Qual é o objetivo desta revisão Cochrane?
Identificar qual é o melhor tratamento atualmente disponível para prevenir a ocorrência de novo sangramento de varizes esofágicas (veias dilatadas no tubo de alimentação) em pessoas com doença avançada no fígado (cirrose hepática ou cicatrização hepática em estágio avançado com complicações). As pessoas com cirrose que já sangraram por varizes esofágicas anteriormente correm um risco significativo de morte se ocorrer outro episódio de sangramento. Portanto, é importante fornecer tratamento preventivo para evitar ressangramento nestas pessoas. Entretanto, os benefícios e malefícios dos diferentes tratamentos disponíveis atualmente não estão claros. Com o objetivo de descobrir qual é o melhor tratamento disponível atualmente, os autores desta revisão coletaram e analisaram todos os ensaios clínicos randomizados relevantes. Eles encontraram 48 ensaios clínicos randomizados (estudos em que os participantes são aleatoriamente encaminhados para um ou outro tratamento). Durante a análise dos dados, os autores usaram métodos padrão da Cochrane, que permitem a comparação de apenas dois tratamentos por vez. Os autores também usaram técnicas avançadas que permitem a comparação de vários tratamentos ao mesmo tempo (geralmente referidas como 'metanálise em rede (ou indireta)').
Data da busca na literatura
Dezembro de 2019
Mensagens-chave
Nenhum dos estudos foi conduzido sem falhas e, por isso, há moderada a muito alta incerteza a respeito dos resultados desta revisão. Aproximadamente um em cada cinco participantes do estudo com cirrose que receberam tratamento preventivo após o controle do sangramento inicial de varizes esofágicas morreu dentro de cinco anos de tratamento com escleroterapia.
O que foi estudado nesta revisão?
Esta revisão analisou adultos de qualquer sexo, idade e origem étnica, com doença avançada no fígado devido a várias causas e que tinham tido sangramento prévio devido à presença de varizes esofágicas. Os participantes receberam tratamentos diferentes para prevenir um novo sangramento das varizes esofágicas. Os autores excluíram estudos em pessoas que tiveram sangramento do estômago, que não tiveram sangramento anterior de varizes esofágicas, aqueles que não responderam a outro tratamento antes da entrada no estudo e aqueles que fizeram transplante de fígado anteriormente. A média de idade dos participantes, quando relatada, variou entre 40 e 63 anos. Os tratamentos usados nos estudos incluíram escleroterapia endoscópica (injeção nas veias dilatadas olhando a área afetada por meio de um tubo inserido pela boca); ligadura elástica de varizes (inserção de faixas ao redor das veias dilatadas observando através de um tubo inserido pela boca); betabloqueadores (medicamentos que diminuem a velocidade e a força de bombeamento do coração, o que resulta em diminuição da pressão nos vasos sanguíneos); e anastomose portossistêmica intra-hepática transjugular (um canal artificial que conecta os diferentes vasos sanguíneos que transportam sangue com falta de oxigênio (sistema venoso) dentro do fígado para reduzir a pressão acumulada no sistema venoso portal, (um dos dois sistemas venosos que drenam o fígado); anastomose portocava (realização de cirurgia para criação de um canal artificial conforme descrito para a anastomose portossistêmica); entre outros. Os autores da revisão queriam reunir e analisar dados sobre morte, qualidade de vida, eventos adversos graves e não graves, recorrência de sangramento e desenvolvimento de outras complicações da doença hepática avançada.
Quais foram os principais resultados da revisão?
Os 48 estudos incluídos tinham um pequeno número de participantes (3.526 participantes). Os dados dos estudos eram escassos. Quarenta e seis estudos, com um total de 3.442 participantes, forneceram dados para análise. O acompanhamento dos participantes dos estudos variou entre dois meses e cinco anos.
A fonte de financiamento para a pesquisa não estava clara em 36 estudos. Organizações comerciais financiaram cinco estudos. Não houve preocupações quanto à fonte de financiamento nos nove estudos restantes.
A revisão mostra o seguinte:
- As evidência indicam uma incerteza considerável a respeito do efeito das intervenções no risco de morte.
- A ligadura elástica de varizes pode resultar em menos eventos adversos graves do que a escleroterapia.
- As evidência indicam incerteza considerável a respeito do efeito das intervenções em eventos adversos graves e não graves.
- A escleroterapia provavelmente resulta em maior diminuição de sangramentos adicionais em comparação com nenhum tratamento.
- O uso de betabloqueadores mais escleroterapia e anastomose portossistêmica intra-hepática transjugular provavelmente resulta em uma maior diminuição de sangramentos adicionais do que a escleroterapia sozinha.
- A anastomose portocava pode resultar em uma maior diminuição dos sangramentos adicionais do que a escleroterapia.
- As evidências indicam incerteza considerável a respeito do efeito das intervenções nas outras comparações.
- Nenhum dos estudos relatou dados sobre qualidade de vida relacionada à saúde.
- São necessários estudos bem desenhados para descobrir qual é o melhor tratamento para pessoas com cirrose e sangramento prévio de varizes esofágicas.
