Introdução
As pessoas com demência frequentemente sofrem distúrbios do sono. Isso pode incluir sono reduzido à noite, despertares frequentes, perambulação noturna e sono excessivo durante o dia.
Esses comportamentos causam muito estresse nos cuidadores e podem estar associados à necessidade mais precoce de cuidado institucional para as pessoas com demência. Eles também podem ser difíceis de serem manejados pela equipe das instituições.
As abordagens de tratamento sem medicamentos devem ser experimentadas em primeiro lugar. No entanto, estas podem não ajudar e os medicamentos são frequentemente utilizados. Como a fonte dos problemas do sono pode ser alterações no cérebro causadas pela demência, não está claro se os comprimidos para dormir usuais são eficazes para pessoas com demência, havendo a preocupação de que os medicamentos possam causar efeitos colaterais significativos (danos).
O objetivo desta revisão
Nesta revisão Cochrane atualizada, tentamos identificar os benefícios e os danos comuns de qualquer medicamento usado para tratar problemas de sono em pessoas com demência.
Achados desta revisão
Procuramos até fevereiro de 2020 por estudos bem delineados que comparassem qualquer medicamento usado para tratar problemas de sono em pessoas com demência com um medicamento falso (placebo). Consultamos um painel de cuidadores para nos ajudar a identificar os desfechos clínicos mais importantes a serem procurados nos estudos.
Encontramos nove estudos (649 participantes) investigando quatro tipos de medicamentos: melatonina (cinco estudos), trazodona (um estudo), ramelteona (um estudo) e antagonistas da orexina (dois estudos). Os participantes de todos os testes tinham demência devido à doença de Alzheimer. O estudo da ramelteona, um estudo com a melatonina e ambos os estudos com antagonistas da orexina foram financiados comercialmente. De modo geral, as evidências eram de qualidade moderada ou baixa, o que significa que é provável que novas pesquisas afetem os resultados.
Os participantes do estudo da trazodona e a maior parte dos participantes dos estudos com a melatonina tinham demência moderada a grave, enquanto os participantes do estudo da ramelteona e dos estudos com antagonistas da orexina tinham demência leve a moderada.
Os cinco estudos com melatonina incluíram 253 participantes. Não encontramos evidências de que a melatonina tenha melhorado o sono em pessoas com demência devido à doença de Alzheimer. O estudo com a ramelteona tinha 74 participantes. As informações limitadas disponíveis não forneceram nenhuma evidência de que a ramelteona fosse melhor do que o placebo. Não houve danos graves com nenhum dos medicamentos.
O estudo com a trazodona tinha apenas 30 participantes. Foi demonstrado que uma dose baixa do antidepressivo sedativo trazodona, 50 mg, administrada à noite durante duas semanas, pode aumentar o tempo total de sono a cada noite (uma média de 43 minutos a mais no estudo) e pode melhorar a eficiência do sono (a porcentagem de tempo na cama que é gasto dormindo). Ela pode ter reduzido ligeiramente o tempo gasto acordado à noite após o primeiro adormecimento, mas não conseguimos ter certeza deste efeito. Ela não reduziu o número de vezes que os participantes acordavam à noite. Não foram relatados danos graves.
Os dois estudos com antagonistas da orexina tinham 323 participantes. Encontramos evidências de que um antagonista da orexina provavelmente tem alguns efeitos benéficos sobre o sono. Em média, os participantes dos estudos dormiram 28 minutos a mais à noite e passaram 15 minutos a menos acordados depois de adormecerem pela primeira vez. Houve também um pequeno aumento na eficiência do sono, mas nenhuma evidência de efeito sobre o número de vezes em que os participantes acordavam. Os efeitos colaterais não foram mais comuns nos participantes que tomaram os medicamentos em comparação com os que tomaram placebo.
Os medicamentos que pareciam ter efeitos benéficos sobre o sono não pareciam piorar as habilidades de pensamento dos participantes, mas esses estudos não avaliaram a qualidade de vida dos participantes, nem analisaram em nenhum detalhe os resultados para os cuidadores.
