Qual é o objetivo desta revisão?
O nosso objectivo foi investigar sobre o papel dos corticóides no tratamento de infecções graves da região à volta do olho conhecidas como celulite pré e pós-septal.
Estas infecções podem levar a complicações como cegueira, infecção cerebral, ou morte. O segundo objetivo seria avaliar se os corticóides tinham diferente efeitos em crianças e adultos.
Mensagens-chave
Não sabíamos se os corticóides seriam úteis no tratamento da celulite orbitária pré e pós-septal. Identificámos apenas um pequeno estudo que se debruçou sobre este tópico, e que mostrou que pode haver um benefício na utilização conjunta de corticóides e antibióticos. No entanto, são necessários estudos maiores e de maior qualidade para compreender de forma mais aprofundada este tópico.
O que foi estudado nesta revisão?
A celulite orbitátia pré e pós-septal corresponde a infecções potencialmente graves da zona à volta do olho. Estas infecções são geralmente tratadas no hospital, uma vez que podem causar complicações graves. Um factor que contribui para o desenvolvimento destas complicações é o espaço limitado nas estruturas ósseas que rodeiam o olho. Quando estes espaços ficam edemaciados como resultado de infecção, a pressão no interior do espaço aumenta, o que pode causar danos ao olho. Os corticóides são medicamentos que podem reduzir o edema, mas também podem afectar a capacidade do corpo de combater infecções. Não existem indicações claras sobre a utilização ou não de corticóides para tratar a celulite orbitária pré e pós-septal, e existem muitas variações na forma como estas condições são actualmente tratadas. A nossa revisão utilizou a metodologia standard para identificar estudos que incluiram doentes para receber corticóides ou outro tratamento utilizando um método aleatório, e depois comparou os resultados obtidos.
Quais são os principais resultados da revisão?
Encontrámos um estudo que comparou a utilização de apenas antibióticos com a utilização de antibióticos e corticóides para tratar a celulite orbitária pré e pós-septal.
O estudo incluiu 21 pessoas, 7 que receberam apenas antibióticos e 14 que receberam antibióticos e corticóides. O estudo incluiu pessoas com 10 anos ou mais, mas não se debruçou sobre possíveis diferenças de resultados entre as crianças e os adultos sob corticóides. O estudo concluiu que as pessoas que recebiam corticóides e antibióticos em conjunto precisavam de antibióticos durante menos tempo e tinham melhorado os sintomas mais cedo do que o grupo que recebeu apenas antibióticos. Não houve diferença no tempo de hospitalização entre as pessoas que recebiam corticóides e antibióticos e as que recebiam apenas antibióticos. No entanto, como existe apenas um pequeno estudo sobre este tópico, é difícil dizer se todos os doentes com celulite orbitária pré e pós-septal devem receber corticóides com antibióticos; é necessária mais investigação antes de se poderem emitir recomendações.
Quão atualizada está esta revisão?
Procurámos estudos publicados até 2 de Março de 2020.
Não existe evidência suficiente para concluir sobre o uso de corticóides no tratamento da celulite orbitátria pré e pós-septal. Uma vez que existe uma variação significativa na forma como os corticóides são utilizados na prática clínica, são necessários dados adicionais de alta qualidade provenientes de ensaios clínicos controlados e aleatorizados para suportar a tomada de decisões. Estudos futuros devem explorar os efeitos dos corticóides em crianças e adultos separadamente, e avaliar diferentes doses e esquemas de da terapêutica com corticóides .
A celulite orbitária pré e pós-septal corresponde a infecções do tecido anterior e posterior ao septo orbital, respectivamente, podendo a sua diferenciação constituir um desafio clínico. A celulite orbitária pré-septal também pode progredir para se tornar uma celulite pós-septal.
A celulite orbitária tem uma incidência relativamente elevada em crianças e adultos, e pode apresentar consequências potencialmente graves, incluindo perda de visão, meningite, e morte. As complicações ocorrem em parte devido ao edema inflamatório associado à infecção. Este conduz a uma síndrome compartimental delimitada anatomicamente pelos ossos que constituem a órbita, levando a uma pressão ocular elevada e compressão de vasos sanguíneos e do nervo óptico. Os corticóides são utilizados noutras infecções para reduzir a inflamação e edema, mas podem levar à supressão imunitária e ao consequente agravamento da infecção.
