O impacto da doença remanescente (tumor residual) após a cirurgia no prognóstico de sobrevivência de mulheres com câncer epitelial de ovário avançado

Pergunta da revisão

Nosso objetivo foi avaliar o efeito na sobrevivência (o "impacto prognóstico") na extensão do tumor remanescente após a cirurgia (tumor residual) durante o estágio inicial do tratamento para mulheres com câncer de ovário avançado. Analisamos tanto a cirurgia antes da quimioterapia ('cirurgia de redução primária') seguida pela quimioterapia adjuvante (adicional) quanto a quimioterapia ('quimioterapia neoadjuvante') seguida pela cirurgia ('cirurgia de redução de volume de intervalo'). Esta revisão deve ajudar a determinar o impacto prognóstico do tumor residual após a cirurgia na sobrevivência e elaborar definições aceitáveis de limiares de tumor residual.

Introdução

O câncer de ovário é o sétimo tipo de câncer mais comum em mulheres e uma das principais causas de morte por câncer ginecológico. O câncer de ovário pode se desenvolver a partir de diferentes tipos de células presentes nos ovários/trompas de Falópio. A maioria dos cânceres de ovário são "epiteliais", surgindo na camada superficial do ovário ou no revestimento da trompa de Falópio. O câncer de ovário recém diagnosticado é tratado com uma combinação de cirurgia e quimioterapia, sendo a cirurgia realizada antes (chamada de cirurgia de redução de volume inicial ou primária) ou próximo ao ponto médio da quimioterapia (chamada de cirurgia de redução de volume de intervalo). O câncer de ovário normalmente já se espalhou por toda a cavidade abdominal no momento do diagnóstico, então, diferentemente de muitos outros tipos de câncer, a cirurgia ainda é realizada, mesmo que ela não remova o câncer completamente. O objetivo da cirurgia é remover o máximo possível do tecido tumoral visível (macroscópico), o que é chamado de cirurgia citorredutora ou citorredução. Estudos demonstraram que a quantidade de tumor visível que pode ser removida provavelmente é um fator prognóstico importante para a sobrevivência de mulheres com câncer epitelial de ovário avançado. Sendo assim, o objetivo desta revisão foi investigar o quanto o volume de tumor remanescente (residual) após a cirurgia para câncer de ovário recém diagnosticado prediz quanto tempo as mulheres sobreviverão após um diagnóstico de câncer epitelial de ovário (prognóstico).

Métodos da revisão

Pesquisamos nas bases de dados eletrônicas até o final de agosto de 2021 e também buscamos estudos não publicados. Os estudos que relataram tumor residual como fator prognóstico, e que também examinaram outros fatores prognósticos ao mesmo tempo foram incluídos.

Principais resultados

Foram incluídos 46 estudos (envolvendo 22.376 mulheres em 31 estudos de cirurgia de redução de volume primária e 3.697 mulheres em 15 estudos de cirurgia de redução de volume de intervalo). Cada estudo incluiu mais de 100 mulheres, e realizou ajuste estatístico para fatores prognósticos importantes (análise multivariada). Nossas análises mostraram a importância prognóstica da cirurgia não deixar resíduos tumorais visíveis ('nenhum tumor residual macroscópico') tanto quando as mulheres foram submetidas à cirurgia de redução de volume inicial quanto à cirurgia de redução de volume de intervalo. Tanto a sobrevida global quanto a sobrevida livre de progressão da doença (sobrevivência sem piora da doença, relatada para cirurgia de redução de volume inicial) foram prolongadas se isso fosse alcançado.

Cirurgia de redução de volume primária para câncer de ovário recém-diagnosticado

A remoção cirúrgica completa de todo o tumor visível após a cirurgia de redução de volume inicial ou primária melhorou a sobrevida, e esse também foi o caso daqueles com uma pequena quantidade de tumor residual (0,1 cm a 1 cm). Houve evidência sugerindo que três categorias de tumor residual deveriam ser usadas (nenhum tumor residual macroscópico, tumor residual de pequeno volume e tumor residual de grande volume (mais de 1 cm).