Limitações desta revisão
Embora tenhamos procurado, não encontramos estudos sobre outros medicamentos para dormir que são comumente prescritos para pessoas com demência. Todos os participantes tinham demência devido à doença de Alzheimer, embora problemas de sono também sejam comuns em outras formas de demência. Nenhum estudo avaliou o tempo que os participantes passavam dormindo sem interrupção, um resultado de alta prioridade para nosso painel de cuidadores. Apenas quatro estudos mediram os efeitos colaterais sistematicamente.
Concluímos que existem lacunas significativas nas evidências necessárias para orientar as decisões sobre medicamentos para problemas de sono em casos de demência. São necessários mais estudos para orientar a prática clínica. É essencial que os estudos incluam uma avaliação cuidadosa dos efeitos colaterais.
Descobrimos uma significativa falta de evidências para orientar as decisões sobre o tratamento medicamentoso dos problemas de sono na demência. Em particular, não encontramos ECRs sobre muitos medicamentos amplamente prescritos, incluindo os hipnóticos benzodiazepínicos e não-benzodiazepínicos, embora haja uma incerteza considerável sobre o balanço entre benefícios e riscos destes tratamentos usuais. Não encontramos evidências de efeitos benéficos da melatonina (até 10 mg) ou de um agonista do receptor de melatonina. Houve evidência de alguns efeitos benéficos nos desfechos do sono com a trazodona e os antagonistas da orexina, não havendo evidência de efeitos prejudiciais nestes estudos pequenos, embora sejam necessários ensaios maiores em uma gama mais ampla de participantes para permitir conclusões mais definitivas. A avaliação sistemática dos efeitos adversos em ensaios futuros é essencial.
Os distúrbios do sono, incluindo redução do tempo de sono noturno, fragmentação do sono, perambulação noturna e sonolência diurna são problemas clínicos comuns na demência, estando associados a significativa angústia dos cuidadores, aumento dos custos de saúde e institucionalização. Embora as intervenções não farmacológicas sejam recomendadas como abordagem de primeira linha para o manejo desses problemas, o tratamento medicamentoso é frequentemente procurado e utilizado. Entretanto, existe incerteza significativa em relação à eficácia e aos efeitos adversos dos vários medicamentos hipnóticos nesta população clinicamente vulnerável.
Avaliar os efeitos, incluindo os efeitos adversos comuns, de qualquer tratamento medicamentoso versus placebo para distúrbios do sono em pessoas com demência.
Pesquisamos na ALOIS(www.medicine.ox.ac.uk/alois), o Registro Especializado do Cochrane Dementia e o Cognitive Improvement Group, em 19 de fevereiro de 2020, usando os termos em inglês para: sono, insônia, circadiano, hipersonia, parassonia, sonolência, atividade de repouso e efeito do pôr-do-sol.
Incluímos ensaios randomizados controlados (ECRs) que comparavam um medicamento com placebo e que tinham como objetivo principal melhorar o sono em pessoas com demência que tinham um distúrbio do sono identificado no início do estudo.
Dois autores da revisão extraíram de forma independente os dados sobre o delineamento dos estudos, o risco de viés e os resultados. Utilizamos a diferença média (DM) ou risco relativo (RR) com intervalos de confiança (IC) de 95% como medidas de efeito dos tratamentos e, sempre que possível, sintetizamos os resultados utilizando um modelo de efeito fixo. Os principais desfechos clínicos a serem incluídos em nossas tabelas de resumo foram escolhidos com a ajuda de um painel de cuidadores. Utilizamos o método GRADE para avaliar a certeza das evidências.
Encontramos nove ECRs elegíveis investigando: melatonina (5 estudos, n = 222, mas apenas dois produziram dados sobre os desfechos primários de sono adequados para metanálise), o antidepressivo sedativo trazodona (1 estudo, n = 30), o agonista do receptor de melatonina ramelteona (1 estudo, n = 74, sem publicação revisada por pares) e os antagonistas da orexina suvorexanto e lemborexante (2 estudos, n = 323).
