Pesquisadores da Cochrane Collaboration realizaram uma revisão dos estudos que avaliaram os efeitos de dar suplementos nutricionais para pessoas em tratamento para tuberculose. Depois de buscar por estudos relevantes publicados até 4 de fevereiro de 2016, os revisores incluíram 35 estudos envolvendo 8.283 participantes. Seus achados estão resumidos abaixo.
O que é tuberculose ativa e como os suplementos nutricionais poderiam ajudar?
A tuberculose é uma infecção bacteriana que geralmente afeta os pulmões. A maioria das pessoas que se infecta com essa bactéria nunca vai desenvolver sintomas da doença, já que seu sistema imune consegue controlar esse micróbio. A tuberculose ativa ocorre quando a infecção não é contida pelo sistema imunológico e os sintomas típicos são: tosse, dor no peito, febre, suor noturno, perda de peso e, algumas vezes, tosse com sangue. O tratamento é feito com uma combinação de antibióticos que devem ser tomados por pelo menos seis meses.
É frequente que as pessoas com tuberculose sejam desnutridas, e pessoas desnutridas têm risco maior de desenvolverem tuberculose porque elas têm o sistema imune debilitado. Os suplementos nutricionais ajudariam as pessoas a se recuperarem da doença ao fortalecerem o sistema imune do paciente, melhorarem seu ganho de peso e sua força muscular, permitindo, assim, que ele retome uma vida ativa. Uma boa nutrição requer a ingestão diária de macronutrientes (carboidrato, proteína e gordura) e micronutrientes (vitaminas e minerais essenciais).
O que a revisão achou
Efeitos de dar suplementos nutricionais para pessoas em tratamento para tuberculose
Nós atualmente não sabemos se o fornecimento grátis de comida para pacientes tuberculosos, na forma de refeições quentes ou de cartões de racionamento, reduz seus riscos de morrer ou melhora suas chances de cura (evidência de qualidade muito baixa). Porém, esse tipo de intervenção provavelmente ajuda as pessoas a ganhar peso em algumas situações (evidência de moderada qualidade) e pode melhorar sua qualidade de vida (evidência de baixa qualidade).
Fornecer a todos pacientes suplementos com múltiplos micronutrientes (polivitamínicos) pode ter pouco ou nenhum efeito no risco de morrer entre os tuberculosos HIV-negativos (evidência de baixa qualidade) ou em tuberculosos HIV-positivos que não estão tomando remédios antirretrovirais (evidência de moderada qualidade). Atualmente, nós não sabemos se a suplementação com micronutrientes teria qualquer efeito nos desfechos do tratamento para tuberculose (evidência de qualidade muito baixa), mas eles podem não ter efeito no ganho de peso (evidência de baixa qualidade). Não existem estudos avaliando seus efeitos sobre a qualidade de vida.
Os níveis plasmáticos (no sangue) de vitamina A parecem aumentar após o início do tratamento para tuberculose independentemente de suplementação. Em contraste, a suplementação provavelmente aumenta os níveis plasmáticos de zinco, vitamina D, vitamina E e selênio, mas não ficou comprovado que isso traga benefícios clinicamente importantes para os pacientes. Apesar de existirem vários estudos sobre suplementação de vitamina D em diferentes doses, não foi demonstrado que esse tipo de suplementação ajuda os pacientes a produzirem escarro sem a bactéria (negativação do escarro).
Conclusão dos autores
Fornecer alimentos ou suplementos calóricos pode ajudar alguns pacientes em tratamento de tuberculose a ganharem mais peso. Porém não existe evidências atuais de que essa intervenção melhore os desfechos do tratamento da tuberculose. Atualmente, não existem evidências confiáveis de que a suplementação de micronutrientes acima das quantidades diárias recomendadas tenha benefícios clínicos.
Atualmente, os estudos são insuficientes para saber se o fornecimento gratuito de alimentos ou de suplementos calóricos melhora os desfechos do tratamento da tuberculose, mas é provável que essas intervenções possam aumentar o ganho ponderal dos pacientes em alguns cenários.
Embora os níveis sanguíneos de algumas vitaminas possam estar baixos em pacientes que iniciam tratamento para tuberculose ativa, não há atualmente evidência confiável de que a suplementação rotineira de vitaminas em doses acima das recomendações diárias habituais traga benefícios clínicos.
A tuberculose e a desnutrição têm uma relação complexa. A tuberculose aumenta a demanda metabólica do paciente e ao mesmo tempo reduz sua ingestão alimentar, podendo consequentemente levar a um quadro de desnutrição. Por outro lado, deficiências nutricionais podem reduzir a função imune e assim agravar a tuberculose ou retardar a recuperação do paciente. Atualmente não existem orientações nutricionais baseadas em evidências para adultos e crianças em tratamento para tuberculose ativa.
Avaliar os efeitos de suplementos nutricionais orais em pacientes com tuberculose ativa em uso de medicamentos antituberculosos.
