Pergunta da revisão
Avaliar o efeito do reparo cirúrgico dos tendões do manguito rotador versus o tratamento não cirúrgico sobre a dor e a função do ombro, e outros desfechos, em adultos com lesão de espessura total do manguito rotador.
Introdução
O manguito rotador é um grupo de tendões que atua na mobilidade da articulação do ombro. Algumas pessoas têm dores nos ombros devido ao desgaste e rompimento dos tendões do manguito rotador. O enfraquecimento do tendão é causado pelo envelhecimento e pelo desgaste mecânico. Com o tempo, pode ocorrer uma ruptura dos tendões.
As rupturas do manguito rotador podem causar dor e comprometer o funcionamento do braço, mas também podem ser assintomáticas. Para pessoas com rupturas sintomáticas, o tratamento não cirúrgico, incluindo medicamentos para a dor (analgésicos e anti-inflamatórios), injeções de corticoides e fisioterapia nem sempre trazem resultados satisfatórios.
Geralmente, a cirurgia é uma opção quando os outros tratamentos falham. A cirurgia inclui remover parte do osso para ampliar a passagem do tendão (descompressão subacromial) e reparar os tendões rompidos. Ocasionalmente, os cirurgiões não conseguem reparar o tendão devido ao tamanho da laceração ou em decorrência de degeneração muscular, e, nesses casos, apenas a descompressão subacromial pode ser realizada. Atualmente, a maioria das cirurgias de manguito rotador é realizada por pequenas incisões (técnica “mini-open”) ou por artroscopia, método em que os instrumentos cirúrgicos são inseridos através de pequenos orifícios.
Características do estudo
Esta Revisão Cochrane está atualizada até janeiro de 2019. Encontramos nove ensaios clínicos envolvendo 1007 participantes. A idade média dos participantes foi de 56 a 68 anos, e as mulheres representaram 29% a 56% dos participantes. Os participantes tinham sintomas por vários meses ou anos e receberam o diagnóstico de lesão de espessura total por ressonância magnética ou ultrassonografia. Os estudos foram realizados na Finlândia, Noruega, Canadá, EUA, França, Holanda, Itália e Coreia do Sul. Nossa análise primária incluiu três estudos com 339 participantes que foram tratados com cirurgia (reparação do tendão e remoção óssea na superfície inferior do acrômio) ou terapia não cirúrgica (exercícios com ou sem injeção de corticoides). Três estudos receberam financiamento, porém nenhum deles relatou ter usado as verbas diretamente para os ensaios clínicos.
Resultados principais
Comparada ao tratamento não cirúrgico, a cirurgia trouxe pouco ou nenhum benefício para pacientes com ruptura do manguito rotador por até um ano.
Dor (0 a 10; notas menores significam menos dor)
Melhorou 9% (variando de 4% a 13% melhor) ou 0,9 ponto numa escala de zero a 10
• As pessoas que receberam tratamento não cirúrgico avaliaram sua dor em 1,6 pontos
• As pessoas que foram operadas avaliaram sua dor em 0,7 pontos.
Função (0 a 100; notas maiores significam melhor função)Melhorou 6% (variando de 2% a 10% melhor) ou 6 pontos em uma escala de zero a 100
• As pessoas que receberam tratamento não cirúrgico tiveram uma pontuação de 72 pontos
• As pessoas que foram operadas tiveram uma pontuação de 78 pontos
Avaliação do sucesso geral do tratamento pelo participante (participantes satisfeitos com o resultado)
7% mais pessoas classificaram o seu tratamento como um sucesso (variando de 4% menos a 13% mais), ou mais sete pessoas a cada 100.
- 48/55 (873/1.000) das pessoas consideraram o tratamento não cirúrgico como bem sucedido
- 51/54 (943/1.000) das pessoas consideraram o tratamento cirúrgico como bem sucedido
Qualidade de vida geral (pontuações maiores significam melhor qualidade de vida) Piorou 1% (variando de 4% pior a 2% melhor) ou 1,3 ponto em uma escala de zero a 100.