Cirurgia de redução de volume de intervalo para câncer de ovário recém-diagnosticado

Quando a quimioterapia foi administrada antes da cirurgia (cirurgia de redução de volume de intervalo), houve uma associação com a melhora da sobrevida se o tumor residual fosse reduzido a "nenhum tumor residual macroscópico" (remoção de todo o tumor visível). Mulheres com tumor residual de pequeno volume não apresentaram benefício de sobrevivência em comparação àquelas com tumor residual de grande volume, sendo que ambos os grupos apresentaram prognóstico inferior em comparação àquelas sem resíduos tumorais visíveis; no entanto, a evidência apresentou certeza muito baixa. Qualquer tumor residual visível após cirurgia de redução de volume de intervalo foi associado a menor sobrevida em comparação a mulheres que não tinham tumor residual.

A maioria dos estudos de cirurgia de redução de volume de intervalo não incluiu resíduos tumorais visíveis na categoria de tumor residual de pequeno volume, o que limitou a interpretação de nossos achados.

Certeza da evidência

A certeza da evidência foi considerada 'moderada' para sobrevida global e sobrevida livre de progressão da doença nas análises envolvendo estudos de cirurgia de redução de volume primária. Nos estudos de cirurgia de redução de volume de intervalo, a certeza da evidência foi julgada como muito baixa para a sobrevida global em todas as comparações e também nas que envolveram sobrevida livre de progressão. Isso foi devido ao fato de todos os estudos, exceto um, incluírem "nenhum tumor residual macroscópico" na categoria de tumor residual de pequeno volume.

Principais conclusões

As evidências da revisão sugerem que, após a cirurgia de redução primária, três categorias para a extensão do tumor residual devem ser usadas: nenhum tumor residual macroscópico, tumor residual de pequeno volume e tumor residual de grande volume. As evidências são muito limitadas para a cirurgia de redução de volume de intervalo e mais estudos são necessários. Pode não haver diferença na sobrevida entre pacientes com tumor residual de pequeno e grande volume. Até que haja evidência de um benefício na sobrevivência para mulheres com tumor residual de pequeno volume em comparação com tumor residual de grande volume, pode ser útil utilizar apenas duas categorias de tumor residual ao classificar os desfechos cirúrgicos: 'nenhum tumor residual macroscópico' e 'tumor residual macroscópico' (tumor visível remanescente de mais de 0 cm). No entanto, isso se baseia em evidências de certeza muito baixa e estudos adicionais podem alterar esta descoberta.

Conclusão dos autores: 

Em um cenário de cirurgia citorredutora primária, há moderada certeza da evidência de que a quantidade de tumor residual após a cirurgia primária é um fator prognóstico para sobrevida global e livre de progressão em mulheres com câncer de ovário avançado. Separamos nossa análise em três categorias distintas para o desfecho de sobrevida, incluindo tumor residual microscópico, tumor residual de pequeno volume e de grande volume.

Após a cirurgia citorredutora de intervalo, pode haver apenas duas categorias necessárias, embora isso seja baseado em muito baixa certeza da evidência, já que todos os estudos, exceto um, incluíram tumor residual microscópico na categoria de tumor residual de pequeno volume. O estudo que separou tumor residual microscópico de tumor residual de pequeno volume não mostrou melhora no desfecho de sobrevida na categoria tumor residual de pequeno volume, em comparação com tumor residual de grande volume. Outras evidências de baixa certeza também apoiaram a restrição a duas categorias, onde mulheres que tiveram qualquer quantidade de tumor residual macroscópico após cirurgia citorredutora de intervalo tiveram um risco significativamente maior de morte em comparação com mulheres com tumor residual microscópico.

Portanto, as evidência apresentadas nesta revisão não podem concluir que o uso de três categorias se aplicam em um cenário de cirurgia citorredutora de intervalo (muito baixa certeza da evidência), como foi apoiado para a cirurgia citorredutora primária (moderada certeza da evidência).

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

O câncer de ovário é o sétimo câncer mais frequente entre mulheres e uma das principais causas de morte por doenças ginecológicas malignas. O câncer epitelial de ovário é o tipo mais comum, representando cerca de 90% de todos os cânceres de ovário. Esse tipo específico de câncer de ovário surge na camada superficial que cobre o ovário ou no revestimento da trompa de Falópio. A cirurgia é realizada antes da quimioterapia (cirurgia citorredutora inicial ou primária) ou no meio de um ciclo de tratamento com quimioterapia (quimioterapia neoadjuvante e cirurgia citorredutora de intervalo), com o objetivo de remover todo o tumor visível e não deixar nenhum tumor residual macroscópico. O objetivo desta revisão é investigar o impacto prognóstico do tamanho dos tumores residuais em mulheres que realizaram cirurgia citorredutora inicial ou de intervalo para câncer epitelial de ovário avançado (estágio III e IV).

