Cirurgia encefálica é comumente necessária em pacientes com doenças cerebrovasculares, acidente vascular encefálico, traumatismo cranioencefálico ou hemorragias cerebrais espontâneas. Enquanto a cirurgia pode salvar uma vida, ela também pode causar danos associado à interrupção e redução do fluxo sanguíneo para células do cérebro. Sem o fornecimento adequado de sangue, as células cerebrais ficam privadas de oxigênio e podem morrer, como conseqüência. Se células cerebrais são perdidas em grande número ou em regiões cerebrais importantes, o paciente pode morrer ou ficar com incapacidade severa. Isto levou à buscas por maneiras para proteção celular cerebral durante procedimentos cirurgicos. Estudos em animais demonstraram que a diminuição da temperatura corporal pode ajudar na proteção de células cerebrais em circunstâncias quando ocorre comprometimento do fluxo sanguíneo cerebral. Similarmente, estudos em seres humanos, que foram ressucitados após parada cardio-respiratória, demonstraram que a diminuição da temperatura corpórea auxiliou a redução de dano cerebral. O objetivo desta atualização de uma revisão sistemática prévia de mesmo título foi demonstrar se o resfriamento de pacientes submetidos à cirurgia encefálica reduz mortalidade e incapacidade severa, ou se seria associado ao aumento danos cerebrais. Uma busca detalhada da literatura disponível, até Maio de 2014, identificou quatro estudos elegíveis que incluíram um total de 1219 participantes. Seus resultados foram combinados para responder estas questões. Não existe evidência de que o resfriamento de pacientes submetidos à cirurgias encefálicas reduziu o risco de morte ou incapacidade severa ou produziu dano significativo.
Não encontramos nenhuma evidência de que o uso da hipotermia induzida foi associada à uma redução significativa na mortalidade ou incapacidade neurológica severa, ou ainda aumento no risco de danos aos pacientes submetidos à cirurgia neurológica.
Pacientes submetidos à neurocirurgia estão sob risco de isquemia cerebral com consequente hipóxia cerebral e morte celular neuronal. Isso pode aumentar o risco de mortalidade e incapacidade neurológica a longo prazo. Hipotermia induzida tem demonstrado reduzir o risco de dano por isquemia cerebral em estudo com animais e com humanos ressucitados após parada cardíaca. Isso tem levado a aumento de interesse em seu potencial neuroprotetor em pacientes neurocirúrgicos. Esta revisão foi originalmente publicada em 2011 e não havia encontrado nenhuma evidência sobre eficácia ou malefício nesses pacientes. Esta atualização da revisão foi objetivada de modo a buscar atuais evidências envolvendo estes assuntos.
Avaliar a eficácia e perfil de segurança da hipotermia induzida versus normotermia para neuroproteção em pacientes submetidos à cirurgia cerebral. Eficácia foi medida em termos de mortalidade no curto e longo prazo e desfechos de capacidade funcional neurológica. Segurança foi avaliada em termos das taxas de eventos adversos: infecção, infarto miocárdico, acidente vascular isquêmico, insuficiência cardíaca congestive e quaisquer outros eventos adversos relatados pelos autores dos estudos inclusos.
Para revisão original, os autores buscaram os bancos de dados Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL), MEDLINE (OvidSP), EMBASE (OvidSP) e LILACS até Novembro de 2010. Para esta revisão atualizada, todos os bancos de dados foram novamente buscados nos períodos de Novembro de 2010 à Maio de 2014.
Para ambas as versões, original e atualizada, literatura exclusa foi buscada através de listas de referência dos estudos identificados e artigos de revisão relevantes e anais de congressos. Não houve restrição de idioma.
Assim como na revisão original, incluímos ensaios clínicos controlados randomizados (ECCRs) de hipotermia induzida versus normotermia para neuroproteção em pacientes, de qualquer idade ou gênero, submetidos à cirurgia neurológica, que avaliassem mortalidade, morbidade neurologica ou eventos adversos.
Três revisores, de maneira independente, extraíram os dados e dois avaliaram, independentemente, o risco de viés dos estudos incluídos. Quaisquer discordâncias foram resolvidas por discussão entre os revisores.
