Contexto e objetivos da revisão
A dor muscular de início tardio é descrita como uma sensação de desconforto muscular sentido após o exercício físico de alta intensidade ou ao qual não se está adaptado. Visando a prevenção e tratamento da dor muscular após o exercício, várias terapias têm sido utilizadas para otimizar o processo de recuperação muscular. A crioterapia de corpo inteiro (CCI) é um recurso terapêutico recente, que consiste em uma única ou repetidas exposições do corpo ao ar extremamente frio (abaixo de -100 ° C) por meio de crio-câmaras ou crio-cabines por um período de 2 a 4 minutos. Esta revisão teve como objetivo investigar se CCI reduz a dor muscular, melhora a recuperação e se é uma terapia segura para os usuários.
Resultado da pesquisa
Nós buscamos nas bases de dados médicas até agosto de 2015 por estudos que comparassem CCI com uma intervenção controle, bem como repouso passivo, não tratamento ou com outra intervenção ativa como crioterapia de imersão. Nós encontramos quatro estudos, com um total de 64 participantes adultos jovens fisicamente ativos. Apenas quatro participantes eram do sexo feminino, prevalecendo o sexo masculino como maioria. Os estudos eram diferentes quanto ao tipo, temperatura, duração e frequência da CCI e quanto aos exercícios físicos que induziram a dor muscular. Houve duas comparações: CCI comparada com intervenção controle e CCI comparada com terapia com infravermelho.
Principais resultados
Os quatro estudos compararam CCI com descanso passivo ou não tratamento. Existe alguma evidência de que CCI pode reduzir dor muscular (dor em repouso) em 1, 24, 48 e 72 horas após o exercício. No entanto, existe também a possibilidade de que CCI não faça diferença ou até provoque exacerbação da dor muscular. Novos estudos poderão modificar a evidência de que CCI pode promover bem-estar em 24 horas. Nenhum estudo relatou e, provavelmente, nenhum deles monitorou efeitos adversos nos participantes dos quatro estudos.
Um estudo, com pequeno tamanho de amostra, comparou CCI com a terapia com infravermelho demonstrando níveis mais baixos de dor muscular uma hora após o tratamento.
Qualidade da evidência
Os quatro estudos incluídos apresentaram aspectos que comprometeram a confiabilidade de seus resultados. Todos os desfechos apresentaram qualidade muito baixa da evidência. Há muita incerteza quanto aos resultados, sendo necessárias novas pesquisas que poderão modificar as conclusões desta revisão.
Conclusões
A evidência atualmente disponível é insuficiente para apoiar o uso da CCI na prevenção e tratamento da dor muscular após o exercício físico em adultos. Além disso, a prescrição mais adequada bem como a segurança da terapia permanecem desconhecidas.
A evidência é insuficiente para determinar que a crioterapia de corpo inteiro (CCI) reduz dor muscular por meio do autorrelato, ou a melhora da recuperação subjetiva após o exercício, quando comparada com o repouso passivo ou com não usar CCI em homens adultos jovens fisicamente ativos. Não há evidências sobre o uso desta intervenção em mulheres ou atletas de elite. Os estudos não relataram eventos adversos, o que seria importante, uma vez que a exposição a temperaturas extremas constitui um risco potencial. Novos estudos com boa qualidade metodológica são necessários e devem fornecer detalhes sobre os efeitos adversos da intervenção.
Estratégias de recuperação são frequentemente usadas com a intenção de prevenir ou minimizar a dor muscular após o exercício. A crioterapia de corpo inteiro é um recurso terapêutico que consiste em uma ou mais exposições repetidas ao ar seco extremamente frio (abaixo de -100 ° C) em uma câmara ou cabine especializada por um período de dois a quatro minutos por exposição. Esta forma de crioterapia vem sendo defendida como uma intervenção efetiva na redução da dor muscular após o exercício.
Avaliar os efeitos (benefícios e danos) da crioterapia de corpo inteiro (exposição extrema ao ar frio) na prevenção e tratamento da dor muscular após o exercício físico em adultos.
