Contexto
Apesar de existirem muitos medicamentos antiepilépticos, cerca de 30% dos pacientes com epilepsia continuam tendo convulsões. Existem dois tipos de estimulação elétrica através de eletrodos implantados no cérebro (conhecida como estimulação elétrica intracraniana): a "estimulação cerebral profunda" e a "estimulação cerebral cortical". A estimulação elétrica intracraniana tem sido proposta como um tratamento alternativo para esses pacientes. Esta revisão teve como objetivo avaliar a eficácia, a segurança e a tolerabilidade desse tratamento.
Resultados
Diversas estruturas cerebrais receberam estimulação programada (independente de o paciente ter ou não convulsões), tais como o núcleo talâmico anterior (um estudo, 109 participantes), o núcleo talâmico centromedial (dois estudos, 20 participantes), o córtex cerebelar (três estudos, 22 participantes), o hipocampo (quatro estudos, 21 participantes) e o núcleo accumbens (um estudo, 4 participantes). Além disso, uma pesquisa (191 participantes) estudou a estimulação responsiva (que é feita apenas quando ocorre uma convulsão) da zona do cérebro de onde a convulsão surgiu. Há evidência de redução moderada (15% a 30%) na frequência de convulsões após a estimulação, durante um a três meses, do núcleo talâmico anterior em pessoas com epilepsia (multi)focal; após a estimulação do hipocampo em pessoas com epilepsia do lobo temporal e após a estimulação da zona de início da convulsão em pessoas com epilepsia (multi)focal. Porém, não há evidência de que a neuroestimulação produza um impacto significativo na remissão total das convulsões, na proporção de pacientes com uma redução de frequência de convulsão superior a 50% ou na qualidade de vida das pessoas que receberam esse tratamento.
Os efeitos adversos da estimulação talalâmica anterior incluem depressão auto-relatada e comprometimento subjetivo da memória e, possivelmente, ansiedade e estado confusional. A estimulação responsiva da zona cerebral onde surgiu a convulsão parece ser bem tolerada com poucos efeitos colaterais.
A evidência sobre a estimulação talâmica anterior e da zona responsiva inicial é de qualidade moderada a alta. A qualidade da evidência sobre a estimulação do hipocampo é baixa a moderada. Não há evidência suficiente para concluir sobre a eficácia ou os efeitos adversos da estimulação do hipocampo, da região talâmica centromedial, do cortex cerebelar e do núcleo accumbens. O implante dos eletrodos dentro do crânio foi relativamente seguro e não produziu sequelas sintomáticas permanentes nos pacientes incluídos nos estudos.
Conclusões
São necessários mais estudos, maiores e bem desenhados, sobre a estimulação elétrica intracraniana, para ter certeza quanto à sua eficácia e segurança e comparar esse tratamento com tratamentos atualmente disponíveis (por exemplo, drogas antiepilépticas ou a estimulação do nervo vago).
A evidência é atualizada até 5 de novembro de 2016.
Com exceção de um RCT muito pequeno, existem apenas RCTs de curto prazo sobre neuroestimulação intracraniana para o tratamento da epilepsia. Em comparação com a estimulação simulada, um a três meses de DBS talâmica anterior (epilepsia (multi)focal), estimulação da zona ictal responsiva inicial (epilepsia (multi)focal) e o DBS do hipocampo (epilepsia do lobo temporal) reduziram moderadamente a frequência de convulsão em pacientes com epilepsia refratária. O DBS talâmico anterior está associado a taxas mais elevadas de depressão auto-relatada e comprometimento subjetivo da memória. Não há evidência suficiente para concluir sobre a eficácia e segurança do DBS no hipocampo, do DBS talâmico centromedial, do DBS no nucleus accumbens e da estimulação cerebelar. São necessários mais RCTs, maiores e bem desenhados, para validar a eficácia e segurança dos tratamentos invasivos de neuroestimulação intracraniana.
Apesar de receberem um tratamento otimizado, incluindo cirurgia para epilepsia, muitos pacientes com epilepsia têm convulsões incontroláveis. Desde a década de 1970, o interesse sobre a neuroestimulação invasiva intracraniana como uma opção de tratamento para esses pacientes vem aumentado. A estimulação intracraniana inclui a estimulação cerebral profunda (DBS, estimulação através de eletrodos profundos) e a estimulação cortical (eletrodos subdurais). Esta é uma atualização de uma revisão Cochrane publicada previamente em 2014.
Avaliar a eficácia, segurança e tolerabilidade da DBS e da estimulação cortical para epilepsia refratária a partir de ensaios clínicos randomizados controlados (RCTs).
Realizamos buscas no Cochrane Epilepsy Group Specialized Register em 29 de setembro de 2015, mas não foi necessário atualizar essa pesquisa porque os registros no Specialized Register estão incluídos no CENTRAL. Pesquisamos o Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL) (Cochrane Library 2016, Edição 11, 5 de novembro de 2016), PubMed (5 de novembro de 2016), ClinicalTrials.gov (5 de novembro de 2016), a WHO International Clinical Trials Registry Platform ICTRP (5 de novembro de 2016) e as listas de referência dos artigos identificados. Também contatamos os fabricantes de aparelhos e outros pesquisadores da área. Não houve restrições de idiomas.
