Introdução
A síndrome de Down (também conhecida como mongolismo ou trissomia do cromossomo 21) é uma doença genética incurável que causa problemas e deficiências mentais e físicas significativas. No entanto, a forma como a síndrome de Down afeta cada pessoa pode variar bastante. Alguns indivíduos com Down têm um comprometimento mais grave enquanto outros têm problemas leves e são capazes de levar uma vida relativamente normal. Não existe um modo de predizer quão gravemente um bebê com síndrome de Down será afetado pela doença.
A possibilidade de diagnosticar durante a gravidez se o bebê terá síndrome de Down é oferecida aos pais para ajudá-los na tomada de decisões. Se uma mãe descobre que está gestando um bebê com Down, existe a possibilidade de os pais decidirem interromper a gestação (isso não é permitido em todos os países) ou então continuar com a gestação e ter o bebê. Saber de antemão como será o bebê oferece aos pais a oportunidade de planejar a vida com uma criança com Down.
Os exames mais precisos para diagnosticar a síndrome de Down durante a gravidez consistem em retirar um pouco do líquido que fica em volta do bebê (amniocentese) ou pequenos fragmentos no tecido da placenta (biópsia de vilocorial, BVC) para analisar os cromossomos do bebê. Ambos exames envolvem a inserção de uma agulha dentro da barriga da gestante e podem aumentar o risco de ocorrer um aborto espontâneo logo depois do procedimento. Por isso, não é recomendável que todas as gestantes façam esses exames diagnósticos. Em vez disso, existem testes de rastreamento que procuram detectar marcadores da síndrome de Down na ultrassonografia obstétrica, no sangue ou na urina da gestante. Porém, esses testes de rastreamento não são perfeitos. Eles podem deixar de detectar alguns bebês com Down e também podem dar um resultado indicando que há um “alto risco" de o bebê ter a doença em mulheres cujos bebês são normais (ou seja, não têm síndrome de Down). As gestantes com testes de rastreamento positivos (indicando alto risco para Down) são orientadas a fazer outros exames, como a amniocentese ou a BVC, para confirmar o diagnóstico de Down.
O que fizemos? O objetivo desta revisão foi descobrir qual dos testes urinários de rastreamento para síndrome de Down feitos durante as primeiras 24 semanas de gravidez é mais preciso em predizer o risco de o bebê ter a doença. Examinamos sete diferentes tipos de marcadores urinários que podem ser usados isoladamente, em duplas ou em combinações, colhidos antes da 24ª semana de gravidez. Isso nos levou a investigar 24 testes urinários de rastreamento para Down. Encontramos 19 estudos sobre isso, envolvendo 18.013 gestantes das quais 527 tinham bebês com síndrome de Down.
O que encontramos?
As evidências não apoiam o uso dos testes urinários para rastrear a síndrome de Down nas primeiras 24 semanas de gravidez. As evidências existentes são limitadas. Esses testes não são oferecidos habitualmente na prática clínica.
Outras informações importantes a considerar
Os testes urinários em si não têm efeitos adversos para as mulheres. No entanto, algumas mulheres que recebem o resultado do teste urinário indicando “alto risco” para Down acabam fazendo amniocentese ou BVC e esses procedimentos invasivos podem aumentar seu risco de abortar um bebê não afetado pela síndrome de Down. Os pais devem levar em consideração esse risco ao decidirem se devem ou não fazer a amniocentese ou BVC após receberem um resultado de “alto risco” no teste de rastreamento.
Os testes de rastreamento de síndrome de Down no segundo trimestre envolvendo dosagens urinárias do fragmento ß-core e estriol mais idade materna são significativamente mais sensíveis do que os testes urinários com apenas fragmentos ß-core mais idade materna. Porém, existem poucos estudos sobre isso. Há uma escassez de evidências disponíveis para apoiar o uso dos testes urinários maternos para rastrear síndrome de Down na prática clínica, enquanto existem outras alternativas disponíveis para o rastreamento dessa condição.
A síndrome de Down ocorre quando uma pessoa tem três cópias, em vez de duas cópias, do cromossomo 21, ou três cópias de uma área específica do cromossomo 21 responsável por causar síndrome de Down. A síndrome de Down é a principal causa congênita de atraso mental e também leva a numerosos problemas físicos e metabólicos. A síndrome pode ser fatal ou levar a problemas de saúde importantes, embora alguns indivíduos com Down tenham apenas problemas leves e possam levar uma vida relativamente normal. Ter um bebê com síndrome de Down pode ter um impacto significante na vida familiar. O risco de ter um bebê com síndrome de Down aumenta conforme as mulheres se tornam mais velhas.
