Pergunta da revisão
A dieta ou atividade física, ou ambas, podem prevenir ou adiar o surgimento do diabetes mellitus tipo 2 (DMT2) e suas complicações em pessoas de risco para a doença?
Introdução
As pessoas com um aumento moderado da glicemia (açúcar no sangue), uma condição chamada de "pré-diabetes", têm mais risco de desenvolver DMT2. Atualmente é recomendado que todas as pessoas com risco aumentado de desenvolver DMT2 ajustem seus hábitos alimentares e níveis de atividade física. Queríamos saber se essas modificações na dieta, na atividade física, ou nas duas, poderiam prevenir ou retardar o surgimento do DMT2 em pessoas de risco para a doença. Também queríamos saber os efeitos dessas intervenções sobre resultados importantes para o paciente, tais como complicações do diabetes (por exemplo, doença renal e ocular, ataque cardíaco, derrame), morte por qualquer causa, qualidade de vida relacionada com a saúde (uma medida da satisfação de uma pessoa com sua vida e saúde). E queríamos saber quais seriam os efeitos colaterais dessas intervenções.
Características do estudo
Os participantes deveriam ter níveis de glicemia maiores do que o normal mas menores do que os níveis que fazem o diagnostico de DMT2. Encontramos 12 ensaios clínicos randomizados controlados (ECRs) que incluíram um total de 5238 participantes. Os ECRs são estudos nos quais as pessoas são sorteadas ao acaso para ficaram em um dos grupos de tratamento. A duração das intervenções variou de dois a seis anos. A maioria dos estudos incluiu pessoas consideradas de risco para DMT2 com base nos seus níveis de glicemia duas horas após a ingestão de 75 g de glicose. Ou seja, os estudos incluíram pessoas com "tolerância alterada à glicose" (IGT) no teste oral de tolerância à glicose (TOTG).
A revisão inclui estudos publicados até janeiro de 2017. Usamos o serviço de aviso de emails do MEDLINE para identificar estudos publicados até setembro de 2017.
Resultados principais
Um estudo comparou dieta isolada versus atividade física isolada. O DMT2 surgiu em 44% (57 de 130) dos participantes do grupo que fez apenas dieta versus 41% (58 de 141) no grupo que fez apenas atividade física. Dois estudos compararam atividade física versus tratamento padrão. Em um dos estudos, o DMT2 surgiu em 41% (58 de141) dos participantes do grupo de atividade física versus 68% (90 de 133) no grupo controle. No outro estudo 12% (10 de 84) dos participantes do grupo de atividade física desenvolveram DMT2, versus 18% (7 de 39) no grupo controle. Onze estudos compararam dieta mais atividade física versus tratamento padrão ou nenhum tratamento. O risco de desenvolver DMT2 foi menor no grupo que fez dieta mais atividade física (15%, ou 315 em 2122) do que no grupo que recebeu o tratamento padrão (26%, pu 614 em 2389).
Não houve diferença no risco de ter um ataque cardíaco ou derrame entre os grupos que fizeram atividade física, dieta ou as duas intervenções juntas. Nenhum dos estudos avaliou complicações do diabetes, tais como doença renal ou problemas nos olhos. Os efeitos sobre a qualidade de vida relacionada com a saúde foram inconclusivos. Muitos poucos participantes morreram no decorrer dos estudos e os efeitos colaterais também foram raros. Estudos futuros de longo prazo devem investigar resultados mais importantes para os pacientes, como as complicações do diabetes, porque não sabemos ao certo se o 'pré-diabetes' é apenas uma condição definida arbitrariamente por um valor laboratorial ou se é, de facto, um fator de risco real para o surgimento do DMT2 e se o tratamento desta condição se traduz em melhores resultados importantes para os pacientes.
Qualidade da evidência
Todos os estudos tinham limitações na forma como foram conduzidos ou como apresentaram os itens-chave. Existe evidência bastante boa que a dieta associada à atividade física, comparada com o tratamento padrão, reduz ou atrasa o risco de desenvolver DMT2. Para as outras comparações, o número de participantes foi pequeno. Isso levou a um alto risco de erros aleatórios (erros devidos ao acaso).
Não existe evidência robusta que a dieta ou a atividade física isoladas, versus tratamento padrão, modifiquem o risco de DMT2 e especialmente suas complicações em pessoas de risco para a doença. Porém, a dieta associada à atividade física reduz a incidência de DMT2, ou atrasa seu surgimento, em pessoas com IGT. Faltam dados sobre o efeito da dieta mais atividade física para pessoas com hiperglicemia intermediaria definida por outros valores glicêmicos. A maioria dos ECRs não avaliou desfechos importantes para os pacientes.
O aumento previsto da incidência do diabetes mellitus tipo 2 (DMT2) pode se transformar em um grande problema de saúde em todo o mundo. Não se sabe se a dieta, a atividade física, ou a associação das duas intervenções poderia prevenir ou adiar o surgimento do DMT2 e suas complicações.
Avaliar os efeitos da dieta, da atividade física, ou das duas intervenções juntas, para prevenir ou adiar o surgimento do DMT2 em pessoas de risco para a doença.
Esta é uma atualização da Revisão Cochrane publicada em 2008. Fizemos buscas nas seguintes bases de dados: CENTRAL, MEDLINE, Embase, ClinicalTrials.gov, e ICTRP Search Portal. Também revisamos as listas de referências de revisões sistemáticas, de artigos e de relatórios de avaliação tecnológica em saúde. A data da última busca foi janeiro de 2017. Usamos o serviço de alerta por e-mail do MEDLINE para identificar estudos que houvessem sido publicados nessa base de dados até setembro de 2017.
