O fígado produz a bile, que tem muitas funções, incluindo a eliminação dos resíduos processados pelo fígado e a digestão das gorduras. A bile fica temporariamente armazenada na vesícula biliar (um órgão situado abaixo do fígado) antes de ser lançada para dentro do intestino delgado. Pedras que se formam dentro da vesícula biliar são chamadas de cálculos biliares. Cerca de 10% até 15% dos adultos que vivem nos países ocidentais têm cálculos biliares. A cada ano, entre 1% a 4% das pessoas com cálculos biliares se queixam de sintomas devido a esse problema. Os sintomas incluem dor (cólica biliar), inflamação da vesícula biliar (colecistite) e infecção biliar (colangite). Além disso, a pessoa pode desenvolver icterícia (coloração amarelada do corpo, geralmente mais visível no branco do olho) devido à obstrução do fluxo da bile entre o fígado e a vesícula biliar até o intestino delgado. Os cálculos biliares também podem levar à pancreatite, que é a inflamação do pâncreas, um órgão que secreta sucos digestivos e onde ficam as células que produzem insulina que mantém o nível de açúcar no sangue. A remoção da vesícula biliar (colecistectomia) é atualmente considerada a melhor opção de tratamento para as pessoas com cálculos biliares sintomáticos. Isto é feito geralmente através da colecistectomia laparoscópica, uma técnica cirúrgica feita por um pequeno orifício na barriga (“buraco da fechadura”). A colecistite (inflamação da vesícula biliar) é uma das indicações para colecistectomia laparoscópica. Ela pode aparecer de repente, com sintomas como febre mais dor intensa na parte superior direita da barriga. Isto é chamado colecistite aguda. Em contraste, a colecistite crônica é uma inflamação latente da vesícula biliar que se apresenta com dor menos intensa na parte superior direita da barriga. Por muitos anos, os cirurgiões têm preferido realizar a colecistectomia laparoscópica somente depois da inflamação desaparecer completamente (o que normalmente leva cerca de seis semanas). Assim, eles evitariam correr o risco de algumas complicações, incluindo o da cirurgia danificar o ducto biliar (um tubo que leva a bile da vesícula biliar até o intestino delgado). O dano ao ducto biliar é um problema que coloca em risco a vida do paciente e exige uma operação corretiva urgente na maioria dos casos. Mesmo depois dessa cirurgia corretiva, é comum as pessoas ficaram com uma má qualidade de vida durante vários anos após a operação devido aos surtos repetidos de infecção biliar causados pela obstrução do fluxo da bile para o intestino delgado. Outra razão que leva os cirurgiões a adiar a laparoscopia precoce é para evitar ter que abandonar a cirurgia laparoscópica no meio (conversão) e passar para uma laparotomia, que consiste em abrir a barriga com um grande corte. Acredita-se que fazer a cirurgia laparoscópica muito cedo aumentaria o risco do cirurgião ter que fazer essa conversão para a laparotomia. Por outro lado, adiar a cirurgia laparoscópica expõe as pessoas ao risco de complicações decorrentes dos cálculos biliares. O objetivo da nossa revisão foi avaliar se é preferível realizar a colecistectomia laparoscópica precocemente (nos primeiros sete dias quando as pessoas procuram os médicos com sintomas) ou mais tardiamente (mais de seis semanas após a avaliação inicial pelos médicos). Fizemos uma busca sistemática da literatura médica para identificar estudos que fornecessem informações sobre a pergunta acima. Procuramos apenas por ensaios clínicos randomizados pois esses estudos, se forem bem feitos, fornecem a melhor informação possível para responder ao nosso tipo de pergunta. Dois autores, trabalhando de forma independente, selecionaram os estudos e colheram os dados relevantes.