Incluímos RCTs que compararam a estimulação profunda ou a estimulação cortical versus estimulação simulada, cirurgia de ressecção, tratamento adicional com medicamentos antiepilépticos ou outros tratamentos de neuroestimulação (incluindo a estimulação do nervo vago).
Quatro revisores independentes selecionaram os estudos para inclusão. Dois revisores independentes extraíram os dados relevantes e avaliaram a qualidade dos estudos e a qualidade geral da evidência. Os desfechos investigados foram: ausência de convulsão, taxa de resposta, porcentagem de redução da frequência de convulsões, eventos adversos, desfecho neuropsicológico e qualidade de vida. Quando necessário, contatamos os autores dos estudos para obter dados adicionais. Devido à heterogeneidade clínica, analisamos e apresentamos os resultados separadamente de acordo com as diferentes regiões anatômicas intracranianas que receberam a neuroestimulação.
Identificamos 12 RCTs; 11 compararam a neuroestimulação intracraniana por um a três meses versus estimulação simulada. Um estudo foi sobre DBS na região talâmica anterior (n = 109; 109 períodos de tratamento). Dois estudos foram sobre o DBS na região talâmica centromedial (n = 20; 40 períodos de tratamento), mas apenas um dos estudos (n = 7; 14 períodos de tratamento) trazia informação suficiente para inclusão na meta-análise quantitativa. Três estudos foram com estimulação cerebelar (n = 22; 39 períodos de tratamento). Três estudos foram sobre DBS no hipocampo (n = 15; 21 períodos de tratamento). Um estudo foi sobre DBS no núcleo accumbens (n = 4; 8 períodos de tratamento). Um estudo foi sobre estimulação da zona ictal responsiva inicial (n = 191; 191 períodos de tratamento). Além disso, um pequeno RCT (n = 6) comparou seis meses de DBS no hipocampo versus estimulação simulada. Em quatro estudos, encontramos evidência de relato seletivo. Cinco estudos cross-over não tinham nenhum período de intervalo (ou um período de intervalo insuficiente); esse fato complicou a interpretação dos resultados.Existe evidência de qualidade moderada de ausência de efeitos estatisticamente ou clinicamente significativos na proporção de pacientes que tiveram remissão das convulsões ou redução de 50% ou mais na freqüência de convulsões (desfechos primários avaliados) após um a três meses de DBS talâmica anterior em pacientes com epilepsia (multi)focal, após estimulação da zona ictal responsiva inicial em pacientes com epilepsia (multi) focal e após DBS do hipocampo em paciente com epilepsia do lobo temporal (medial). No entanto, verificou-se uma redução estatisticamente significante na freqüência de convulsões após: a) DBS talalâmica anterior (diferença média (MD), -17,4% em comparação com a estimulação simulada; intervalo de confiança de 95% (IC95%) -31,2 a -1,0; evidência de alta qualidade), b) estimulação da zona ictal responsiva inicial (MD -24,9%; 95% CI -40,1 a -6,0; evidência de alta qualidade) e c) DBS do hipocampo (MD -28,1%; 95% CI -34,1 a -22,2; evidência de qualidade moderada). Tanto o DBS talalâmico anterior como a estimulação de zona ictal responsiva inicial não produziram impacto clinicamente significativo na qualidade de vida após três meses de estimulação (evidência de alta qualidade).O implante do eletrodo levou à hemorragia intracraniana assintomática pós-operatória em 1,6% a 3,7% dos pacientes incluídos nos dois maiores estudos e 2,0% a 4,5% apresentaram infecções pós-operatória de partes moles (9,4% a 12,7% após cinco anos); nenhum paciente teve sequelas sintomáticas permanentes. O DBS talâmico anterior produziu menos lesões associadas à epilepsia (7,4 versus 25,5%; P = 0,01), mas taxas mais altas de depressão auto-relatada (14,8 versus 1,8%; P = 0,02) e comprometimento subjetivo da memória (13,8 versus 1,8%; P = 0,03). Não houve diferenças significativas entre os grupos nos resultados dos testes objetivos neuropsicológicos. A estimulação da zona ictal responsiva inicial parece ser bem tolerada com poucos efeitos colaterais. Devido ao pequeno número de pacientes, não é possível fazer afirmações definitivas quanto à segurança e tolerabilidade do DBS hipocampal.Não foram encontrados efeitos estatisticamente significativos para o DBS talalâmico centromedial, o DBS do nucleus accumbens e a estimulação cerebelar. Porém essa evidência é de qualidade baixa ou muito baixa.
Tradução do Cochrane Brazil - Centro Afiliado MG (Liliane de Abreu Rosa). Contato: minasgerais@centrocochranedobrasil.org.br