Pergunta da revisão
Revisamos as evidências sobre a efetividade e a segurança de dar soro na veia contendo uma solução salina hipertônica (solução concentrada de sal) versus outros tipos de soro para reduzir a pressão intracraniana (pressão dentro e ao redor do cérebro) de pessoas que tiveram uma lesão cerebral traumática aguda.
Introdução
A lesão cerebral traumática aguda (lesão cerebral súbita e grave, muitas vezes devido a acidentes) é uma das principais causas de morte e incapacidade em todo o mundo, especialmente em crianças e jovens. Quando o cérebro sofre um dano, é comum aparecer hipertensão intracraniana (o aumento da pressão dentro e ao redor do cérebro). Isso ocorre porque o crânio é um compartimento rígido que contém três coisas: tecido cerebral mole, sangue, e líquido cefalorraquidiano. Se ocorrer um aumento no volume de um dos componentes, como um hematoma (coleção de sangue) dentro do tecido mole do cérebro, o volume de um ou mais dos outros componentes tem que diminuir. Se isso não ocorrer, a pressão intracraniana aumentará. Se a pressão intracraniana aumenta para além de um certo ponto, ela causa um desequilíbrio e a circulação de sangue no cérebro pode se tornar perigosamente baixa. O aumento da pressão intracraniana pode causar efeitos graves que incluem danos cerebrais e morte. A terapia hiperosmolar é um tratamento importante para pessoas que têm aumento da pressão intracraniana. Um tipo de terapia hiperosmolar envolve a administração de uma solução salina (sal) concentrada (hipertônica) na veia. Outras substâncias, como o manitol (um tipo de açúcar), também podem ser usadas. Esses tratamentos podem diminuir a pressão intracraniana ao reduzir o volume de água dentro das células cerebrais e entre elas.
Características dos estudos
Em dezembro de 2019, os autores desta revisão buscaram ensaios clínicos randomizados (um tipo de estudo) que compararam a eficácia e a segurança da solução salina hipertônica versus outros tipos de soros usados para baixar a pressão intracraniana em pessoas com lesão cerebral traumática aguda. Os autores da revisão pesquisaram em muitas bases de dados médicos e identificaram seis estudos relevantes, com dados provenientes de 287 participantes. Todos os estudos foram ensaios clínicos controlados e randomizados. Esse tipo de estudo é o que produz evidências mais confiáveis. Três estudos foram feitos na Índia, um na França, um na Alemanha, e um outro incluiu pessoas da França e de Israel. A maioria dos participantes dos estudos (91%) tinha lesões cerebrais traumáticas. Os estudos compararam várias concentrações de solução salina hipertônica versus manitol ou manitol mais glicerol.
Principais resultados
Com base nos dados limitados desses seis estudos, não há evidência clara para apoiar o uso do soro com solução salina hipertônica ao invés do soro com manitol para pessoas com lesões cerebrais traumáticas agudas. Os efeitos adversos dos tratamentos não foram avaliados nos estudos.
Mais pesquisas são necessárias. Os estudos futuros devem ser maiores e mais bem descritos. Futuros estudos devem avaliar qual seria a concentração específica de soro e o período de tempo durante o qual o soro deve ser dado para obter os melhores resultados no tratamento de pessoas com aumento da pressão intracraniana após uma lesão cerebral traumática.
Esta revisão procurou por estudos que compararam o uso de solução salina hipertônica versus qualquer outro agente para redução da pressão intracraniana. Porém, encontramos apenas estudos que testaram manitol ou manitol mais glicerol no grupo controle. Baseado nos poucos dados disponíveis, existe evidência fraca de que, no longo prazo, a solução salina hipertônica não é mais efetiva ou segura do que o manitol no tratamento de pacientes com lesão cerebral traumática aguda. É necessário fazer grandes ensaios clínicos multicêntricos, que sejam registrados prospectivamente, e que sejam descritos conforme recomendado pelas melhores diretrizes de publicação atuais. Os estudos devem investigar questões como o tipo de lesão cerebral traumática sofrida pelos participantes, bem como a concentração e o tempo de administração da solução.
O aumento da pressão intracraniana está associado a piores desfechos neurológicos e aumento da mortalidade nos pacientes com lesão cerebral traumática aguda. Atualmente, a maioria dos esforços para tratar essas lesões está voltada para o controle da pressão intracraniana. A solução salina hipertônica é uma terapia hiperosmolar usada em pacientes com lesões cerebrais traumáticas para reduzir a pressão intracraniana. Ainda existem dúvidas quanto à efetividade, no curto e longo prazo, do uso de solução salina hipertônica versus outros agentes que diminuem a pressão intracraniana, no tratamento de pacientes com lesões cerebrais traumáticas agudas.
Avaliar a eficácia e a segurança do uso de solução salina hipertônica versus outros agentes redutores da pressão intracraniana no manejo de pacientes com lesões cerebrais traumáticas agudas.