Identificamos seis estudos com informações sobre a questão da revisão. Esses estudos incluíram 488 pessoas com colecistite aguda. Um total de 244 pessoas fizeram colecistectomia laparoscópica precoce (nos primeiros sete dias depois que procuraram o médico com sintomas) e 244 pessoas fizeram colecistectomia laparoscópica tardia (pelo menos seis semanas depois da consulta inicial). A proporção de mulheres nos estudos variou entre 43,3% e 80%. A idade média dos participantes variou entre 40 e 60 anos. Todos os estudos tinham alto risco de viés. Portanto, eles podem ter superestimado os benefícios ou subestimado os danos, tanto da colecistectomia laparoscópica precoce quanto da colecistectomia laparoscópica tardia. Todas as pessoas incluídas nos estudos tiveram alta vivas após a operação, nos cinco estudos que forneceram essa informação. Não houve diferença significativa entre os dois grupos na proporção de pessoas que desenvolveram lesão do ducto biliar, complicações cirúrgicas, ou que necessitaram passar da cirurgia laparoscópica para cirurgia aberta. Nenhum dos estudos avaliou a qualidade de vida dos participantes incluídos desde que eles entraram nas pesquisas. A duração da internação foi quatro dias menor no grupo que realizou a cirurgia precocemente. A duração da cirurgia foi semelhante entre os dois grupos. Apenas um estudo avaliou quanto tempo depois da cirurgia as pessoas empregadas voltaram ao trabalho. As pessoas que fizeram colecistectomia laparoscópica precoce voltaram a trabalhar, em media, 11 dias mais cedo que aquelas que fizeram colecistectomia laparoscópica tardia. Quatro estudos não apresentaram quaisquer complicações relacionadas com o cálculo biliar durante o período de espera. Um estudo relatou cinco complicações relacionadas com o cálculo biliar, incluindo duas pessoas com colangite. Não houve relatos de pancreatite durante o tempo de espera. Os outros estudos não relataram nada sobre morbidade relacionada ao cálculo biliar. Cerca de um sexto das pessoas pertencentes ao grupo da colecistectomia tardia tiveram persistência ou recorrência dos sintomas enquanto aguardavam pelo dia da sua operação e tiveram que passar por colecistectomia laparoscópica de emergência em cinco estudos. Com base em informações de vários participantes em vários estudos com alto risco de viés, parece que a colecistectomia laparoscópica precoce realizada quando a pessoa está com colecistite aguda, é segura e reduz o tempo total de internação. Como a maioria dos resultados adversos importantes foram raros, não se pode descartar a possibilidade que estudos futuros possam mostrar que um tipo de cirurgia seja melhor do que a outra, em termos de complicações. No entanto, para poder identificar essas diferenças seria necessário fazer um estudo clínico com mais de 50.000 pessoas. Por isso, é improvável que esse tipo de estudo venha a ser feito. Vários ensaios clínicos randomizados menores, combinados em metanálises, podem responder à essas perguntas.
Não encontramos nenhuma diferença significativa entre a CL precoce versus tardia para nossos desfechos primários. Porém, estudos com alto risco de viés indicam que a CL precoce durante a colecistite aguda parece segura e pode encurtar o tempo total de internação. Como a maioria dos desfechos adversos importantes foram raros, os intervalos de confiança são grandes. É pouco provável que estudos clínicos randomizados futuros tenham poder suficiente para detectar diferenças nas taxas de lesão do ducto biliar e outras complicações graves. Para identificar essas diferenças, seria necessário um ECR com mais de 50.000 pessoas. Porém, metanálises com vários ECRs menores podem responder à essas perguntas.
Cerca de 10% até 15% dos adultos que vivem nos países ocidentais têm cálculos biliares. Entre 1% e 4% destes adultos tornam-se sintomáticos em um ano (a maioria devido à cólica biliar, mas uma proporção significativa devido à colecistite aguda). A colecistectomia laparoscópica (CL) para colecistite aguda é realizada principalmente após a estabilização do episódio de colecistite aguda, devido ao medo de maior morbidade e da necessidade de converter a colecistectomia laparoscópica em cirurgia aberta. No entanto, adiar a cirurgia expõe os pacientes a complicações relacionadas com os cálculos biliares.
O objetivo desta revisão sistemática foi comparar os benefícios e malefícios da colecistectomia laparoscópica precoce (nos primeiros sete dias do quadro clínico de colecistite aguda) versus colecistectomia laparoscópica tardia (mais de seis semanas após o diagnóstico da colecistite aguda).
