lesões pré-cancerosas e o câncer relacionados ao HPV são raros e se desenvolvem muitos anos após a ocorrência da infecção pelo HPV. Em terceiro lugar, todos participantes de um ensaio clínico (um tipo de estudo) que desenvolverem uma lesão pré-cancerosa no colo serão tratados. Isso tornará a progressão da lesão para um câncer ainda mais rara, mesmo no grupo que não recebeu a vacina. Um comitê internacional de especialistas afirma que, em algumas circunstâncias, o aumento na quantidade de anticorpos que circulam no sangue da pessoa pode ser usado para demonstrar a proteção que a pessoa tem contra os cânceres de colo do útero e anal. Os níveis de anticorpos medidos após a vacinação em um ensaio clínico não devem ser menores que aqueles encontrados em outros estudos em adultos nos quais a vacina demonstrou eficácia na proteção contra doença cervical ou anal grave relacionada ao HPV.
Pergunta(s) da revisão
Quão eficazes ou prejudiciais são os diferentes esquemas vacinais (número e intervalo entre as doses) e os diferentes tipos de vacinas contra HPV em mulheres e homens?
Principais resultados
Esses resultados são baseados nos estudos disponíveis até 27 de setembro de 2018. Analisamos 20 estudos envolvendo 31.940 pessoas.
Os estudos que compararam duas versus três doses ou o intervalo de tempo entre as doses da vacina contra o HPV avaliaram principalmente as respostas do sistema imunológico (quantidade de anticorpos) e não o surgimento de infecção ou doenças decorrentes do HPV. A resposta imunológica foi semelhante entre as pessoas que tomaram duas doses ou três doses da vacina contra o HPV. Um intervalo mais longo (até 12 meses) entre as doses da vacina produziu uma resposta imunológica mais forte do que um intervalo mais curto entre as doses. Não existe evidência suficiente para estimar eventuais diferença entre os esquemas vacinais no que se refere aos eventos adversos graves e óbito.
Existe evidência de qualidade (certeza) moderada, proveniente de um estudo envolvendo homens de 16 a 26 anos, de que tomar a vacina quadrivalente contra o HPV oferece maior proteção contra lesões genitais externas e verrugas genitais do que tomar uma vacina de mentira (aplicada no grupo controle). Existe evidência de alta qualidade, proveniente de um estudo envolvendo mulheres de 16 a 26 anos, de que as vacinas nona valentes e quadrivalentes fornecem os mesmos níveis de proteção contra lesões pré-cancerosas e cânceres cervicais, vaginais e vulvares.
Existe evidência de que, em homens, o grupo que recebeu a vacina quadrivalente teve mais eventos adversos locais (como dor, inchaço e vermelhidão no local da injeção) do que o grupo controle. Também existe evidência de que, em homens e mulheres, há mais eventos adversos locais no grupo que recebeu a vacina nona valente do que no grupo que recebeu a vacina quadrivalente. A qualidade da evidência proveniente dos estudos que avaliaram eventos adversos graves e óbito usando diferentes tipos ou esquemas vacinais de HPV, é baixa ou muito baixa.
Nas pessoas com HIV, as vacinas contra o HPV produzem níveis razoáveis de resposta imunológica. Porém, há pouca evidência quanto aos efeitos da vacinação sobre o surgimento de infecção persistente pelo HPV, doenças relacionadas ao HPV, ou eventos adversos.
Certeza da evidência
Não encontramos problemas maiores quanto à qualidade metodológica dos estudos no que se refere às medidas dos desfechos de infecção e doença, nem para as respostas do sistema imunológico. Temos pouca confiança (baixo nível de certeza) na evidência existente sobre danos graves e óbitos em todos os estudos que comparam diferentes vacinas e esquemas vacinais de HPV. Isso se deve à baixa frequência desses eventos ou porque a evidência é indireta, ou ambos motivos. Evidência de alta qualidade (ou certeza) significa que estamos confiantes de que é improvável que mais pesquisas mudem nossas conclusões. Evidência de moderada qualidade (certeza) significa que existe a possibilidade de que pesquisas adicionais possam ter um efeito importante sobre nossas conclusões. Evidência de baixa qualidade (certeza) significa que nossa confiança é limitada e que pesquisas adicionais podem ter um impacto importante sobre nossas conclusões. Evidência de qualidade (certeza) muito baixa significa que estamos incertos sobre os resultados.