Avaliar a eficácia e segurança dos corticóides como terapêutica adjuvante na celulite orbitária pré e pós septal, de forma separada em crianças e adultos.
Foi efectuada uma pesquisa Pesquisámos o Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL) (incluindo o Cochrane Eyes and Vision Trials Register)) (2020, Número 3); Ovid MEDLINE; Embase.com; PubMed; Latin American and Caribbean Health Sciences Literature Database (LILACS); ClinicalTrials.gov, e a International Clinical Trials Registry Platform (ICTRP) da Organização Mundial de Saúde (OMS). Não aplicámos qualquer restrição de data ou língua da pesquisa electrónica de ensaios clínicos. Pesquisámos nas bases de dados até 2 de Março 2020.
Incluímos estudos de participantes diagnosticados com celulite orbitária pré e pós-septal. Excluímos estudos que se centravam exclusivamente nos participantes que se submetiam a cirurgia endoscópica electiva, incluindo a gestão de pós-operatório de infecções, bem como estudos realizados exclusivamente em doentes com diagnóstico de trauma. Ensaios clínicos aleatorizados e quasi-aleatorizados foram elegíveis para inclusão. Qualquer estudo que contemplasse administração com corticóides era elegível independentemente do tipo de corticóide, via de administração, duração da terapia, ou tempo de tratamento. Os comparadores poderiam incluir placebo, outro corticóide, ausência de tratamento (controlo), ou outra intervenção.
Seguimos a metodologia padrão recomendada pela Cochrane para realizar revisões sistemáticas.
A pesquisa originou 7998 estudos, dos quais 13 foram selecionados para uma triagem de texto integral. Foi identificado um ensaio clínico para inclusão. Não foram identificados quaisquer outros ensaios clínicos elegíveis em curso ou concluídos. O estudo incluído comparou a utilização de corticóides para além de antibióticos com a utilização exclusiva de antibióticos para o tratamento da celulite orbital. O estudo incluiu um total de 21 participantes com 10 anos ou mais, dos quais 14 participantes foram aleatorizados para corticóides e antibióticos e 7 participantes apenas para antibióticos. Os participantes aleatorizados para receber corticóides e antibióticos receberam corticóides adjuntos após uma resposta antibiótica inicial (média 5,13 dias), com uma dose inicial de 1,5 mg/kg durante três dias, seguida de 1 mg/kg durante mais três dias antes de iniciarem desmame durante um período de uma a duas semanas.
Avaliámos o estudo incluído como tendo um risco pouco claro de viés para a ocultação da alocação, ocultação, selectiva de resultados, e outras fontes de enviesamento. O risco de viés da geração de sequência de alocação e de dados incompletos dos resultados era baixo.
A certeza da evidência para todos os resultados foi muito baixa, sobretudo considerando o risco de parcialidade (-1) e de imprecisão (-2). A duração da estadia hospitalar foi comparada entre o grupo que recebeu apenas antibióticos e o grupo que recebeu antibióticos e corticóides (diferença média (4.30, intervalo de confiança (IC) a 95%, -0.48 a 9.08; 21 participantes) Não houve diferença observada na duração dos antibióticos entre os grupos de tratamento (diferença média 3,00, 95% IC -0,48 a 6,48; 21 participantes). Igualmente, foi também avaliada a preservação da acuidade visual às 12 semanas de seguimento entre grupos (risk ratio 1,00, 95% IC 0,82 a 1,22; 21 participantes). Os resultados relacionados com dor foram comparados entre os grupos no dia 3 (diferença média -0,20, 95% IC -1,02 a 0,62; 22 olhos) juntamente com a necessidade de intervenção cirúrgica (risk ratio 1,00, 95% IC 0,11 a 9,23; 21 participantes). A queratopatia de exposição foi relatada em cinco participantes que receberam corticóides e antibióticos e três participantes que receberam apenas antibióticos (risk ratio 1,20, 95% IC 0,40 a 3,63; 21 participantes). Não foram observadas complicações importantes da celulite orbitária, nem na intervenção nem no grupo de controlo. Não foram reportados efeitos adversos de corticóides, apesar de não ser claro quais os tipos de efeitos adversos avaliados.
Traduzido por: Traduzido por: Inês Leal, Serviço de Oftalmologia, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte. Revisão final: Knowledge Translation Team, Cochrane Portugal.