Nesta atualização de revisão, um novo estudo em andamento foi encontrado, porém nenhum novo estudo elegível completado foi identificado. Esta atualização foi, portanto, conduzida utilizando os mesmos quatro estudos incluídos na revisão original. Estes estudos incluíram um total de 1219 participantes variando de 40 a 54 anos. Todos os estudos incluídos foram reportados como ECCRs. Dois eram multicêntricos, incluindo um total de 1114 pacientes que foram submetidos à clipagem de aneurisma cerebral, e foram julgados como tendo baixo risco de viés. Os outros dois estudos foram unicêntricos. Um estudo incluiu 80 pacientes submetidos à craniotomia após traumatismo cranio encefálico grave e foi julgado como tendo risco incerto ou baixo de viés. O outro estudo incluiu 25 pcientes submetidos à hemicraniectomia para alivio de edema, após isquemia cerebral, e foi julgado como tendo risco incerto ou alto de viés. Todos os estudos avaliaram hipotermia versus normotermia. No geral, 608 participantes receberam hipotermia com temperatura alvo variando entre 32.5°C a 35°C, e 611 foram desisgnado para o grupo de normotermia, com temperaturas neste grupo variando de 36.5°C a 38°C. Para aqueles que foram resfriados, 556 tiveram seu resfriamento iniciado imediatamente após a indução anestésica que foi continuado até a clipagem do aneurisma ser obtida; 52 tiveram seu resfriamento iniciado imediatamente após a cirurgia, continuado por 48 a 96 horas.
A estimativa total de efeitos foi calculada para os desfechos: mortalidade durante o tratamento ou seguimento (variando desde intrahospitalar até um ano); desfechos neurológicos avaliados através da Glasgow Outcome Score (GOS) de 3 ou menos; e eventos adversos de infecções, infarto miocárdico, acidente vascular isquêmico e insuficiência cardíaca congestiva. Em relação à mortalidade, o risco de morte se alocado no grupo hipotermia, comparado ao grupo normotermia, não foi estatisticamente significante (razão de chances (RR) 0,87, intervalo de confiança IC 95% 0,59 a 1,27, p= 0,47). Não houve indicação de que o tempo no qual o resfriamento foi iniciado afetou o risco de morte (RR com resfriamento intraoperatorio 0,95, IC 95% 0,60 a 1,51, p= 0.83; RR para resfriamento no pós-operatório 0,67, IC 95% 0,34 a 1,35, p= 0.26). Para os desfechos neurológicos, o risco de ter um ECG de 3 ou menos, não foi estatisticamente significante naqueles que receberam hipotermia versus normotermia (RR 0,80, IC 95% 0,61 a 1,04, p= 0,09). Novamente, não houve indicação de que o tempo de inicio do resfriamento afetou este resultado. Em relação aos eventos adversos, não houve diferencas estatisticamente significantes de a incidência, em pacientes distribuidos para o grupo de hipotermia versus normotermia, do risco de infecções cirúrgicas (RR 1,20, IC 95% 0,73 a 1,97, p= 0,48), infarto miocárdico (RR 1,86, IC 95% 0,69 a 4,98, p= 0.22), acidente vascular isquêmico (RR 0,93, IC 95% 0,82 a 1,05, p= 0,24) ou insuficiência cardíaca congestiva (RR 0,85, IC 95% 0,60 a 1,21, p= 0,38). Em contraste com outros desfechos, nos quais o tempo de inicio do resfriamento não obteve uma diferenca significante para o esfeitos estimados, houve uma pequena diferença estatisticamente significante no risco de infecções naqueles resfriados no período pós-operatório versus os que não foram resfriados (RR 1,77, IC 95% 1,05 a 2,98, p= 0,03). De modo geral, assim como na revisão original, nenhuma evidência encontrada justifica o uso da hipotermia induzida, a qual não provou nem ser benéfica nem maléfica em pacientes submetidos à neurocirurgia.
Traduzido por: Roberto Bezerra Vital, Unidade de Medicina Baseada em Evidências da UNESP, Brasil. Contato: portuguese.ebm.unit@gmail.com