Objetivos: 

Avaliar o impacto prognóstico do tumor residual após cirurgia primária nos desfechos de sobrevivência para câncer de ovário epitelial avançado (estágio III e IV). Em análises separadas, a cirurgia primária incluiu tanto a cirurgia citorredutora inicial primária seguida de quimioterapia adjuvante quanto quimioterapia neoadjuvante seguida de cirurgia citorredutora de intervalo. Cada limiar de tumor residual foi considerado um fator prognóstico independente.

Métodos de busca: 

Pesquisamos nas bases de dados CENTRAL (2021, edição 8), MEDLINE via Ovid (até 30 de agosto de 2021) e Embase via Ovid (até 30 de agosto de 2021).

Critério de seleção: 

Foram incluídos os dados de sobrevivência de estudos com pelo menos 100 mulheres com câncer epitelial de ovário avançado após a cirurgia primária. O tumor residual foi avaliado como fator prognóstico em modelos prognósticos de multivariáveis. Os estudos que relataram menos de 100 mulheres, mulheres com neoplasias concomitantes ou estudos que relataram apenas resultados não ajustados foram excluídos. As mulheres foram incluídas em dois grupos distintos: aquelas que receberam cirurgia citorredutora inicial primária seguido de quimioterapia à base de platina e aquelas que receberam cirurgia citorredutora de intervalo, analisadas separadamente. Os estudos que relataram todos os limiares de tumor residual após a cirurgia foram incluídos. Entretanto, os principais limiares de interesse foram tumor residual microscópico (denominado nenhum tumor residual macroscópico), tumor residual de 0,1 cm a 1 cm (tumor residual de pequeno volume) e tumor residual > 1 cm (tumor residual de grande volume).

Coleta dos dados e análises: 

Dois revisores independentes realizaram a extração dos dados e avaliaram o risco de viés. Sempre que possível, os dados foram sintetizados em meta-análise. Para avaliar a adequação dos fatores de ajuste usados em modelos de multivariáveis de Cox usamos os domínios 'ajuste para outros fatores prognósticos' e 'análise estatística e relato' da ferramenta QUality In Prognosis Studies (QUIPS). A certeza das evidência para cada desfecho das principais comparações foi avaliada através do método GRADE.

As diferenças entre os estágios III e IV da FIGO para diferentes limiares de tumor residual após a cirurgia primária também foram avaliadas. Fatores como idade, grau, duração do acompanhamento, tipo e experiência do cirurgião e tipo de cirurgia foram consideradas na interpretação de qualquer heterogeneidade.

Adicionalmente, foram realizadas análises de sensibilidade que distinguiram entre estudos que incluíram tumor residual microscópico em categorias de tumor residual < 1 cm e aqueles que não o fizeram. Isso foi aplicável a comparações envolvendo tumor residual < 1 cm, com exceção de tumor residual < 1 cm versus tumor residual microscópico. Avaliamos mulheres submetidas a cirurgia citorredutora inicial primária e cirurgia citorredutora de intervalo em análises separadas.

Principais resultados: 

Foram incluídos 46 estudos envolvendo 22.376 mulheres submetidas a cirurgia citorredutora inicial primária e 3.697 submetidas a cirurgia citorredutora de intervalo, todos com níveis variados de tumor residual. Os estudos relataram análises prognósticas multivariáveis, incluindo tumor residual como fator prognóstico, que atenderam aos nossos critérios de inclusão.

Embora tenhamos identificado diferentes faixas de limiares de tumor residual, relatamos principalmente comparações que são o foco de uma área-chave de incerteza clínica (envolvendo tumor residual microscópico, tumor residual de pequeno volume e tumor residual de grande volume). A comparação envolvendo qualquer tumor visível (tumor residual > 0 cm) e tumor residual microscópico também foi importante.

