Introdução
Muitas pessoas com o HIV que precisam de terapia antiretroviral não tem acesso ou não conseguem continuar a receber os cuidados necessários para seu tratamento. Isto frequentemente se deve ao tempo e custos necessários para se deslocarem até os locais de tratamento. Uma forma para facilitar o acesso e a continuidade dos cuidados seria fazer com que a terapia antirretroviral pudesse estar disponível em locais próximos de onde os pacientes moram, “descentralizando" o tratamento dos hospitais para os centros de saúde ou até mesmo para a comunidade. Nosso objetivo foi avaliar se a descentralização da terapia antirretroviral reduziria o número de pessoas que abandonam o tratamento (perdas de follow-up). Como uma parte das perdas de follow-up em programas de tratamento de HIV se deve à pessoas que morreram, nosso principal desfecho foi “perdas" definida como o número de pessoas que morreram ou que abandonaram o acompanhamento.
Características do estudo
Procuramos por estudos publicados até Março de 2013. Encontramos 16 estudos, sendo dois ensaios clínicos randomizados de alta qualidade e 14 outros estudos, que apresentavam dados de programas de cuidados de HIV. Todos os estudos, exceto um, foram conduzidos na Africa. Os participantes dos estudos eram tanto adultos como crianças que foram acompanhados por até dois anos.
Existem três tipos de formas de tratamento:
- Descentralização parcial: a terapia antiretroviral começa no hospital e depois continua em um posto de saúde.
- Descentralização total: o tratamento começa e continua em um posto de saúde.
- Terapia antiretroviral na comunidade: o tratamento começa no posto de saúde ou no hospital e depois continua na comunidade.
Resultados-chave
Os estudos mostram que se a terapia antiretroviral começa no hospital e continua em um posto de saúde (descentralização parcial), é provável haver menos perdas e um menor número de pacientes sem acompanhamento ao final de um ano (quatro estudos, 39 090 pacientes).
Quando a terapia antiretroviral é iniciada e continuada em um posto de saúde (descentralização total), é provável que não existam diferenças no número de mortes e de pacientes que abandonaram o acompanhamento (perdas), mas em geral, provavelmente vão existir menos pacientes sem tratamento ao final de um ano (quatro estudos, 56 360 pacientes).
Se a terapia é continuada na comunidade por voluntários treinados, é provável que não haja diferença no número de mortes ou de pacientes que abandonaram o tratamento ao final de um ano, quando comparado ao tratamento oferecido em postos de saúde (dois estudos, 1 453 pacientes).
Em geral, nenhum dos modelos de descentralização levaram à piores desfechos de saúde. Os estudos indicam que menos pacientes ficam sem cuidados quando o tratamento é continuado em postos de saúde do que quando é continuado nos hospitais. Os estudos também não detectaram diferenças no número de pacientes sem cuidados quando eles receberam o tratamento na comunidade em comparação com o tratamento em instituições de saúde.
A descentralização do tratamento do HIV busca melhorar o acesso dos pacientes e sua retenção no programa de cuidados. Apesar da maioria dos dados desta revisão terem vindo de estudos coortes de boa qualidade, não podemos afastar a possibilidade de existirem fatores de confusão no local de tratamento e nos desfechos. Todavia, esta revisão conclui que as perdas parecem ser menores em modelos de tratamento com descentralização parcial, onde o início da terapia antiretroviral ocorre em ambiente hospitalar e continua em postos de saúde. Quando o início e a continuação do tratamento ocorre nos postos de saúde, não foi detectada nenhuma diferença nas perdas, porém houve um número menor de pacientes que não receberam cuidados. Não foram observadas diferenças nos desfechos na comparação entre cuidados oferecidos em ambientes médicos versus tratamento antiretroviral oferecido em casa por voluntários treinados.
Os tomadores de decisão, os profissionais da saúde e as comunidades reconhecem que os serviços de saúde em países de baixa e média renda precisam melhorar o acesso das pessoas ao tratamento do HIV e sua retenção nos programas de tratamento. Uma estratégia seria deslocar a distribuição dos medicamentos antiretrovirais de dentro dos hospitais para os serviços de saúde mais periféricos ou até mesmo para fora dos serviços de saúde. Isto poderia aumentar o número de pessoas que recebem cuidados, melhorar os desfechos de saúde e melhorar a retenção nos programas de tratamento. Por outro lado, oferecer tratamento em serviços de saúde menos sofisticados ou mesmo em nível comunitário, pode diminuir a qualidade dos cuidados e resultar em uma piora dos desfechos. Para avaliar esta questão, resumimos os achados dos estudos que examinaram os riscos e os benefícios de descentralizar os serviços de terapia antiretroviral.
Avaliar os efeitos de vários modelos de descentralização de cuidados e tratamento do HIV para níveis básicos dos sistemas de saúde, sobre a introdução e a manutenção da terapia antiretroviral.
Foi realizada uma busca compreensiva para identificar todos os estudos relevantes independente do idioma ou status de publicação (publicados, não publicados, em vias de publicação ou em andamento) desde 1º de Janeiro de 1966 até 31 de Março de 2013. Também entramos em contato com organizações e pesquisadores relevantes. Incluímos nas buscas as seguinte palavras: ’decentralisation’, ’down referral’, ’delivery of health care’, and ’health services accessibility’.
Foram incluídos ensaios controlados (randomizados e não-randomizados), estudos controlados antes e depois, assim como estudos coortes (prospectivos ou retrospectivos) com pessoas infectadas com HIV que iniciaram ou continuaram sua terapia antiretroviral em um serviço descentralizado, em países de baixa ou média renda. Descentralização foi definida como sendo a oferta do tratamento em um nível mais básico do sistema de saúde em relação ao comparador.
Dois autores avaliaram, de forma independente, se os estudos preenchiam os critérios de inclusão e fizeram a extração dos dados. Criamos um esquema para descrever as diferentes estratégias de descentralização e a seguir agrupamos os estudos dentro dessas estratégias. Os dados foram combinados usando uma metanálise com modelo de efeito randômico. Como as perdas do seguimento nos programas de HIV podem incluir mortes, nosso desfecho primário foi “perdas", definida como mortes mais perdas do seguimento. Avaliamos a qualidade da evidência usando a metodologia GRADE.
Dezesseis estudos preencheram os critérios de inclusão, sendo que todos exceto um foram realizados na África; 2 dos estudos eram ensaios clínicos do tipo cluster e 14 eram estudos de coorte. A terapia antiretroviral iniciada no hospital e mantida em postos de saúde (descentralização parcial) provavelmente reduz as perdas (RR 0,46, IC 95% 0,29 – 0,71, 4 estudos, 39 090 pacientes, evidência de moderada qualidade). Com este modelo, é possível que menos pacientes deixem de receber cuidados (RR 0,55, IC 95% 0,45 – 0,69, evidência de baixa qualidade).
Há dúvidas se existe uma diferença nas perdas, avaliadas aos 12 meses, na comparação entre terapias antiretrovirais que foram iniciadas e continuadas em postos de saúde (descentralização completa) versus em hospital (RR 0,70, IC 95% 0,47 – 1,02; quatro estudos, 56.360 pacientes, evidência de muito baixa qualidade); porém é provável que menos pacientes deixem de receber cuidados com esse modelo de assistência (RR 0,30, IC 95% 0,17 – 0,54, evidência de moderada qualidade).
Quando a manutenção da terapia antiretroviral é oferecida em casa por voluntários, é provável que não haja diferença nas perdas aos 12 meses (RR 0,95, IC 95% 0,62 – 1,46, dois estudos, 1453 pacientes, evidência de qualidade moderada).