Realizamos busca nas seguintes bases de dados: Cochrane Infectious Disease Group Specialized Register, Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL; Issue 1, 2016), MEDLINE (de 1946 até 4 fevereiro 2016), EMBASE (de 1980 até 4 fevereiro 2016), LILACS (de 1983 até 4 fevereiro 2016), the metaRegister of Controlled Trials (mECR), the World Health Organization (WHO) International Clinical Trials Registry Platform (ICTRP) e Indian Journal of Tuberculosis até 4 de fevereiro de 2016. Verificamos também as listas de referências de todos os estudos incluídos.
Ensaios clínicos randomizados (ECRs) comparando qualquer suplemento nutricional oral, administrado por pelo menos quatro semanas versus nenhuma intervenção nutricional, placebo, ou apenas aconselhamento dietético para pacientes em tratamento para tuberculose ativa. Os desfechos primários de interesse foram morte por qualquer causa e, cura no 6º e no 12º mês de seguimento.
Dois revisores selecionaram os estudos, extraíram os dados e avaliaram o risco de viés independentemente. Para as variáveis dicotômicas, apresentamos os resultados como risco relativo (RR); para as variáveis contínuas, usamos diferenças de média (MD). Em ambos os casos, calculamos o intervalo de confiança de 95% (95% CI). Quando apropriado, combinamos os dados dos estudos com intervenções e desfechos similares. Avaliamos a qualidade da evidência através do método GRADE (Grading of Recommendation Assessment, Development and Evaluation).
Foram incluídos 35 estudos envolvendo um total de 8.283 participantes.
Suplementação de macronutrientes
Seis estudos avaliaram o fornecimento gratuito de alimentos ou de suplementos calóricos (de alta energia). Somente dois estudos avaliaram a ingestão calórica diária total. Nos dois estudos, o grupo que recebeu suplementação aumentou o consumo calórico quando comparado ao controle.
Os estudos disponíveis tinham tamanho amostral insuficiente para comprovar possíveis benefícios da intervenção sobre os seguintes desfechos: mortalidade (RR 0,34; 95% CI 0,10 a 1,20; 4 estudos, 567 participantes, evidência de qualidade muito baixa), cura (RR 0,91; CI 95% 0,59 a 1,41; 1 estudo, 102 participantes, evidência de qualidade muito baixa) e conclusão do tratamento (2 estudos, 365 participantes, dados não combinados, evidência de qualidade muito baixa).
A suplementação provavelmente produz um aumento modesto no ganho de peso durante o tratamento para tuberculose ativa, embora esse resultado não tenha sido consistente entre todos os estudos (5 estudos, dados não combinados, 883 participantes, evidência de moderada qualidade). Dois estudos pequenos forneceram alguma evidência de que a suplementação também pode melhorar a qualidade de vida, mas os estudos eram muito pequenos para que se tenha maior confiança nesse resultado (2 estudos, 134 participantes, dados não combinados, evidência de baixa qualidade).
Suplementação micronutrientes
Seis estudos avaliaram suplementação com múltiplos micronutrientes em doses até 10 vezes maiores do que as doses diárias recomendadas, e 18 estudos avaliaram suplementação com um ou dois micronutrientes.
A suplementação de rotina com múltiplos micronutrientes parece não trazer nenhum benefício ou produzir um pequeno benefício na mortalidade de pacientes HIV-negativos com tuberculose (RR 0,86; 95% CI: 0,46 a 1,6; 4 estudos, 1.219 participantes, evidência de baixa qualidade), ou em pacientes HIV-positivos com tuberculose que não estão em uso de terapia antiretroviral (RR 0,92; 95% CI: 0,69 a 1,23; 3 estudos, 1.429 participantes, evidência de moderada qualidade). Não há evidência suficiente para saber se a suplementação aumenta as chances de cura (nenhum estudo), as chances de concluir o tratamento contra a tuberculose (RR 0,99; 95% CI: 0,95 a 1,04;1 estudo, 302 participantes, evidência de qualidade muito baixa) ou se muda a proporção de pacientes com escarro positivo durante as 8 primeiras semanas de tratamento (RR 0,92; 95% CI: 0,63 a 1,35; 2 estudos, 1020 participantes, evidência de qualidade muito baixa). No entanto, a suplementação pode ter pouco ou nenhum efeito sobre o ganho de peso durante o tratamento (dados não combinados, 05 estudos, 2940 participantes, evidência de baixa qualidade) e nenhum estudo avaliou o efeito sobre a qualidade de vida.
Os níveis plasmáticos de vitamina A parecem aumentar após o início do tratamento para tuberculose, independente da suplementação. Em contraste, a suplementação provavelmente aumenta os níveis plasmáticos de zinco, vitamina D, vitamina E e selênio, mas não foi demonstrado que isso esteja associado a benefícios clínicos importantes. É importante notar que apesar de existir vários estudos de suplementação de vitamina D em diferentes doses, não foi demonstrado benefício na negativação do escarro.
Tradução do Centro Cochrane do Brasil (atualizado por Andréa Castro Porto Mazzucca) - contato: tradutores@centrocochranedobrasil.org.br