Buscamos nas seguintes bases de dados: Cochrane Bone, Joint and Muscle Trauma Group Specialised Register, the Cochrane Central Register of Controlled Trials, MEDLINE, EMBASE, CINAHL, the British Nursing Index the Physiotherapy Evidence Database. Nós também pesquisamos em listas de referências de artigos, registros de estudos clínicos, anais de congresso, busca manual e contatos com especialistas. Realizamos as buscas em agosto de 2015.
Elegemos para inclusão ensaios clínicos randomizados e quasi-randomizados que comparam o uso da crioterapia de corpo inteiro (CCI) com: intervenção passiva ou de controle (descanso, não tratamento ou placebo) ou intervenções ativas, incluindo imersão em água fria ou imersão em água de contraste, recuperação ativa e terapia com infravermelho para tratamento ou prevenção da dor muscular após exercício físico em adultos. Os ensaios clinicos randomizados eram selecionados quando compararam diferentes durações ou dosagens de CCI. O desfecho primário pré-especificado foi dor muscular, recuperação subjetiva (por exemplo cansaço, bem-estar) e efeitos adversos.
Dois autores da revisão, de forma independente, realizaram a seleção dos estudos, avaliaram o risco de viés, extração dos dados e checagem dos resultados. Quando possível, nós agrupamos os resultados de estudos comparáveis e, nos casos de heterogeneidade substancial, aplicamos o modelo de efeitos randômicos. Nós avaliamos a qualidade da evidência utilizando o GRADE.
Nós incluímos quatro ensaios clínicos randomizados e controlados, sendo que destes, dois estudos eram do tipo paralelo (44 participantes) e dois do tipo cross-over (20 participantes), totalizando uma amostra de 64 adultos fisicamente ativos, predominantemente jovens (idade média 23 anos). Todos os participantes, exceto quatro, eram do sexo masculino. Os estudos eram heterogêneos em relação ao tipo, temperatura, duração e frequência da CCI e quanto ao tipo de exercício físico realizado anteriormente. Nenhum dos estudos relatou vigilância ativa de eventos adversos predefinidos. Os quatro estudos incluídos apresentaram alto risco de viés, comprometendo a confiabilidade dos achados. As evidências para todos os desfechos foram classificadas como de qualidade "muito baixa" de acordo com os critérios do GRADE.
Os estudos incluídos avaliaram duas comparações: CCI versus controle (repouso ou não CCI), testada em todos os estudos, e CCI versus terapia com infravermelho, testada em apenas um estudo. Não houve estudos que comparassem CCI com intervenções ativas, como imersão em água fria ou diferentes tipos e aplicações de CCI.
Todos os quatro estudos compararam CCI com descanso ou não CCI. A qualidade da evidência foi muito baixa para os escores mais baixos de dor muscular autorrelatada (dor ao repouso) após CCI em 1 hora (diferença média padronizada (DMP) -0.77, 95% intervalo de confiança (IC) -1,42 a -0,12; 20 participantes, 2 estudos cross-over); 24 horas (DMP -0,57, 95% IC -1,48 a 0,33) e 48 horas (DMP -0,58, 95% IC -1,37 a 0,21), ambos com 38 participantes, 2 estudos tipo cross-over, 1 estudo paralelo; e 72 horas (DMP -0,65, 95% intervalo de confiança -2,54 a 1,24; 29 participantes, 1 estudo tipo cross-over, 1 estudo paralelo). É de salientar que os ICs de 95% não incluíram diferenças entre grupos e nem benefício a favor do grupo controle. Um estudo pequeno do tipo cross-over (9 participantes) não encontrou diferenças quanto ao cansaço, mas promoveu melhor bem-estar com CCI 24 horas pós o exercício físico. Não houve relato de eventos adversos.
Outro pequeno estudo tipo cross-over com nove corredores bem treinados apresentou evidências de muito baixa qualidade para os níveis mais baixos de dor muscular após CCI, quando comparado com a terapia com infravermelho, em 1 hora de acompanhamento, mas não em 24 ou 48 horas. O mesmo estudo não encontrou diferença em relação ao bem-estar, mas diminuição do cansaço com CCI 24 horas pós exercício. Não houve relato de eventos adversos.
Tradução do Centro Cochrane do Brasil (Ana Carla Silva dos Santos) – contato: tradutores@centrocochranedobrasil.org.br