Incluímos ensaios clínicos randomizados controlados (ECRs) com duração de dois anos ou mais.
Seguimos a metodologia padrão da Cochrane para a coleta e a análise dos dados. Avaliamos a qualidade geral da evidência usando o GRADE.
Incluímos 12 ECRs que recrutaram 5238 pessoas ao todo. Um estudo contribuiu com 41% de todos os participantes. A duração das intervenções variou de dois a seis anos. Nenhum dos estudos tinha baixo risco de viés para todos os domínios do instrumento de avaliação do “Risco de Viés'.
Onze estudos compararam dieta mais atividade física versus tratamento padrão ou nenhum tratamento. Nove ECRs incluíram participantes com alteração na tolerância à glicose (IGT). Um estudo incluiu participantes com IGT, glicemia de jejum alterada (IFG), ou ambos. Um estudo incluiu pessoas com glicemia de jejum entre 5,3 a 6,9 mmol/L. Houve 12 mortes entre os 2049 participantes dos grupos dieta mais atividade física e 10 mortes entre os 2050 participantes dos grupos controle: RR 1,12, IC 95% 0,50 a 2,50; intervalo de predição de 95% 0,44 a 2,88; 4099 participantes, 10 ECRs; evidência de qualidade muito baixa. A definição de incidência do DMT2 variou entre os estudos. A incidência de DMT2 foi 14,8% (315/2122) no grupo dieta mais atividade física versus 25,7% (614/2389) no grupo controle: RR 0,57, IC 95% 0,50 a 0,64; intervalo de predição de 95% 0,50 a 0,65; 4511 participantes, 11 ECRs; evidência de qualidade moderada. Dois estudos avaliaram eventos adversos graves. Em um estudo, não houve nenhum evento adverso. No outro estudo, houve um caso de evento adverso grave entre os 51 participantes do grupo dieta mais atividade física, versus nenhum caso entre os 51 participantes do grupo controle (evidência de baixa qualidade). Houve poucos casos de mortalidade cardiovascular (4/1626 no grupo dieta mais atividade física versus 4/1637 no grupo controle). O RR variou de 0,94 a 3,16; 3263 participantes, 7 ECRs; evidência qualidade muito baixa. Apenas um estudo avaliou infarto não fatal ou acidente vascular cerebral não fatal. Os autores relataram que não houve nenhum participante com esses desfechos (evidência de baixa qualidade). Dois estudos relataram que nenhum dos participantes teve hipoglicemia. Um estudo investigou a qualidade de vida relacionada à saúde em 2144 participantes. Não houve uma diferença mínima importante entre os grupos de intervenção (evidência de qualidade muito baixa). Três ECRs avaliaram os custos das intervenções em 2755 participantes. O maior desses estudos fez uma análise dos custos do ponto de vista do sistema de saúde e da sociedade. A dieta teve um impacto de 31.500 USD e a atividade física teve um impacto de 51.600 USD por ano de vida ajustado à qualidade (QALY) (evidência de baixa qualidade). Nenhum estudo avaliou doença renal terminal ou cegueira.
Um estudo comparou apenas dieta versus atividade física ou tratamento padrão. Os participantes tinham IGT. Houve 3/130 mortes no grupo da dieta versus 0/141 mortes no grupo da atividade física (evidência de qualidade muito baixa). Nenhum dos participantes morreu por causa de doença cardiovascular (evidência de qualidade muito baixa). Ao todo 57 dos 130 participantes do grupo dieta (43,8%) versus 58 dos 141 participantes do grupo atividade física (41,1%) desenvolveram DMT2 (evidência de qualidade muito baixa). Não houve eventos adversos (evidência de qualidade muito baixa). Não havia dados sobre infarto não fatal, AVC não fatal, cegueira, doença renal terminal, qualidade de vida relacionada à saúde ou efeitos socioeconômicos.
Dois ECRs compararam atividade física versus tratamento padrão em 397 participantes. Um estudo incluiu participantes com IGT; o outro estudo incluiu participantes com IGT, IFG, ou ambos. Um estudo relatou 0/141 mortes no grupo de atividade física versus 3/133 mortes no grupo controle. O outro estudo relatou 3/84 mortes no grupo atividade física versus 1/39 mortes no grupo controle (evidência de qualidade muito baixa). Em um estudo, 58/141 participantes do grupo atividade física (41,1%), versus 90/133 participantes do grupo controle (67,7%) desenvolveram DMT2. No outro estudo, o DMT2 surgiu em 11,9% (10/84) e 18% (7/39) dos participantes do grupo atividade física versus controle, respectivamente (evidência de qualidade muito baixa). Houve poucos casos de eventos adversos graves. Um estudo não teve nenhum evento adverso. Um estudo teve eventos adversos em 3/66 participantes no grupo de atividade física versus 1/39 no grupo controle (evidência de qualidade muito baixa). Apenas um estudo avaliou mortalidade cardiovascular e relatou que não ocorreu nenhum caso entre os 274 participantes (evidência de qualidade muito baixa). Em um dos estudos (que incluiu 123 participantes), houve poucos casos de infarto ou AVC não fatal (evidência de qualidade muito baixa). Um estudo relatou que nenhum dos participantes teve hipoglicemia. Um estudo avaliou a qualidade de vida relacionada à saúde em 123 participantes e não encontrou diferenças substanciais entre os grupos de intervenção (evidência de qualidade muito baixa). Não existiam dados sobre cegueira ou efeitos socioeconômicos.
Tradução do Cochrane Brazil (Maria Regina Torloni). Contato: tradutores@centrocochranedobrasil.org.br