Os participantes do estudo da trazodona e a maioria dos participantes dos estudos com melatonina tinham demência moderada a grave devido à doença de Alzheimer (DA); os participantes do estudo da ramelteona e dos estudos com antagonistas da orexina tinham DA leve a moderada. Os participantes tinham uma variedade de problemas de sono frequentes no início do estudo. Os desfechos primários do sono foram medidos usando actigrafia ou polissonografia. Em um estudo, o tratamento com melatonina foi combinado com a terapia com luz. Apenas quatro estudos avaliaram sistematicamente os efeitos adversos. Em geral, consideramos os estudos como apresentando risco de viés baixo ou incerto.
Encontramos evidências de baixa certeza de que doses de melatonina de até 10 mg podem ter pouco ou nenhum efeito sobre qualquer desfecho importante do sono durante oito a 10 semanas em pessoas com DA e distúrbios do sono. Conseguimos sintetizar os dados para dois de nossos desfechos primários de sono: tempo total de sono noturno (TTSN) (DM 10,68 minutos, IC 95% -16,22 a 37,59; 2 estudos, n = 184) e a relação do sono diurno para o noturno (DM -0,13, IC 95% -0,29 a 0,03; 2 estudos; n = 184). A partir de estudos individuais, não encontramos evidências de um efeito da melatonina na eficiência do sono, no tempo de vigília após o início do sono, no número de despertares noturnos ou na duração média dos períodos de sono. Não foram relatados efeitos adversos graves com a melatonina.
Encontramos evidências de baixa certeza de que a trazodona 50 mg durante duas semanas pode melhorar o TTSN (DM 42,46 minutos, IC95% 0,9 a 84,0; 1 estudo, n = 30) e a eficiência do sono (DM 8,53%, IC 95% 1,9 a 15,1; 1 estudo, n = 30) em pessoas com DA moderada a grave. O efeito no tempo de vigília após o início do sono foi incerto devido à imprecisão muito grande (DM -20,41 minutos, IC 95% -60,4 a 19,6; 1 estudo, n = 30). Houve pouco ou nenhum efeito sobre o número de despertares noturnos (DM -3,71, IC 95% -8,2 a 0,8; 1 estudo, n = 30) ou o tempo de sono durante o dia (DM 5,12 minutos, IC 95% -28,2 a 38,4). Não foram relatados efeitos adversos graves com a trazodona.
O ensaio pequeno (n = 74) de fase 2 que investigou a ramelteona 8 mg foi relatado apenas de forma resumida no site do patrocinador. Consideramos que a certeza da evidência baixa. Não houve evidência de qualquer efeito importante da ramelteona sobre qualquer desfecho noturno do sono. Não houve efeitos adversos graves.
Encontramos evidências de certeza moderada de que o antagonista da orexina tomado durante quatro semanas por pessoas com DA leve a moderada provavelmente aumenta o TTSN(DM 28,2 minutos, IC 95% 11,1 a 45,3; 1 estudo, n = 274) e diminui o tempo de vigília após o início do sono (DM -15,7 minutos, IC 95% -28,1 a -3,3; 1 estudo, n = 274), mas têm pouco ou nenhum efeito sobre o número de despertares (DM 0,0, IC 95% -0,5 a 0,5; 1 estudo, n = 274). Eles podem estar associados a um pequeno aumento na eficiência do sono (DM 4,26%, IC 95% 1,26 a 7,26; 2 estudos, n = 312), não têm efeito claro sobre a latência do sono (DM -12,1 minutos, IC 95% -25,9 a 1,7; 1 estudo, n = 274) e podem ter pouco ou nenhum efeito sobre a duração média dos períodos de sono (DM -2,42 minutos, IC 95% -5,53 a 0,7; 1 estudo, n = 38). Os eventos adversos provavelmente não foram mais comuns entre os participantes que tomaram antagonistas da orexina em relação àqueles que tomaram placebo (RR 1,29, IC 95% 0,83 a 1,99; 2 estudos, n = 323).
Tradução do Cochrane Brazil (André Islabão e Aline Rocha). Contato: tradutores.cochrane.br@gmail.com