O resultado da infeção ocular pós-operatória grave é melhorado com uma cirurgia precoce para remover o gel vítreo?

O que é a endoftalmite exógena?
O olho é um órgão relativamente isolado revestido por células sensíveis à luz que compõem a retina. A retina reveste a parte de trás do globo ocular, cujo centro é preenchido com um gel transparente chamado vítreo. Como todos os órgãos, o olho pode ficar infetado. A infeção no interior do olho (endoftalmite) é rara, mas pode pôr em risco a visão. A endoftalmite exógena é definida como uma infeção que entra no olho a partir do ambiente circundante, geralmente após uma cirurgia de rotina como a cirurgia de catarata, ou devido a uma ferida aberta após um trauma. É necessário um tratamento rápido para proteger a visão.

Como é tratada a endoftalmite exógena?
Embora a endoftalmite seja rara, as consequências desta infeção podem ser devastadoras. O tratamento rápido e adequado é fundamental. Atualmente, a maioria das endoftalmites envolve uma biópsia diagnóstica do gel vítreo e, em seguida, tratamento com antibióticos. A biópsia consiste numa "punção" em que é retirada uma pequena amostra do gel vítreo, para identificar o tipo de infeção. Depois, antibióticos serão injetados no fluido dentro do globo ocular para tratar a infeção. Caso isto não funcione, pode ser necessário realizar uma cirurgia ocular mais tarde, onde o gel infetado dentro do globo ocular é removido (conhecido como uma cirurgia de "vitrectomia"). A vitrectomia consiste na remoção cirúrgica do gel vítreo do interior do olho. Em indivíduos com endoftalmite, a vitrectomia pode ajudar a remover a infeção, ajudar o olho a recuperar mais rapidamente e potencialmente limitar os danos causados pela infeção. No entanto, o impacto da vitrectomia no tratamento da endoftalmite permanece pouco claro.

O que pretendíamos descobrir?
O objetivo desta revisão Cochrane foi avaliar o papel da vitrectomia no tratamento da endoftalmite.

O que fizemos?
Realizámos uma revisão sistemática de estudos com pessoas com endoftalmite que foram submetidas a vitrectomia para o tratamento da endoftalmite após cirurgia ou trauma ocular. 

O que descobrimos?
Identificámos um ensaio clínico aleatorizado que investigou a vitrectomia comparada com injeções de antibióticos em olhos com endoftalmite após cirurgia de catarata. O único RCT sugeriu que a vitrectomia não apresenta vantagens em relação ao tratamento padrão com antibióticos intravítreos isolados.

Quais são as limitações desta evidência?
Os resultados da nossa revisão basearam-se num único ensaio clínico aleatorizado, que foi realizado há mais de 27 anos. Desde então, houve vários avanços cirúrgicos que podem potencialmente alterar o resultado de pessoas submetidas à vitrectomia. 

Quão atualizada se encontra esta evidência?
Procurámos estudos até 5 de maio de 2022.

Conclusão dos autores: 

Identificámos um único ensaio clínico aleatorizado (publicado há 27 anos) sobre o papel da vitrectomia precoce na endoftalmite exógena, que sugere que pode não haver diferença entre os grupos (VIT vs TAP) no que toca à acuidade visual aos três ou nove meses de acompanhamento.  

Somos da opinião de que há uma clara necessidade de mais estudos aleatórios que comparem o papel da vitrectomia primária na endoftalmite exógena. Além disso, desde o estudo original do ensaio clínico aleatorizado, houve mudanças incrementais nas técnicas cirúrgicas com as quais a vitrectomia é realizada. Tais avanços provavelmente influenciarão o resultado da vitrectomia precoce na endoftalmite exógena.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

A endoftalmite é uma emergência que põe em risco a visão e que requer um diagnóstico e tratamento imediatos. A doença caracteriza-se por uma inflamação purulenta dos fluidos intraoculares causada por um agente infecioso. Na endoftalmite exógena, o agente infecioso é exógeno e tipicamente é introduzido no olho por meio de cirurgia intraocular ou trauma ocular penetrante.

Objetivos: 

Avaliar o papel potencial da vitrectomia via pars plana combinada com antibióticos intravítreos no tratamento agudo da endoftalmite exógena, em comparação com o tratamento standard, definido como biópsia vítrea e antibióticos intravítreos.

Métodos de busca: 

Pesquisámos o Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL; que contém o Cochrane Eyes and Vision Trials Register; 2022, Issue 5); Ovid MEDLINE; Ovid Embase; o registo International Standard Randomised Controlled Trial Number; ClinicalTrials.gov, e a World Health Organization International Clinical Trials Registry Platform. Não foram impostas restrições quanto à língua ou ao ano de publicação. A data da pesquisa foi 5 de maio de 2022.

Critério de seleção: 

Incluímos ensaios clínicos aleatorizados (RCTs) que compararam a vitrectomia via pars plana e a injeção intravítrea de antibióticos versus a injeção intravítrea de antibióticos isolada, para o tratamento imediato da endoftalmite exógena.

Coleta dos dados e análises: 

Utilizámos os métodos padrão esperados pela Cochrane. Dois autores da revisão, trabalhando de forma independente, selecionaram os estudos e extraíram os dados. Considerámos os seguintes desfechos: melhoria na acuidade visual e mudança na acuidade visual aos três e seis meses; procedimentos cirúrgicos adicionais, incluindo vitrectomia e cirurgia de catarata, a qualquer momento durante o acompanhamento; qualidade de vida e efeitos adversos. Avaliámos o grau de confiança na evidência usando a abordagem GRADE. 

Principais resultados: 

Identificámos um único ensaio clínico aleatorizado que preenchia os nossos critérios de inclusão. O ensaio clínico aleatorizado incluído englobou um total de 420 participantes com evidência clínica de endoftalmite, até seis semanas após cirurgia de catarata ou implantação secundária de lente intraocular. Os participantes foram aleatoriamente repartidos de acordo com um desenho fatorial 2 x 2 para tratamento com vitrectomia (VIT) ou biópsia por punção vítrea (TAP) e para tratamento com ou sem antibióticos sistémicos. Vinte e quatro participantes não tiveram um acompanhamento final: 12 faleceram, cinco retiraram o consentimento de acompanhamento, e sete não estiveram dispostos a retornar à consulta. 

O estudo não reportou a acuidade visual de acordo com os resultados predefinidos pela revisão. Aos três meses, 41% de todos os participantes obtiveram uma acuidade visual de 20/40 ou superior, e 69% obtiveram uma acuidade de 20/100 ou superior. Os autores do estudo relataram que não houve diferença estatisticamente significativa na acuidade visual entre os grupos de tratamento (evidência de muito baixa certeza). Houve evidência de baixa certeza de uma necessidade semelhante para procedimentos cirúrgicos adicionais (risco relativo RR 0,90, intervalo de confiança a 95% de 0,66 a 1,21). Os efeitos adversos incluíram: Grupo VIT: subluxação da lente intraocular (n = 2), enfarte macular (n = 1). Grupo TAP: hemorragia expulsiva (n = 1). A qualidade de vida e a alteração média da acuidade visual não foram relatadas. 

Notas de tradução: 

Traduzido por: Afonso Lima-Cabrita, Serviço de Oftalmologia, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte. Revisão final: Ricardo Manuel Delgado, Knowledge Translation Team, Cochrane Portugal.

Tools
Information