Conclusão
Em mulheres jovens, um esquema com duas doses de vacina contra o HPV produz respostas imunológicas comparáveis a um esquema com três doses. Em homens, a vacina quadrivalente contra o HPV parece ser eficaz na prevenção de lesões genitais externas e verrugas genitais. Em mulheres jovens, as vacinas quadrivalentes e nona valentes contra o HPV produzem níveis semelhantes de proteção contra lesões pré-cancerosas e cânceres cervicais, vaginais e vulvares. Em pessoas com HIV, existe pouca evidência sobre a eficácia e os danos das vacinas contra o HPV. Estudos adicionais, em nível populacional e de longo prazo, são necessários para um contínuo monitoramento da segurança das vacinas contra o HPV. Esses estudos também são importantes para estimar por quanto tempo duas doses das vacinas podem fornecer proteção contra doenças relacionadas ao HPV, para estimar qual o efeito dessas duas doses contra o câncer relacionado ao HPV, e para saber se um esquema de vacinação com duas doses aumentará a cobertura vacinal.
Nas mulheres jovens, os esquemas de vacinação contra o HPV com duas ou três doses produzem modificações semelhantes nos níveis de anticorpos. Nos homens, a vacina quadrivalente contra o HPM (comparada ao controle) provavelmente reduz a incidência de lesões genitais externas e verrugas ano-genitais. As vacinas nona valentes e quadrivalentes contra o HPV oferecem proteção semelhante contra o desfecho combinado de lesões pré-cancerosas ou cânceres cervical, vaginal e vulvar. Nas pessoas com HIV, tanto as vacinas bivalentes quanto as quadrivalentes contra o HPV produzem altas respostas de anticorpos. Para todas as comparações de diferentes esquemas de vacinação contra o HPV, a qualidade do corpo da evidência sobre eventos adversos graves registrados durante os períodos de estudo, foi baixa ou muito baixa. Os motivos para rebaixar a qualidade da evidência foram o pequeno número de eventos, evidência indireta, ou ambos. A vigilância pós-comercialização das vacinas contra o HPV é necessária para continuar a monitorar possíveis danos que possam estar associados às vacinas na população. Esta evidência será incorporada às futuras atualizações desta revisão. São necessários estudos observacionais de longo prazo para estimar a efetividade de esquemas vacinais com menos doses sobre cânceres relacionados ao HPV e para avaliar se a adoção desses esquemas melhora a taxa de cobertura vacinal.
A administração de três doses de vacinas bivalentes e quadrivalentes contra o papilomavírus humano (HPV) é efetiva para prevenir lesões pré-cancerosas do colo uterino. Porém, a utilização das vacinas contra o HPV continua baixa em muitos países. Programas de imunização mais simples (com menos doses) e programas que incluam homens podem reduzir as barreiras à vacinação.
Avaliar a eficácia, imunogenicidade e segurança de diferentes tipos e doses de vacinas contra o HPV em mulheres e homens.
Em 27 de setembro de 2018, fizemos buscas eletrônicas nas seguintes bases de dados: MEDLINE (via Ovid); Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL - Biblioteca Cochrane); e Embase (via Ovid). Em 27 de setembro de 2018 fizemos buscas em duas plataformas de registros de ensaios clínicos (WHO International Clinical Trials Registry Platform e ClinicalTrials.gov). Também fizemos buscas nos sites de fabricantes de vacinas e avaliamos as listas de referências de outras revisões sistemáticas relevantes e de um índice de estudos sobre HPV.
Incluímos ensaios clínicos randomizados controlados (ECRs) sem restrição de idiomas. Incluímos estudos que recrutaram homens ou mulheres com idades entre 9 e 26 anos e que fossem HIV negativos; ou ainda homens ou mulheres de quaisquer idades, portadores de HIV.
Usamos os métodos recomendados pela Cochrane. Usamos o termo "controle" para produtos de comparação que continham uma vacina adjuvante ou ativa. Usamos o termo "placebo" para produtos de comparação sem vacina adjuvante ou ativa. A maioria dos desfechos primários nesta revisão foram desfechos clínicos. Entretanto, para comparações entre diferentes esquemas de doses, os ensaios clínicos incluídos nesta revisão foram projetados para medir a produção de anticorpos (imunogenicidade) como desfecho primário ao invés de medirem desfechos clínicos, uma vez que não é ético coletar amostras cervicais de meninas menores de 16 anos de idade. Para avaliar desfechos de imunogenicidade (médias geométricas dos títulos de anticorpos) calculamos a razão entre médias. Para avaliar desfechos clínicos (como câncer e neoplasia intraepitelial) calculamos o risco relativo (RR) ou a razão de riscos. Para avaliar eventos adversos graves e óbito, calculamos a razão de chances (odds ratio, OR em inglês). Usamos a ferramenta GRADE (The Grading of Recommendations, Assessment, Development and Evaluation) para avaliar a qualidade (certeza) da evidência.
Incluímos nesta revisão 20 ECRs com 31.940 participantes. O tempo de seguimento dos estudos incluídos variou entre sete meses e cinco anos.
