Contextualização
A dor no ombro é mais frequentemente causada por patologia na coifa dos rotadores ou capsulite adesiva (“ombro congelado”). A coifa dos rotadores é um grupo de tendões que mantém a articulação do ombro no lugar, permitindo às pessoas levantar o braço. A dor no ombro pode estar relacionada com o desgaste ou a inflamação dos tendões do ombro, ou a pressão nos tendões pelo osso sobrejacente ao levantar o braço (impingement). Ambas as condições causam dor com o movimento e frequentemente dor durante a noite e ao dormir para o lado afetado; a capsulite adesiva também causa rigidez no ombro.
As infiltrações de glicocorticoides podem aliviar a dor no ombro, mas o seu efeito normalmente desaparece após seis a oito semanas. Tradicionalmente, as infiltrações são realizadas utilizando marcos anatómicos em redor do ombro. Por vezes, são utilizadas técnicas de imagem, tais como ultrassom, para orientar com maior precisão as infiltrações no ombro. Não se sabe se a infiltração guiada por imagem alivia a dor no ombro de forma mais eficaz do que as infiltrações realizadas sem imagem.
Caraterísticas do estudo
Esta Revisão Cochrane encontra-se atualizada até 15 de fevereiro de 2021. Dezanove ensaios (1035 participantes) compararam a infiltração guiada por ultrassons com a infiltração 'cega'. Catorze ensaios incluíram participantes com doença da coifa dos rotadores, quatro com capsulite adesiva e um com dores mistas do ombro. Foram realizados ensaios na Coreia do Sul, Taiwan, Irão, Turquia, Austrália, Noruega, Espanha, Irlanda, Índia e Suíça. A maioria dos participantes eram do sexo feminino, com uma idade média de 31 a 60 anos e duração média dos sintomas de 2 a 23 meses. Seis estudos relataram fontes de financiamento.
Principais resultados
Em comparação com a infiltração no ombro sem orientação de imagem, a infiltração guiada por ultrassons resultou em pouco ou nenhum benefício a três e seis semanas:
Dor (menor pontuação significa menor intensidade da dor)
Melhorada em mais 0,5 pontos (mais de 0,2 a mais de 0,8 pontos) numa escala de 0 a 10 pontos. Diferenças de 0,5 a 1,0 pontos são consideradas ligeiras ou pequenas e é pouco provável que sejam clinicamente importantes.
- As pessoas que tiveram infiltração guiada por ultrassons classificaram a sua dor em 2,6 pontos
- As pessoas que tiveram infiltração sem orientação de imagem classificaram a sua dor como 3,1 pontos
Função (pontuações maiores significam melhor função)
Melhorada em mais 2,4 pontos (mais de 0,2 a mais de 5,1 pontos) numa escala de 0 a 100 pontos. Diferenças abaixo de 10 pontos são consideradas ligeiras ou pequenas e é pouco provável que sejam clinicamente importantes.
- As pessoas que tiveram infiltração guiada por ultrassons classificaram a sua função em 70,4 pontos
- As pessoas que tiveram infiltração sem orientação de imagem classificaram a sua função em 68 pontos
Qualidade de vida (pontuações mais altas significam melhor qualidade de vida)
Melhorada em 2,8 pontos (menos de 0,7 a mais de 6,4 pontos) numa escala de 0 a 100 pontos.
- As pessoas que tiveram infiltração guiada por ultrassons classificaram a sua qualidade de vida em 67,8 pontos
- As pessoas que tiveram infiltração sem orientação de imagem classificaram a sua qualidade de vida em 65 pontos
Sucesso do tratamento (definido como uma melhoria moderada ou significativa da intensidade da dor)
Mais de 22% dos participantes avaliou o tratamento como um sucesso (menos de 4% a mais de 62%), ou mais 22 pessoas em cada 100.
- 61 em cada 100 participantes reportaram sucesso do tratamento com infiltração guiada por ultrassons
- 39 em cada 100 participantes reportaram sucesso do tratamento com infiltração sem orientação de imagem
Eventos adversos
7% menos pessoas (menos de 15% a mais de 7%) tiveram eventos adversos (dor pós-infiltração, eritema facial e calor) com infiltração guiada por ultra-sons.
- 18 em cada 100 participantes reportaram eventos adversos com infiltração guiada por ultrassons
- 25 em cada 100 participantes reportaram eventos adversos com infiltração sem orientação de imagem
Eventos adversos graves
Cinco ensaios relataram que não houve eventos adversos graves (como infeção ou lesão de nervo) com ou sem o uso de orientação de ultrassons na infiltração.
Exclusão do estudo devido a eventos adversos
Um ensaio relatou que 1/53 (ou 19 em 1000) pessoas que receberam a infiltração sem orientação de imagem abandonaram o estudo devido a eventos adversos, enquanto ninguém (0/53) no grupo de infiltração guiada por ultrassons abandonou devido a eventos adversos.
Qualidade da evidência
Evidência de baixa a moderada certeza mostra que em pessoas com dores no ombro, a infiltração guiada por ultra-sons não proporciona benefícios clinicamente importantes em termos de dor, função ou qualidade de vida quando comparada com a infiltração não guiada por imagem, nem reduz o risco de eventos adversos. Estes achados foram consistentes em diferentes patologias do ombro. É pouco provável que mais investigação de alta qualidade venha a alterar as conclusões desta revisão.
Traduzido por: André Coelho dos Santos, Unidade de Saúde Familiar São Domingos de Gusmão, Agrupamento de Centros de Saúde de Cascais, com o apoio da Cochrane Portugal. Revisão final: Ricardo Manuel Delgado, Cochrane Portugal.