• As pessoas que receberam tratamento não cirúrgico pontuaram a sua qualidade de vida em 58 pontos
• As pessoas que foram operadas (descompressão subacromial) pontuaram a sua qualidade de vida em 57 pontos
Eventos adversos
• Um evento adverso (capsulite adesiva ou “ombro congelado”, uma redução dolorosa da mobilidade do ombro) foi relatado nos estudos no grupo de exercícios. Portanto, não foi possível estimar o risco comparativo.
Eventos adversos graves
• Não foram relatados eventos adversos graves nos estudos.
Qualidade da evidência
Existe evidência de qualidade moderada (rebaixada devido ao risco de viés) de que, comparado com o tratamento não cirúrgico, o tratamento cirúrgico (reparo do manguito rotador com ou sem descompressão subacromial) provavelmente traz pouco ou nenhum benefício na dor. Existe evidência de baixa qualidade (rebaixada devido a viés e imprecisão) de que o tratamento cirúrgico traz pouca ou nenhuma melhora na função, na avaliação do sucesso geral do tratamento pelo participante ou na qualidade de vida geral das pessoas com ruptura do manguito rotador. Como houve apenas um relato de evento adverso nos estudos, não podemos estimar se há um maior risco de eventos adversos após qualquer um dos tratamentos (evidência de qualidade muito baixa).
No momento, existe incerteza se a cirurgia de reparo do manguito rotador proporciona benefícios clinicamente significativos para pessoas com rupturas sintomáticas. O tratamento cirúrgico pode proporcionar pouco ou nenhum benefício clinicamente importante no que diz respeito a dor, função, qualidade de vida geral e avaliação geral do sucesso do tratamento pelo participante, quando comparado ao tratamento não cirúrgico. A cirurgia pode não melhorar a dor ou a função do ombro em comparação aos exercícios, com ou sem injeções de glicocorticoides.
Os estudos incluídos na revisão têm problemas metodológicos e nenhum incluiu um grupo controle com placebo. Foram incluídos participantes que apresentavam principalmente rupturas degenerativas pequenas envolvendo o tendão do músculo supra-espinhal. As conclusões desta revisão podem não ser aplicáveis a rupturas traumáticas, rupturas grandes envolvendo o tendão do músculo subescapular ou que acometam pacientes jovens. Além disso, os estudos não avaliaram se a cirurgia poderia prevenir alterações relacionadas à artrite no seguimento de longo prazo. São necessários mais estudos com bom desenho metodológico, que incluam um grupo controle placebo cirúrgico e que tenham um seguimento de longo prazo, para aumentar o grau de certeza sobre os efeitos da cirurgia para rupturas do manguito rotador.
Esta revisão faz parte de uma série de Revisões Cochrane de intervenções para problemas no ombro.
Sintetizar as evidências disponíveis sobre os benefícios e danos da reparação do manguito rotador com ou sem descompressão subacromial no tratamento das rupturas do manguito rotador.
Em 8 de janeiro de 2019, fizemos buscas nas seguintes bases eletrônicas: CENTRAL, MEDLINE, Embase, Clinicaltrials.gov e WHO ICRTP registry. Não houve restrições de data ou idioma.
Incluímos ensaios clínicos controlados e randomizados envolvendo adultos com lesão de espessura total do manguito rotador que avaliaram os efeitos do reparo do manguito rotador versus placebo, nenhum tratamento ou qualquer outro tipo de tratamento. Como não houve estudos comparando cirurgia versus placebo, a principal comparação foi entre o reparo do manguito rotador com ou sem descompressão subacromial versus tratamento não cirúrgico (exercícios com ou sem injeção de glicocorticoides). As outras comparações foram: reparo do manguito rotador mais acromioplastia versus apenas reparo do manguito, e reparo mais descompressão subacromial versus apenas descompressão subacromial. Os principais desfechos foram escore médio de dor, função do ombro, qualidade de vida, avaliação geral do sucesso do tratamento pelo participante, eventos adversos e eventos adversos graves. O tempo de avaliação primário para esta revisão foi um ano.
Usamos a metodologia padrão da Cochrane.