Em 11 de dezembro de 2019 fizemos buscas nas seguintes bases eletrônicas: Registro Especializado do Cochrane Injuries, CENTRAL, PubMed, Embase Classic+Embase, ISI Web of Science, Science Citation Index e Conference Proceedings Citation Index-Science e em plataformas de registro de ensaios clínicos. Também fizemos buscas em quatro grandes bases de dados chinesas, em 19 de setembro de 2018. Complementamos a busca revisando as listas de referências e entramos em contato com autores de ensaios clínicos para identificar estudos adicionais.
Procuramos identificar todos os estudos clínicos controlados e randomizados que compararam o uso de solução salina hipertônica versus outros agentes redutores de pressão intracraniana em pessoas com lesões cerebrais traumáticas agudas de qualquer gravidade. Excluímos os estudos cruzados (crossover) porque não permitem a avaliação dos desfechos no longo prazo.
Dois autores de revisão, trabalhando de forma independente, avaliaram os resultados da busca para identificar estudos potencialmente elegíveis e extraíram dados usando um formulário padrão. Os desfechos foram: mortalidade (por todas as causa) ao fim do seguimento, morte ou incapacidade (pela Escala de Desfecho Glasgow), pressão intracraniana não controlada (definida como falha em reduzir a pressão intracraniana para a meta estipulada e/ou necessidade de intervenção adicional), eventos adversos (como fenômenos de rebote), edema pulmonar, e insuficiência renal aguda durante o tratamento.
Seis ensaios clínicos randomizados, envolvendo dados de 287 pessoas, preencheram os critérios de inclusão. A maioria dos participantes (91%) teve um diagnóstico de lesão cerebral traumática grave. Todos os estudos tinham vários domínios com risco de viés. Não houve cegamento confiável dos médicos. Dois estudos tinham participantes com outros diagnósticos além de lesão cerebral traumática. Um estudo tinha falta de dados de desfechos importantes. Apenas um estudo tinha um protocolo original. Os outros estudos que tinham protocolos haviam feito o registro retrospectivamente.
Pudemos fazer metanálises para o desfecho primário (mortalidade no seguimento final) e ´desfechos ruins´ (de acordo com os critérios convencionais dicotômicos da Escala de Desfecho de Glasgow) com apenas dois estudos. A avaliação dos desfechos no longo prazo foi prejudicada porque dois estudos pararam de colher dados duas horas após administrar uma única dose em bolus do medicamento e, um estudo parou de colher dados a partir da alta da unidade de terapia intensiva (UTI). Apenas três estudos coletaram dados após a alta hospitalar. Um desses estudos não relatou mortalidade e relatou “desfechos ruins”, pelos critérios da Escala de Desfecho de Glasgow de uma forma não convencional. Devido à falta de dados de muitos participantes em um estudo-chave, tivemos que fazer estimativas usando a técnica de pior e melhor cenário na metanálise, além da estimativa de efeito usando os dados disponíveis. Em nenhum dos cenários se detectou uma diferença clara entre os tratamentos para mortalidade ou desfecho neurológico ruim.
Devido à heterogeneidade no modo de administrar os medicamentos, (incluindo se houve ou não drenagem prévia do líquido cefalorraquidiano-LCR), aos diferentes tempos de seguimento e formas de relatar alterações na pressão intracraniana, assim como a falta de definição uniforme para “pressão intracraniana não controlada”, não realizamos metanálise para esse desfecho. Apresentamos os resultados desse desfecho de forma narrativa para cada estudo. Os estudos tenderam a relatar que ambos os tratamentos foram efetivos na redução da pressão intracraniana elevada, mas que a solução salina hipertônica teve benefícios adicionais. Os autores dos estudos também declararam que fatores de pré-tratamento deveriam ser considerados (por exemplo, sódio sérico e hemodinâmica tanto sistêmica quanto cerebral). Nenhum estudo apresentou dados sobre nossos outros desfechos de interesse. Consideramos que a qualidade da evidência para todos os desfechos foi muito baixa, segundo o GRADE. Rebaixamos todas as conclusões por imprecisão (pequeno tamanho amostral), evidência indireta (escolha da forma de medir o desfecho e/ou seleção de participantes sem lesão cerebral traumática) e, em alguns casos, devido ao risco de viés e inconsistência.
Apenas um dos estudos incluídos relatou dados de efeitos adversos: um caso de fenômeno de rebote no grupo de comparação (manitol). Nenhum dos estudos relatou dados sobre edema pulmonar ou insuficiência renal aguda durante o tratamento. No geral, os autores dos estudos não parecem ter procurado coletar de forma rigorosa dados sobre eventos adversos.
Tradução do Centro Afiliado Paraíba, Cochrane Brasil (João Pedro Maia Medeiros e David Cesarino de Sousa). Contato: tradutores@centrocochranedobrasil.org.br