Existem fortes evidências, provenientes dos resultados de três grandes ensaios clínicos randomizados conduzidos na Africa, de que a circuncisão masculina previne a contaminação por HIV de homens heterossexuais da população geral. São necessários mais estudos locais para avaliar se a implementação dessa intervenção seria viável, apropriada e economicamente efetiva dentro de diferentes contextos locais.
Existem fortes evidências de que a circuncisão masculina médica reduz em 38% até 66% a contaminação por HIV ao longo de 24 meses, em homens heterossexuais. A incidência de eventos adversos é muito baixa, o que indica que a circuncisão masculina é um procedimento seguro quando realizado nessas condições. Justifica-se a inclusão da circuncisão masculina nas diretrizes atuais de prevenção do HIV. São necessários mais estudos para avaliar a viabilidade, aceitabilidade e o custo-efetividade de implementar esta intervenção dentro de contextos locais.
A circuncisão masculina é definida como a remoção cirúrgica de todo ou parte do prepúcio do pênis. Pode ser praticada como parte de um ritual religioso, como um procedimento médico ou como parte de um rito de passagem como iniciação para a masculinidade adulta. Desde os anos 1980, mais de 30 estudos observacionais vem sugerindo que a circuncisão masculina teria um papel preventivo na transmissão do HIV em homens heterossexuais. Em 2002, três ensaios clínicos randomizados foram realizados na Africa para avaliar a eficácia da circuncisão masculina na prevenção da contaminação de homens pelo HIV. Esta revisão avaliou os resultados desses ensaios clínicos que avaliaram a efetividade e segurança da circuncisão masculina na prevenção da contaminação de homens heterossexuais pelo HIV.
Avaliar as evidências sobre os efeitos da circuncisão masculina na prevenção da contaminação de homens pelos vírus HIV-1 e HIV-2 através de relação heterossexual.
Foi criada uma estratégia de busca abrangente e exaustiva para tentar identificar todos os estudos relevantes, independentemente do idioma ou status de publicação (publicados, não publicados, em vias de publicação e em andamento). Em 2007 rodamos a busca nas seguintes bases de dados eletrônicas: MEDLINE, EMBASE e CENTRAL. A busca também foi realizada nas bases eletrônicas de conferências NLM Gateway and AIDSearch e nas plataformas de registro de ensaios clínicos ClinicalTrials.gov e Current Controlled Trials. Entramos em contato com pesquisadores e com organizações relevantes e analisamos as referências nas listas bibliográficas de todos os estudos incluídos.
Ensaios clínicos randomizados controlados sobre circuncisão masculina versus não fazer circuncisão, em homens heterossexuais HIV-negativos, que tivessem como desfecho primário a incidência de HIV.
Dois revisores avaliaram de forma independente a elegibilidade dos estudos, fizeram a extração dos dados e avaliaram a qualidade metodológica dos estudos. A extração dos dados e a qualidade metodológica dos estudos foram verificadas por um terceiro revisor que também resolveu eventuais discordâncias entre os revisores. Os dados foram considerados clinicamente homogêneos o que levou à realização de meta-análises e análises de sensibilidade.
Entre 2002 e 2006, foram realizados três grandes ensaios clínicos com homens da população geral na Africa do Sul (N=3274), Uganda (N=4996) e Quênia (N= 2784). Combinamos os dados dos três estudos sobre sobrevida com 12, 21 ou 24 meses, produzindo meta-análises com efeito randômico. A razão de risco de incidência (incidence risk ratio- IRR) aos 12 meses foi de 0,50 com intervalo de confiança de 95% (IC95%) de 0,34 até 0,72. Com 21 meses e 24 meses, a IRR foi de 0,46 (IC 95% 0,34 até 0,62). Estas IRR podem ser interpretadas como sendo uma redução de 50% do risco relativo de contrair HIV, 12 meses depois de realizar a circuncisão e de 54%, com 21 ou 24 meses após a cirurgia. Foi observada pouca heterogeneidade estatística entre os resultados dos ensaios clínicos (χ² = 0.60; df = 2; p = 0.74 and χ² = 0.31; df = 2; p = 0.86) e o grau de heterogeneidade de ambas as análises foi I2 = 0%. Investigamos a sensibilidade dos IRRs calculados e fizemos meta-análises dos IRRs relatados, dos IRRs por protocolo relatados e da análise por intenção de tratar completa relatada pelos autores. Os resultados não diferiram muito daqueles obtidos através das meta-análises dos casos, sendo que a circuncisão teve um efeito protetor significativo em todas as análises. Fizemos uma meta-análise dos desfechos secundários medindo o comportamento sexual dos participantes dos estudos do Quênia e Uganda e não encontramos diferenças entre os homens com ou sem circuncisão. No estudo da Africa do Sul, o número médio de contatos sexuais no retorno de 12 meses foi 5,9 no grupo dos homens com circuncisão versus 5 no grupo controle, uma diferença estatisticamente significativa (p< 0,001). Esta diferença continuou estatisticamente significativa no retorno de 21 meses (7,5 versus 6,4; p = 0,0015). Não foram identificadas outras diferenças significativas. A incidência de eventos adversos após a cirurgia de circuncisão foi baixa nos três estudos. Os três estudos tiveram uma qualidade metodológica variável. Porém, em geral, a possibilidade de existir vieses capazes de afetar os resultados dos estudos foi considerada pequena a moderada, devido aos grandes tamanhos amostrais dos estudos, a distribuição equilibrada de fatores de confusão entre os grupos randomizados e ao uso de regras estatísticas aceitáveis para interrupção precoce dos estudos.