Pergunta de revisão: nesta revisão, procurámos qual a evidência das intervenções (tratamentos) usadas para tratar pessoas com intoxicação por paracetamol (acetaminofeno). Maioritariamente, tentámos avaliar os efeitos que as intervenções tiveram no número de mortes e na necessidade de transplante hepático.
Contexto: o paracetamol é um dos medicamentos mais comummente associados a intoxicações. A intoxicação intencional ou acidental com paracetamol é uma causa comum de lesão hepática.
Data da pesquisa: a pesquisa foi feita até janeiro de 2017.
Características dos estudos: ensaios clínicos aleatorizados (estudos em que as pessoas são atribuídas aleatoriamente a um de dois ou mais grupos de tratamento) em que os participantes tinham sido admitidos por intoxicação por paracetamol, intencional ou acidental, independentemente da quantidade de paracetamol tomada ou da idade, sexo ou outras condições médicas da pessoa envolvida.
Existem muitas intervenções diferentes que podem ser usadas para tentar tratar pessoas com intoxicação por paracetamol. Estas intervenções incluem diminuir a absorção do paracetamol ingerido e, consequentemente, diminuir a quantidade absorvida na corrente sanguínea. Os agentes incluem carvão ativado (que se liga ao paracetamol no estômago), lavagem gástrica (lavagem do estômago para remover o máximo possível de paracetamol) ou ipecacuanha (um xarope que é ingerido e causa vómitos). O paracetamol, uma vez absorvido na corrente sanguínea, vai para o fígado, onde a maioria é decomposta em produtos inofensivos. No entanto, uma pequena quantidade é convertida num produto tóxico que o fígado normalmente consegue metabolizar mas, quando grandes quantidades de paracetamol são ingeridas, o fígado fica sobrecarregado. Como consequência, o produto tóxico pode danificar o fígado levando a insuficiência hepática, insuficiência renal e, em alguns casos, à morte. Outras intervenções para tratar a intoxicação por paracetamol incluem medicamentos (antídotos) que podem diminuir a quantidade de produtos tóxicos (como um medicamento chamado cimetidina) ou decompor os produtos tóxicos (incluindo medicamentos chamados metionina, cisteamina, dimercaprol ou acetilcisteína). Finalmente, podem ser feitas tentativas para remover o paracetamol e seus produtos tóxicos da corrente sanguínea usando equipamentos especiais de depuração sanguínea. Todos estes tratamentos foram analisados.
Encontrámos 11 ensaios clínicos aleatorizados com 700 participantes. A maioria destes ensaios analisaram diferentes tratamentos.
Resultados chave: carvão ativado, lavagem gástrica e ipecacuanha podem reduzir a absorção de paracetamol se iniciados dentro de quatro horas após a ingestão de paracetamol, mas o seu benefício clínico não é claro. O carvão ativado parece ser a melhor escolha se a pessoa for capaz de o tomar. As pessoas podem não ser capazes de tomar o carvão ativado se estiverem sonolentas e algumas podem não gostar de seu sabor ou textura (ou ambos).
Dos tratamentos que removem os produtos tóxicos do paracetamol, a acetilcisteína parece reduzir a taxa de lesão hepática causada pela intoxicação com paracetamol. Além disso, está associada a menos eventos adversos do que alguns dos outros antídotos, como o dimercaprol e a cisteamina; a sua superioridade em relação à metionina não foi clara. A acetilcisteína deve ser administrada em pessoas com intoxicação por paracetamol com risco de lesão hepática. O risco é determinado pela dose ingerida, o tempo desde a ingestão e a investigação clínica.
Ensaios clínicos mais recentes têm procurado formas de diminuir os efeitos secundários do tratamento com acetilcisteína endovenosa (na veia), alterando a forma como o fármaco é administrado. Estes ensaios mostraram que, usando uma infusão mais lenta e uma dose inicial menor de acetilcisteína, a proporção de efeitos secundários, como náuseas e vómitos, e alergia (reação do corpo ao medicamento, como por exemplo com erupção cutânea) pode ser reduzida.
Qualidade da evidência: esta revisão das intervenções na intoxicação por paracetamol encontrou surpreendentemente poucos ensaios clínicos aleatorizados publicados para essa condição muito comum. Além disso, a maioria dos ensaios teve poucos participantes e todos apresentaram alto risco de viés. Assim, a qualidade da evidência deve ser considerada baixa ou muito baixa.
Notas de tradução: Tradução por Mariana Antunes Morgado, Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, com o apoio da Cochrane Portugal