Tumor residual de pequeno volume versus tumor residual microscópico em um cenário de cirurgia citorredutora inicial primária

Nos estudos de cirurgia citorredutora inicial primária, quando aqueles com tumor residual macroscópico foram comparados com tumor residual microscópico, a maioria mostrou um risco aumentado de morte em todos os grupos de tumor residual. Mulheres que tiveram tumor residual de pequeno volume após cirurgia citorredutora inicial primária tiveram mais que o dobro do risco de morte em comparação com mulheres com tumor residual microscópico (hazard ratio (HR) 2,03, intervalo de confiança (IC) de 95% 1,80 a 2,29; I 2 = 50%; 17 estudos; 9.404 participantes; moderada certeza da evidência). A análise da sobrevida livre de progressão identificou que mulheres que tiveram tumor residual de pequeno volume após cirurgia citorredutora primária tiveram quase o dobro do risco de morte em comparação com mulheres com tumor residual microscópico (HR 1,88, IC 95% 1,63 a 2,16; I 2 = 63%; 10 estudos; 6.596 participantes; moderada certeza da evidência).

Tumor residual de grande volume versus tumor residual de pequeno volume em um cenário de cirurgia citorredutora primária

Quando comparamos tumor residual de grande volume versus tumor residual de pequeno volume após a cirurgia, as estimativas foram atenuadas em comparação às análises envolvendo tumor residual microscópico. Todas as análises mostraram um benefício de sobrevida global em mulheres que tiveram tumor residual < 1 cm após a cirurgia (HR 1,22, IC 95% 1,13 a 1,32; I 2 = 0%; 5 estudos; 6.000 participantes; moderada certeza da evidência). Os resultados foram robustos para análises de sobrevida livre de progressão.

Tumor residual de pequeno volume e tumor residual de grande volume versus tumor residual microscópico em um cenário de cirurgia citorredutora de intervalo

O único estudo que definiu as categorias como tumor residual microscópico, tumor residual de pequeno volume e tumor residual de grande volume mostrou que mulheres que tinham tumor residual de pequeno e de grande volume após cirurgia citorredutora de intervalo tinham mais que o dobro do risco de morte em comparação com mulheres que tinham tumor residual microscópico (HR 2,09, IC de 95% 1,20 a 3,66; 310 participantes; I 2 = 56%, e HR 2,23, IC de 95% 1,49 a 3,34; 343 participantes; I 2 = 35%; muito baixa certeza da evidência, para tumor residual de pequeno volume versus tumor residual microscópico e tumor residual de grande volume versus tumor residual microscópico, respectivamente).

Tumor residual de grande volume versus tumor residual de pequeno volume + tumor residual microscópico em um cenário de cirurgia citorredutora de intervalo

A meta-análise indicou que mulheres com tumor residual de grande volume tinham um risco maior de morte e progressão da doença em comparação com mulheres com tumor residual de pequeno volume ou microscópico (HR 1,60, IC de 95% 1,21 a 2,11; 6 estudos; 1.572 participantes; I 2 = 58% para sobrevida global e HR 1,76, IC de 95% 1,23 a 2,52; 1.145 participantes; I 2 = 60% para sobrevida livre de progressão; muito baixa certeza da evidência). Entretanto, esse resultado é enviesado, pois em todos os estudos, exceto um, não foi possível distinguir tumor residual microscópico dentro dos limiares < 1 cm. Apenas um estudo separou tumor residual microscópico de tumor residual de pequeno volume; todos os outros incluíram tumor residual microscópico no grupo de tumor residual de pequeno volume, o que pode criar viés ao comparar com tumor residual de grande volume, tornando a interpretação desafiadora.

Tumor residual macroscópico versus tumor residual microscópico em um cenário de cirurgia citorredutora de intervalo

Mulheres que tiveram qualquer quantidade de tumor residual macroscópico após cirurgia citorredutora de intervalo tiveram mais que o dobro do risco de morte em comparação com mulheres com tumor residual microscópico (HR 2,11, IC 95% 1,35 a 3,29, I 2 = 81%; 906 participantes; muito baixa certeza da evidência).

Notas de tradução: 

Tradução do Cochrane Brazil (Aléxia Gabriela da Silva Vieira). Contato: tradutores.cochrane.br@gmail.com

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