Duas doses versus três doses da vacina contra o HPV em mulheres de 9 a 15 anos de idade
A resposta imunológica após duas versus três doses da vacina contra o HPV foi semelhante por até cinco anos de seguimento (4 ECRs, evidência qualidade moderada a alta). Nenhum ECR coletou dados de desfechos clínicos. A qualidade da evidência para eventos adversos graves foi muito baixa (três doses 35/1159; duas doses 36/1158; 4 ECRs). Rebaixamos a qualidade da evidência devido à imprecisão e evidência indireta. Houve um óbito no grupo que recebeu três doses (1/898) versus nenhum óbito no grupo que recebeu duas doses (0/899) (evidência de baixa qualidade).
Intervalo entre doses da vacina contra o HPV em mulheres e homens de 9 a 14 anos de idade
A produção de anticorpos foi maior com um intervalo de tempo mais longo (6 ou 12 meses) entre as duas primeiras doses da vacina contra o HPV do que com um intervalo mais curto (2 ou 6 meses) por até três anos de seguimento (4 ECRs, evidência de qualidade moderada à alta). Nenhum ECR coletou dados sobre desfechos clínicos. A qualidade da evidência para eventos adversos graves foi muito baixa. Rebaixamos a qualidade da evidência devido à imprecisão e evidência indireta. Nenhum dos estudos relatou casos de óbitos (0/1898, 3 ECRs, evidência de baixa qualidade).
Vacinação contra o HPV em homens de 10 a 26 anos
Existe evidência de moderada qualidade proveniente de um ECR de que a vacina quadrivalente contra o HPV, comparada ao controle, reduz a incidência de lesões genitais externas (controle 36/3081 pessoas-ano versus quadrivalente 6/3173 pessoas-ano; razão de risco 0.16, IC 95% 0,07 a 0,38; 6254 pessoa-ano) e a incidência de verrugas ano-genitais (controle 28/2814 pessoa-ano versus quadrivalente 3/2831 pessoa-ano; razão de risco 0,11, IC 95% 0,03 a 0,38; 5645 pessoa-ano). O grupo que recebeu a vacina quadrivalente teve mais eventos adversos no sítio da injeção (como dor ou vermelhidão) do que o grupo controle (537 versus 601 por 1000; razão de risco 1,12, 95% IC 1,06 a 1,18 - 3895 participantes, evidência de alta qualidade). Existe evidência de qualidade muito baixa, proveniente de dois ECRs, sobre eventos adversos graves com a vacina quadrivalente (controle 12/2588; quadrivalente 8/2574); e óbito (controle 11/2591; quadrivalente 3/2582). Rebaixamos a qualidade da evidência devido à imprecisão e evidência indireta.
Vacina nona valente versus quadrivalente em mulheres e homens de 9 a 26 anos de idade
Incluímos três ECRs para essa comparação. Um estudo envolveu mulheres de 9 a 15 anos (n = 600), o segundo envolveu mulheres de 16 a 26 anos (n = 14.215) e o terceiro envolveu homens de 16 a 26 anos (n = 500). O ECR com mulheres de 16 a 26 anos de idade relatou desfechos clínicos. Houve pouca ou nenhuma diferença entres as diferentes vacinas na incidência do desfecho combinado neoplasia epitelial cervical de alto grau, adenocarcinoma in situ ou câncer cervical (quadrivalente 325/6882 versus nona valente 326/6871; OR 1,00, IC 95% 0,85 a 1,16; 13.753 participantes; evidência de alta qualidade). Os outros dois ECRs não coletaram dados sobre desfechos clínicos. Houve um número um pouco maior de eventos adversos locais com a vacina nona valente (905 por 1000) que com a vacina quadrivalente (846 por 1000) (RR 1.07, IC 95% 1.05 a 1.08; 3 ECRs, 15.863 participantes; evidência de alta qualidade). A qualidade da evidência sobre adversos graves foi baixa nos três ECRs (nona valente 243/8234 versus quadrivalente 192/7629; OR 0,60, 95% IC 0,14 a 2,61). A qualidade da evidência foi rebaixada devido à imprecisão e evidência indireta.
Vacinação contra o HPV em pessoas com HIV
Sete ECRs avaliaram vacinas contra o HPV em pessoas com HIV. Dois pequenos ensaios clínicos coletaram dados sobre desfechos clínicos. O aumento de anticorpos foi maior nos participantes que receberam vacina bivalente ou quadrivalente contra o HPV do que nos controles. Essa resposta se manteve por até 24 meses em crianças com HIV (evidência de baixa qualidade). A evidência sobre desfechos clínicos e danos das vacinas contra o HPV em pessoas com HIV é muito incerta (evidência de qualidade muito baixa a baixa), devido à imprecisão e evidência indireta.
Tradução do Centro Afiliado Rio de Janeiro / Faculdade de Medicina de Petrópolis, Cochrane Brazil (Bruno Rosa e Maria Regina Torloni). Contato: tradutores@centrocochranedobrasil.org.br