Efeitos dos remédios para tratar epilepsia na gestação sobre o desenvolvimento da criança

Justificativa

A maioria das mulheres que têm epilepsia deve continuar com a medicação anticonvulsivante durante a gravidez, para evitar que tenham problemas de saúde. Porém, ao longo dos últimos 25 anos, as pesquisas mostraram que crianças expostas a esses medicamentos no útero podem ter um risco maior de ter um defeito de nascença ou problemas no seu desenvolvimento.

Objetivos da pesquisa

Esta revisão teve como objetivo investigar se as crianças expostas durante a vida fetal a drogas antiepilépticas teriam maior risco de ter atraso no desenvolvimento neurológico evidenciado por problemas de linguagem, memória ou QI (quociente de inteligência) mais baixo.

Características dos estudos

A revisão incluiu 28 estudos. Os participantes eram gestantes com epilepsia que faziam uso de drogas antiepiléticas comuns, que foram comparadas com gestantes sem epilepsia ou com gestantes com epilepsia, mas que não foram tratadas com medicamentos antiepilépticos. Comparações também foram feitas entre crianças expostas a diferentes drogas antiepiléticas no útero. Esta revisão incluiu estudos publicados até maio de 2014.

Resultados

- As evidências para as crianças mais jovens expostas a carbamazepina no útero eram conflitantes, porém isso provavelmente foi devido a diferenças na maneira com que esses estudos foram realizados. A avaliação do QI das crianças mais velhas expostas à carbamazepina não foi menor do que o QI das crianças que não foram expostas. Não foi encontrada relação entre a dose de carbamazepina e a habilidade da criança.

- Tanto crianças mais jovens como as mais velhas expostas no útero ao valproato de sódio tiveram desenvolvimento cognitivo inferior em comparação com crianças não expostas e com crianças expostas a outros antiepilépticos. Seis estudos mostraram que existia uma ligação entre doses de valproato de sódio e a habilidade das crianças: quanto mais alta a dose de valprotato tomada pela mãe, mais baixo era o QI da criança. O nível dessa diferença pode levar a criança a ter problemas de atraso escolar.

- As crianças expostas à carbamazepina no útero não diferem em suas habilidades de crianças expostas à lamotrigina. Porém, existem muito poucos estudos sobre isso. Também não houve diferenças entre as crianças expostas à fenitoína durante a gestação e aquelas expostos à carbamazepina ou à lamotrigina.

- Existem poucos dados sobre medicamentos mais novos como lamotrigina, levetiracetam ou topiramato.

Qualidade dos estudos

A qualidade do desenho dos estudos variou. Os estudos mais recentes tiveram melhor pontuação de qualidade, o que sugere uma evidência mais confiável.

Conclusões

Esta revisão concluiu que as crianças expostas ao valproato de sódio no ventre materno têm maior risco de ter notas mais baixas no seu neurodesenvolvimento, tanto na primeira infância quanto na idade escolar. A maior parte da evidência indica que a exposição à carbamazepina no útero não está associada com o desenvolvimento neurológico inferior. Não existem dados para todas as drogas antiepiléticas que existem no mercado ou para todos os aspectos de desenvolvimento neurológico da criança. Isso significa uma tomada de decisão difícil para as mulheres e seus médicos. São necessários mais estudos para que as mulheres em idade fertil e seus médicos possam tomar decisões com base em evidências de pesquisas sobre qual é a melhor medicação para controlar a epilepsia nessa fase da vida.

Conclusão dos autores: 

O achado mais importante foi a redução do QI no grupo exposto ao valproato, suficiente para afetar a educação e as atividades laborais na vida adulta. No entanto, para algumas mulheres, o valproato de sódio é a droga mais eficaz no controle das convulsões. É necessário oferecer informações detalhadas sobre esses riscos no início do tratamento e no aconselhamento pré-concepcional para que possam ser tomadas decisões bem informadas sobre o tratamento da epilepsia em mulheres. Existem dados insuficientes sobre drogas antiepiléticas mais novas, algumas das quais são comumente prescritas, e mais pesquisas são necessárias nessa área. A maioria das mulheres com epilepsia deve continuar seu tratamento durante a gravidez, pois convulsões não controladas também acarretam risco para a mãe.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

Diversas evidências sugerem uma associação entre a exposição pré-natal a drogas antiepilépticas (DAE) e o aumento do risco de anomalias físicas e comprometimento do desenvolvimento neurológico dos bebês expostos. O comprometimento do desenvolvimento neurológico de uma criança é caracterizado por qualquer déficit específico, isolado ou um conjunto de déficits que afetam as funções cognitivas, motoras esociais, e pode ser transitório ou definitivo chegando até a vida adulta. É muito importante que esses possíveis riscos sejam identificados, minimizados e explicados claramente para as mulheres com epilepsia.

Objetivos: 

Avaliar os efeitos da exposição pré-natal a drogas antiepilépticas comumente prescritas sobre os resultados do desenvolvimento neurológico da criança e avaliar a qualidade metodológica da evidência.

Métodos de busca: 

Nós fizemos buscas nas seguintes bases de dados: Cochrane Epilepsy Group Specialized Register (maio 2014), no Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL), The Cochrane Library (2014), MEDLINE (de 1946 a maio de 2014), EMBASE (maio de 2014), Pharmline (maio de 2014) e REPROTOX (maio de 2014). Não foram fizemos restrições quanto aos idiomas das publicações. A busca foi complementada pela avaliação de resumos de congressos realizados nos últimos cinco anos e pela avaliação das listas de referências dos estudos incluídos.

