Intervenções em cuidados primários e comunitários para a prevenção de perturbações mentais e para a promoção do bem-estar em países de baixo e médio rendimento

Qual é o principal objetivo desta revisão?
O objetivo desta Revisão Cochrane foi avaliar os efeitos do envolvimento de pessoas dos serviços de cuidados primários e da comunidade, tais como enfermeiros, parteiras, professores ou prestadores de cuidados, para promover a saúde mental. A revisão centrou-se em crianças e adultos que vivem em países de baixo e médio rendimentos.

Mensagens-chave

O recurso ao emprego de trabalhadores em cuidados primários e comunitários pode melhorar a saúde mental de adultos e crianças que vivem em países de baixo e médio rendimento. No entanto, é necessária mais evidência.

O que foi estudado nesta revisão?
Muitas pessoas que poderiam beneficiar de apoio no domínio da saúde mental não têm acesso a estes serviços. Uma das razões para este facto é a falta de pessoal especializado em cuidados de saúde mental. Isto é especialmente verdade nos países de baixo e médio rendimento. Para ultrapassar esta barreira, pessoas sem formação profissional no domínio da saúde mental, como enfermeiros ou professores, podem ser treinadas para prestar alguns serviços de saúde mental. Nesta revisão, investigámos se esta estratégia ajuda a promover a saúde mental e prevenir transtornos mentais entre adultos e crianças. Avaliámos também os seus custos.

Quais são os principais resultados desta revisão?

Incluímos 113 estudos de vários países de baixo e médio rendimento.

Os estudos avaliaram os efeitos dos serviços prestados por trabalhadores em cuidados primários e comunitários sobre a saúde mental, a qualidade de vida e os resultados sociais das pessoas.

Agrupámos as intervenções em função dos seus objetivos gerais. Especificamente, referimo-nos às que se destinam a toda a população como "promoção/prevenção universal", às que se destinam a pessoas em risco de desenvolver uma perturbação mental como "prevenção seletiva" e às que se destinam a pessoas que já apresentam alguns sinais de perturbações mentais como "prevenção indicada". Abaixo reportamos a evidência dos resultados de baixa a moderada certeza, diretamente após a intervenção. Não apresentámos resultados para os quais não havia evidência ou a evidência era muito incerta.

Intervenções de promoção/prevenção universal, em comparação com os cuidados habituais:

- provavelmente reduziu ligeiramente os sintomas de ansiedade nos adultos

- pode reduzir ligeiramente os sintomas de angústia/PSPT em adultos

- pode melhorar a qualidade de vida das crianças

- pode reduzir os acontecimentos adversos nas crianças

- pode reduzir ligeiramente os sintomas de depressão nas crianças

- pode reduzir ligeiramente os sintomas de ansiedade nas crianças

Intervenções de prevenção seletiva, em comparação com os cuidados habituais:

- provavelmente reduziu ligeiramente os sintomas depressivos nos adultos

- pode reduzir ligeiramente a incapacidade funcional nas crianças

- provavelmente reduziu ligeiramente os sintomas depressivos nas crianças

- pode reduzir ligeiramente os sintomas de ansiedade nas crianças

- provavelmente reduziu ligeiramente os sintomas de angústia/PSPT nas crianças

Intervenções de prevenção indicadas, em comparação com os cuidados habituais:

- pode reduzir os acontecimentos adversos em adultos

- provavelmente reduziu ligeiramente a incapacidade funcional nos adultos

- diminuição ligeira da incapacidade funcional das crianças

- diminuição ligeira dos sintomas depressivos nas crianças

- pode reduzir ligeiramente os sintomas de angústia/PSPT em crianças

As intervenções de prevenção indicadas, efetuadas através da transferência de tarefas, podem melhorar os resultados em termos de saúde mental.

Quais são as limitações da evidência?

As limitações da evidência desta revisão resultam da ausência de avaliações relacionadas com a redução da incidência de perturbações mentais nos estudos de prevenção e da falta de diferenças discerníveis em termos de aceitabilidade. Além disso, o número limitado de ensaios controlados aleatorizados e controlados que relatam os nossos resultados secundários, e a sua baixa qualidade, não conseguiram demonstrar efeitos vantajosos clinicamente significativos das intervenções de prevenção estudadas para alguns resultados, tanto na população infantil como na adulta.

Quão atualizada se encontra esta revisão?

Os autores da revisão pesquisaram bases de dados até fevereiro de 2021 para localizar e incluir todos os ensaios relevantes publicados e não-publicados.

Conclusões dos autores: 

A evidência indica que as intervenções de prevenção efetuadas por trabalhadores em cuidados primários - uma forma de transferência de tarefas - podem melhorar os resultados em termos de saúde mental. O grau de certeza da evidência foi influenciado pelo risco de viés e por níveis substanciais de heterogeneidade. Uma rede de apoio de infraestruturas e investigação melhoraria e reforçaria esta modalidade de prestação de serviços nos países de baixo e médio rendimentos.

Leia o resumo na íntegra...
Contexto: 

Existe uma lacuna de investigação significativa no domínio das intervenções de prevenção universais, seletivas e indicadas para a promoção da saúde mental e para a prevenção das perturbações mentais. Os obstáculos para colmatar o défice de investigação incluem a escassez de recursos humanos qualificados, grandes desigualdades na distribuição e utilização dos recursos e o estigma.

Objetivos: 

Avaliar a eficácia da prestação de intervenções, pelos trabalhadores de cuidados primários, para a promoção da saúde mental, para a prevenção universal, e para a prevenção seletiva e indicada de perturbações mentais ou sintomas de doença mental, em países de baixo e médio rendimento (PBMR). Examinar o impacto da intervenção efetuada pelos trabalhadores primários na utilização de recursos e nos custos.