Os testes de rastreamento não invasivos para síndrome de Down baseados em análises bioquímicas no soro ou urina materna, ou em medidas ultrassonográficas do feto, permitem estimar o risco de o bebê ser afetado e fornecem informações que ajudam na tomada de decisão sobre a realização dos testes diagnósticos definitivos. Antes de realizar os testes de rastreamento para a síndrome de Down, os pais precisam receber informações sobre os riscos, benefícios e possíveis consequências desses testes. Isto inclui saber que, depois de receber o resultado do teste de rastreamento, eles deverão decidir sobre fazer ou não testes diagnósticos, e as implicações dessa decisão. Por exemplo, o teste de rastreamento pode dar um resultado falso-negativo (indicando que o bebê seria normal quando na realidade ele terá a síndrome de Down) ou falso-positivo (e isso implica no risco de perder um bebê sem nenhum problema nos cromossomos em decorrência do teste diagnóstico invasivo, devido a um resultado do teste de rastreamento sugestivo de síndrome de Down). As decisões que os pais enfrentam nesses casos inevitavelmente geram muita ansiedade, com consequente repercussões sobre sua saúde física e psicológica. Nenhum teste de rastreamento pode predizer qual será o grau de comprometimento da criança com síndrome de Down.
Estimar e comparar a acurácia de testes com marcadores urinários no primeiro e segundo trimestres para detecção da síndrome de Down.
Realizamos uma busca sensível e abrangente da literatura nas seguintes bases de dados: Medline (de 1980 a 25 de agosto de 2011), EMBASE (de 1980 a 25 de agosto de 2011), BIOSIS via EDINA (de 1985 a 25 de agosto de 2011), CINAHL via OVID (de 1982 a 25 de agosto de 2011), The Database of Abstracts of Reviews of Effectiveness (The Cochrane Library2011, Issue 7), MEDION (25 de agosto de 2011), The Database of Systematic Reviews and Meta-Analyses in Laboratory Medicine (25 de agosto de 2011), The National Research Register (arquivado em 2007) e Health Services Research Projects in Progress database (25 de agosto de 2011). Também avaliamos as listas de referências e artigos de revisão publicados sobre o tema.
Incluímos estudos que compararam testes na urina de mulheres com até 24 semanas de gestação para rastrear síndrome de Down versus o padrão ouro (exames cromossômicos ou exame físico macroscópico do recém-nascido).
Coletamos, de cada estudo, o número de testes positivos ou negativos para gestações com e sem síndrome de Down, o que permitiu uma estimativa das taxas de detecção (sensibilidade) e de falsos positivos (1 – especificidade). Realizamos a avaliação de qualidade metodológica dos estudos incluídos conforme recomendado pelo QUADAS (Avaliação de Qualidade dos Estudos de Acurácia Diagnóstica). Utilizamos curvas ROC hierarquizadas em metanálises para avaliar o desempenho e comparar a acurácia dos testes. Realizamos análises dos estudos que permitiram uma comparação direta entre os testes. Investigamos o impacto da idade materna sobre o desempenho dos testes nas análises de subgrupos.
Incluímos 19 estudos envolvendo 18.013 gestantes (527 delas com fetos com síndrome de Down). No geral, os estudos eram de alta qualidade, porém a confirmação diagnóstica usando o teste invasivo tenha sido feita, geralmente, apenas nas gestantes de alto risco. Avaliamos 24 possíveis testes, a partir da combinação de 7 diferentes marcadores associados ou não com a idade materna: AFP (alfa-fetoproteína), ATI (antígeno trofoblástico invasivo), fragmento ß-core, ßhCG livre (gonadotrofina coriônica humana beta), hCG total, estriol, peptídeo gonadotrófico e índices criados a partir da relação entre as concentrações de diversos marcadores. As estratégias de rastreamento avaliadas incluíram 3 testes duplos e 7 testes isolados em combinação com a idade materna, 1 teste triplo, 2 testes duplos e 11 testes isolados não combinados com a idade materna. A maioria dos estudos (12 dos 19) avaliou o desempenho de apenas um teste simples enquanto 7 estudos avaliaram ao menos duas estratégias de testes de rastreamento. Duas combinações de marcadores foram avaliadas em mais de 4 estudos; fragmento ß-core no segundo trimestre (6 estudos), e fragmentos de ß-core no segundo trimestre mais idade gestacional (5 estudos).
Nas comparações diretas entre testes, para uma taxa de falso positivo de 5% (TFP), a acurácia diagnóstica do teste com dois marcadores (fragmento ß-core e estriol) no segundo trimestre mais idade materna foi significativamente melhor do que o teste com um marcador (fragmento ß-core) mais idade materna: odds ratio de proporção de diagnósticos (ODPD) 2,2, intervalo de confiança de 95% (IC) de 1,1 a 4,5, P = 0,02, medida de efeito sumário da metanálise de sensibilidade 56%, IC 45 a 66, com ponto de corte de TFP de 5%. Porém, o teste com dois marcadores no segundo trimestre mais idade materna não foi significativamente melhor do que a relação fragmento ß-core/estriol mais idade materna: ODPD 1,5, IC 0,8 a 2,8, P = 0.21, metanálise de sensibilidade 71%, IC 51 a 86, com ponto de corte de TFP de 5%.
Tradução feita pela Cochrane Brazil (Fernando Takashi Kojima Marques) Contato: tradutores@centrocochranedobrasil.org.br