Critério de seleção: 

Foram selecionados para a inclusão estudos de coorte prospectivos controlados, estudos de coorte em plataformas de registro de gestações e ensaios clínicos randomizados. Os participantes eram gestantes em tratamento com medicamentos para epilepsia; os dois grupos de controle eram gestantes sem epilepsia e com epilepsia que não estavam tomando medicamentos durante a gravidez.

Coleta dos dados e análises: 

Três autores independentes (RB, JW e JG) fizeram a seleção dos estudos a serem incluídos. A extração de dados e a avaliação de risco de viés foram conduzidas por cinco autores (RB, JW, AS, NA, AJM). O desfecho primário foi o funcionamento cognitivo global das crianças expostas na vida fetal. Os desfechos secundários incluíram déficits em domínios cognitivos específicos ou prevalência de transtornos do desenvolvimento neurológico. Devido à grande variação nos desenhos dos estudos e na apresentação dos desfechos, a síntese dos resultados foi limitada.

Principais resultados: 

Foram incluidos 22 estudos prospectivos de coorte e 6 estudos de plataformas de registros de gestações. A qualidade dos estudos variou. Os estudos mais recentes eram de melhor qualidade metodológica porque eram maiores e relavam separadamente os desfechos de cada uma das drogas antiepilépticas usando e avaliações cegas. O quociente de desenvolvimento (QD) foi menor nas crianças expostas à carbamazepina (n = 50) do que nas crianças nascidas de mulheres sem epilepsia (n = 79) com diferença média (DM) de -5,58 (intervalo de confiança de 95%, 95% CI, de -10,83 a -0,34; P = 0,04). O QD das crianças expostas à carbamazepina (n = 163) também foi menor do que dos filhos de mulheres com epilepsia não tratada (n = 58) (MD -7,22, 95% CI - 12,76 a - 1,67, P = 0,01). Uma análise adicional, utilizando um modelo de efeitos aleatórios, indicou que esses resultados foram devidos à variabilidade interna nos estudos e que não houve associação significativa com a carbamazepina. O quociente de inteligência (QI) das crianças mais velhas expostas à carbamazepina (n = 150) não foi menor do que o de crianças nascidas de mulheres sem epilepsia (n = 552) (DM -0,03, 95% CI -3,08 a 3,01, P = 0,98). Semelhantemente, as crianças expostas à carbamazepina (n = 163) não apresentaram QI menor do que as crianças de mulheres com epilepsia não tratada (n = 87) (MD 1,84, 95% CI -2,13 a 5,80; P = 0,36). O QD das crianças expostas ao valproato de sódio (n = 123) foi menor do que o QD dascrianças de mulheres com epilepsia não tratada (n = 58; DM -8,72, 95% para -14,31 -3,14, P = 0,002). O QI das crianças expostas ao valproato de sódio (n = 76) foi menor do que o QI das crianças nascidas de mulheres sem epilepsia (n = 552) (DM -8,94, 95% CI -11,96 a -5,92, P < 0,00001). As crianças expostas ao valproato de sódio (n = 89) também tinham o QI mais baixo do que as crianças nascidas de mulheres com epilepsia não tratada (n = 87) (DM -8,17, 95% CI -12,80 a -3,55, P = 0,0005).

Na comparação entre drogas, em crianças mais novas, não houve diferença significativa no QD das crianças expostas à carbamazepina (n = 210) comparada com o valproato de sódio (n = 160) (DM 4,16, 95% CI -0,21 a 8,54; P = 0,06). No entanto, o QI de crianças expostas ao valproato de sódio (n = 112) foi significativamente menor do que o QUI das crianças expostas à carbamazepina (n = 191) (DM 8,69, 95% CI 5,51-11,87, P < 0,00001). O QI de crianças expostas à carbamazepina (n = 78) versus lamotrigina (n = 84) não foi significativamente diferente (DM -1,62, 95% CI -5,44 a 2,21, P = 0,41). Não houve diferença significativa no QD das crianças expostas à carbamazepina (n = 172) versus a fenitoína (n = 87) (DM 3,02, 95% CI -2,41 a 8,46; P = 0,28). As habilidades de QI de crianças expostas à carbamazepina (n = 75) não foram diferentes das habilidades das crianças expostas a fenitoína (n = 45) (MD -3,30, 95% CI -7,91 a 1,30, P = 0,16). O QI das crianças expostas ao valproato foi significativamente menor (n = 74) do que o das crianças expostas à lamotrigina (n = 84) (MD -10,80, 95% IC -14,42 a -7,17, P < 0,00001). O DQ foi mais elevado nas crianças expostas à fenitoína (n = 80) do que naquelas expostas ao valproato (n = 108) (MD 7,04, 95% CI 0,44-13,65, P = 0,04). De maneira semelhante, o QI das crianças expostas à fenitoína (n = 45) foi maior do que das expostas ao valproato (n = 61) (MD 9,25, 95% CI 4,78-13,72, P < 0,0001). Seis estudos relataram um efeito dose-dependente para o valproato: doses mais elevadas (800 a 1000 mg por dia ou mais) estavam associadas com pior resultado cognitivo nas crianças. Não identificamos nenhuma evidência convincente de efeito dose-dependente para carbamazepina, fenitoína ou lamotrigina. Os estudos não incluídos na metanálise foram descritos de forma narrativa e a maioria deles apoiou as conclusões das metanálises.

Notas de tradução: 

Tradução do Centro Cochrane do Brasil (Camila Christina Bellão Pereira).

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