Pesquisamos as seguintes bases de dados, até 12 de julho de 2012: Cochrane Hepato-Biliary Group Controlled Trials Register e Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL) na The Cochrane Library, MEDLINE, EMBASE, Science Citation Index Expanded, e World Health Organization International Clinical Trials Registry Platform.
Incluímos todos os ensaios clínicos randomizados (ECR) comparando CL precoce versus CL tardia em participantes com colecistite aguda.
Usamos os métodos e procedimentos padrão da Colaboração Cochrane.
Identificamos sete estudos que preencheram os critérios de inclusão. Seis desses estudos forneceram dados para as metanálises. Esses seis estudos randomizaram um total de 488 participantes com colecistite aguda e aptos a realizarem CL em dois grupos: 244 para fazer CL precoce e 244 para fazer CL tardia. Todos estudos tinham alto risco de viés porque não houve cegamento. Exceto pelo cegamento, três dos seis estudos tinham baixo risco de viés para os outros domínios, como a geração de sequência de randomização, ocultação da alocação, dados de resultados incompletos e relato seletivo dos desfechos. A proporção de mulheres nos estudos variou entre 43,3% e 80%. A idade média dos participantes variou entre 40 e 60 anos. Os cinco estudos que avaliaram esse desfecho não relataram nenhum caso de morte. Não houve diferença significativa na proporção de pessoas que desenvolveram lesão do ducto biliar nos dois grupos: CL precoce 1/219 (proporção ajustada de 0,4%) versus CL tardia 2/219 (0,9%), razão de chances de Peto (Peto OR) 0,49; intervalo de confiança (IC) de 95% 0,05 até 4,72, 5 estudos. Não houve diferença significativa para outras complicações graves entre os dois grupos: CL precoce 14/219 (proporção ajustada 6,5%) versus CL tardia 11/219 (5,0%), risco relativo (RR) 1,29, IC 95% 0,61 a 2,72, 5 estudos. Nenhum dos estudos avaliou a qualidade de vida dos participantes incluídos desde que eles entraram nas pesquisas. Não houve diferença significativa entre os dois grupos na proporção de pessoas que necessitaram de conversão para a colecistectomia aberta: CL precoce 49/244 (proporção ajustada 19,7%) versus CL tardia 54/244 (22,1%), RR 0,89, IC 95% 0,63 a 1,25, 6 estudos. O tempo total de internação foi quatro dias mais curto no grupo da CL precoce do que no grupo da CL tardia: diferença média (MD) -4.12 dias, IC 95% -5,22 a -3,03, 4 estudos, 373 pessoas. Não houve diferença significativa entre os grupos na duração das cirurgias: MD -1,22 minutos, IC 95% -3,07 a 0,64,6 estudos, 488 pessoas. Apenas um estudo avaliou o retorno ao trabalho. As pessoas que fizeram CL precoce voltaram ao trabalho mais cedo do que as que fizeram CL tardia: MD -11.00 dias, IC 95% -19,61 a -2,39, 1 estudo, 36 pessoas. Quatro estudos não relataram nenhuma morbidade relacionada com o cálculo biliar durante o período de espera. Um estudo relatou cinco morbidades relacionadas com colelitíase (colangite: dois; cólica biliar não necessitando de operação de urgência: um; colecistite aguda não necessitando de operação de urgência: dois). Não houve relatos de pancreatite durante o tempo de espera. Os estudos restantes não apresentaram dados sobre morbidade relacionada com o cálculo biliar. Em cinco estudos, 40 (18,3%) das pessoas do grupo da CL tardia tiveram persistência ou recorrência dos sintomas antes da data programada da sua cirurgia e tiveram que fazer colecistectomia laparoscópica de emergência. A proporção da conversão para a colecistectomia aberta foi de 45% (18/40) neste grupo de pessoas.
Tradução do Centro Cochrane do Brasil (Felipe Alencar Mayer Feitosa Ventura). Contato: tradutores@centrocochranedobrasil.org.br