Incluímos nove ensaios clínicos envolvendo 1007 participantes. Três estudos compararam reparo do manguito rotador mais descompressão subacromial, seguido por exercícios versus apenas exercícios. Esses estudos incluíram 339 participantes com lesão de espessura total do manguito rotador diagnosticada por ressonância magnética ou ultrassonografia. Um dos três estudos também ofereceu até três injeções de glicocorticoides no grupo dos exercícios. Todos os grupos cirúrgicos passaram por reparo do tendão com descompressão subacromial, e os exercícios pós-operatórios foram semelhantes aos exercícios feitos nos grupos não cirúrgicos. Cinco estudos (526 participantes) compararam reparo mais acromioplastia versus apenas reparo. Um estudo (142 participantes) comparou reparo mais descompressão subacromial versus apenas descompressão subacromial.
A idade média dos participantes dos estudos variou de 56 a 68 anos, e as mulheres representaram 29% a 56% dos participantes. A média de duração dos sintomas variou de 10 meses a até 28 meses. Dois estudos excluíram rupturas em que os sintomas tiveram sua origem relacionada a um trauma. Um estudo definiu uma duração mínima de 6 meses para os sintomas e exigiu uma tentativa de terapia conservadora antes da inclusão. Os estudos incluíram principalmente lesões de espessura total supra-espinhais reparáveis. Seis estudos excluíram, especificamente, rupturas envolvendo o tendão do músculo subescapular.
Todos os estudos apresentaram risco de viés em diversos domínios. Os principais foram falta de mascaramento dos participantes e pesquisadores, falta de detalhes sobre os métodos envolvidos na geração da sequência aleatória ou no sigilo de alocação (seis estudos), dados incompletos de desfechos (três estudos), relato seletivo (seis estudos), e outros vieses (seis estudos).
Nossa principal comparação foi reparo do manguito rotador com ou sem descompressão subacromial versus tratamento não cirúrgico. Incluímos três estudos nessa comparação. Esses estudos compararam reparo do manguito rotador mais descompressão subacromial seguida de exercícios versus apenas exercícios com ou sem injeções de glicocorticoides. Os resultados são apresentados aqui para o seguimento de 12 meses.
Existe evidência de moderada qualidade (rebaixada devido ao risco de viés) proveniente de 3 estudos envolvendo 258 participantes de que a cirurgia provavelmente proporciona pouca ou nenhuma melhora na dor avaliada após um ano; escore médio de dor (variação de 0 a 10, escores maiores indicam mais dor) de 1,6 pontos com tratamento não cirúrgico e de 0,87 pontos melhor (variando de 0,43 melhor a 1,30 melhor) com cirurgia. O escore médio de função (0 a 100, pontuação maior indica melhor desfecho) foi de 72 pontos com o tratamento não cirúrgico e 6 pontos melhor (variando de 2,43 melhor a 9,54 melhor) com a cirurgia (3 estudos; 269 participantes), evidência de baixa qualidade (rebaixada devido ao risco de viés e imprecisão). A avaliação do sucesso geral do tratamento pelo participante foi 48/55 após o tratamento não cirúrgico e 52/55 após a cirurgia. Isso corresponde a um risco relativo (RR) de 1,08, intervalo de confiança (IC) de 95% 0,96 a 1,22; evidência de baixa qualidade (rebaixada por risco de viés e imprecisão). O escore de qualidade de vida relacionada à saúde foi de 57,5 pontos (pontuação do componente mental do SF-36, 0 a 100, pontuação maior indicando melhor qualidade de vida) com o tratamento não cirúrgico e 1,3 pontos pior (variando de 4,5 pior a 1,9 melhor) com a cirurgia (1 estudo; 103 participantes), evidência de baixa qualidade (rebaixada por risco de viés e imprecisão).
Como houve apenas um evento adverso em todos os estudos, não foi possível estimar o risco de eventos adversos e de eventos adversos graves (evidência de qualidade muito baixa, rebaixada uma vez devido ao risco de viés e duas vezes devido à imprecisão muito grave).
Tradução do Centro Afiliado Paraíba, Cochrane Brasil (Liev José Cahino do Egito e David Cesarino de Sousa). Contato: tradutores@centrocochranedobrasil.org.br