Métodos de pesquisa: 

Pesquisámos na CENTRAL, MEDLINE, Embase, CINAHL, Global Index Medicus, PsycInfo, WHO ICTRP e ClinicalTrials.gov desde o seu início até 29 de novembro de 2021.

Critérios de seleção: 

Ensaios controlados aleatorizados (ECAs) de intervenções em cuidados primários e/ou prestadas por agentes comunitários de saúde para promover a saúde mental e/ou prevenir perturbações mentais versus quaisquer condições de controlo em adultos e crianças residentes em países de baixo e médio rendimentos.

Coleção e análise dos dados: 

Foram utilizadas diferenças médias padronizadas (DMP) ou diferenças médias (DM) para resultados contínuos, e rácios de risco (RR) para dados dicotómicos, utilizando um modelo de efeitos aleatórios. Analisámos os dados nos períodos de 0 a 1, 1 a 6 e 7 a 24 meses após a intervenção. Para DMPs, 0,20 a 0,49 representaram efeitos clínicos pequenos, 0,50 a 0,79 moderados e ≥ 0,80 grandes. Avaliámos o risco de viés (RV) utilizando o Cochrane RoB2.

Principais resultados: 

Descrição dos estudos

Identificámos 113 estudos com 32.992 participantes (97 ECAs, 19.570 participantes em meta-análises) para inclusão. Dezanove ECAs foram realizados em países de baixo rendimento, 27 em países de rendimento médio-baixo, 2 em países de rendimento médio, 58 em países de rendimento médio-alto e 7 em contextos mistos. Oitenta e três ECAs incluíram adultos e 30 ECAs incluíram crianças. Os quadros de trabalhadores de nível primário empregavam trabalhadores de saúde de cuidados primários (38 estudos), trabalhadores comunitários (71 estudos), ambos (2 estudos) e não reportados (2 estudos). As intervenções foram de prevenção/promoção universal em 22 estudos, seletivas em 36 e de prevenção indicada em 55 ECAs.

Risco de viés

As preocupações mais comuns sobre o risco de viés foram o viés de desempenho, o viés de atrito e o viés de relato.

Efeitos da intervenção

"Provavelmente", "pode" ou "incerto" indica um grau de certeza da evidência "moderado", "baixo" ou "muito baixo".

*O grau de certeza da evidência (utilizando o GRADE) foi avaliado entre 0 e 1 mês após a intervenção, conforme especificado no protocolo de revisão. No resumo, não apresentámos resultados para resultados para os quais a evidência era inexistente ou muito incerta.

Adultos

Promoção/prevenção universal, em comparação com os cuidados habituais:

- provavelmente reduziu ligeiramente os sintomas de ansiedade (DM -0,14, intervalo de confiança (IC) de 95% -0,27 a -0,01; 1 ensaio, 158 participantes)

- pode reduzir ligeiramente os sintomas de angústia/PSPT (DMP -0,24, IC 95% -0,41 a -0,08; 4 estudos, 722 participantes)

Prevenção seletiva, em comparação com os cuidados habituais:

- pode reduzir ligeiramente os sintomas depressivos (DMP -0,69, IC 95% -1,08 a -0,30; 4 estudos, 223 participantes)

Prevenção indicada, em comparação com os cuidados habituais:

- pode reduzir os acontecimentos adversos (1 ensaio, 547 participantes)

- pode reduzir ligeiramente as limitações funcionais (DMP -0,12, IC 95% -0,39 a -0,15; 4 estudos, 663 participantes)

Crianças

Promoção/prevenção universal, em comparação com os cuidados habituais:

- pode melhorar a qualidade de vida (DMP -0,25, IC 95% -0,39 a -0,11; 2 ensaios, 803 participantes)

- pode reduzir os acontecimentos adversos (1 ensaio, 694 participantes)

- pode reduzir ligeiramente os sintomas depressivos (DMP -3,04, IC 95% -6 a -0,08; 1 estudos, 160 participantes)

- pode reduzir ligeiramente os sintomas de ansiedade (DMP -2,27, IC 95% -3.13 a -1,41; 1 estudos, 183 participantes)

Prevenção seletiva, em comparação com os cuidados habituais:

- pode reduzir ligeiramente os sintomas depressivos (DMP -0,95, IC 95% -0,16 a -0,15; 2 estudos, 638 participantes)

- pode reduzir ligeiramente os sintomas de ansiedade (DMP -4,50, IC 95% -12.05 a -21,05; 1 estudos, 28 participantes)

- pode reduzir ligeiramente os sintomas de angústia/PSPT (DMP -2,14, IC 95% -3,77 a -0,51; 1 estudos, 159 participantes)

Prevenção indicada, em comparação com os cuidados habituais:

- pode reduzir ligeiramente as limitações funcionais (DMP -0,29, IC 95% -0,47 a -0,10; 2 estudos, 448 participantes)

- pode reduzir ligeiramente os sintomas depressivos (DMP -0.18,95, IC 95% -0,32 a -0,04; 4 estudos, 771 participantes)

- pode reduzir ligeiramente os sintomas de angústia/PSPT (DMP -0,24, IC 95% -1,28 a -1,76; 2 estudos, 448 participantes)

Notas de tradução: 

Traduzido por: Ana Monteiro Fernandes, Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental, Unidade Local de Saúde Santa Maria. Revisão final: Ricardo Manuel Delgado, Knowledge Translation Team, Cochrane Portugal.

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