As evidências indicam uma incerteza considerável a respeito do efeito das intervenções na mortalidade. A ligadura elástica de varizes pode resultar em menos eventos adversos graves do que a escleroterapia. A anastomose portossistêmica intra-hepática transjugular pode resultar em uma grande diminuição no ressangramento sintomático, em comparação com a ligadura elástica de varizes. A escleroterapia provavelmente resulta em menos ressangramentos de varizes (considerando 'qualquer' evento de ressangramento) do que nenhuma intervenção ativa. O uso de betabloqueadores mais escleroterapia e da anastomose portossistêmica intra-hepática transjugular provavelmente resulta em menos ressangramento de varizes (considerando 'qualquer' evento de ressangramento) do que a escleroterapia. O uso de betabloqueadores isoladamente e a anastomose portossistêmica intra-hepática transjugular pode resultar em mais eventos de compensação do que a escleroterapia. As evidências indicam uma incerteza considerável a respeito do efeito das intervenções nas demais comparações. Assim, são necessários ensaios clínicos randomizados comparativos de alta qualidade.
Aproximadamente 40% a 95% das pessoas com cirrose têm varizes esofágicas. Cerca de 15% a 20% das varizes esofágicas sangram em aproximadamente um a três anos após o diagnóstico. Vários tratamentos diferentes estão disponíveis, que incluem escleroterapia endoscópica, ligadura elástica de varizes, betabloqueadores, anastomose portossistêmica intra-hepática transjugular e anastomose portocava cirúrgica, entre outros. No entanto, há incerteza a respeito de seus benefícios e danos individuais e relativos.
Comparar os benefícios e malefícios de diferentes tratamentos iniciais para prevenção secundária de sangramento de varizes em adultos com sangramento prévio de varizes esofágicas devido à cirrose hepática descompensada por meio de uma metanálise em rede. Além disso, nosso objetivo foi gerar classificações dos diferentes tratamentos para prevenção secundária de acordo com sua segurança e eficácia.
Fizemos buscas na CENTRAL, MEDLINE, Embase, Science Citation Index Expanded, World Health Organization International Clinical Trials Registry Platform e outras plataformas de registros de estudos para identificar ensaios clínicos randomizados em pessoas com cirrose e história anterior de sangramento de varizes esofágicas disponíveis até dezembro de 2019.
Incluímos apenas ensaios clínicos randomizados (independentemente do idioma, cegamento ou status de publicação) em adultos com cirrose e história prévia de sangramento de varizes esofágicas. Excluímos os ensaios clínicos randomizados em que os participantes não tinham história prévia de sangramento de varizes esofágicas, tinham história prévia de sangramento apenas de varizes gástricas, aqueles que falharam no tratamento anterior (sangramento refratário), aqueles que apresentavam sangramento agudo no momento do tratamento e aqueles que já haviam sido submetidos a transplante de fígado.
Realizamos uma metanálise em rede com OpenBUGS usando métodos Bayesianos e calculamos as diferenças nos tratamentos usando hazard ratios (HR), odds ratio (OR) e rate ratios com intervalos de credibilidade (ICr) de 95%, com base em uma análise de caso disponível, de acordo com a orientação da National Institute of Health and Care Excellence Decision Support Unit.
Incluímos um total de 48 ensaios clínicos randomizados (3.526 participantes) na revisão. Quarenta e seis estudos (3.442 participantes) foram incluídos em uma ou mais comparações. Os estudos que forneceram as informações incluíram pessoas com cirrose devido a etiologias variadas. O tempo de acompanhamento variou entre dois meses e 61 meses. Todos os estudos apresentaram alto risco de viés. Um total de 12 intervenções foram comparadas nestes estudos (escleroterapia, betabloqueadores, ligadura elástica de varizes, betabloqueadores mais escleroterapia, nenhuma intervenção ativa, anastomose portossistêmica intra-hepática transjugular, betabloqueadores mais nitratos, anastomose portocava, escleroterapia mais ligadura elástica de varizes, betabloqueadores mais nitratos mais ligadura elástica de varizes, betabloqueadores mais ligadura elástica de varizes, escleroterapia mais nitratos).
No geral, 22,5% dos participantes do estudo que receberam o tratamento de referência (escolhido porque este foi o tratamento mais comumente comparado nos estudos) de escleroterapia morreram durante o período de acompanhamento que variou entre dois meses e 61 meses. Havia uma incerteza considerável a respeito dos efeitos das intervenções na mortalidade. Assim, nenhuma das intervenções mostrou superioridade com relação à outra. Nenhum dos estudos relatou dados sobre qualidade de vida relacionada à saúde. Com base em evidências de baixa certeza (qualidade/confiança), a ligadura elástica de varizes pode resultar em menos eventos adversos graves (número de pessoas) do que a escleroterapia (OR 0,19; ICr 95% 0,06 a 0,54; 1 estudo; 100 participantes).
Com base em evidências de baixa ou muito baixa certeza, os eventos adversos (número de participantes e número de eventos) podem ser diferentes em muitas comparações. No entanto, estas diferenças se devem ao fato de os estudos serem muito pequenos e com alto risco de viés que mostram grandes diferenças em algumas comparações, o que levou a muitas diferenças, apesar da ausência de evidência diretas.
Com base em evidências de baixa certeza, a anastomose portossistêmica intra-hepática transjugular pode resultar em grande diminuição do ressangramento sintomático em comparação com a ligadura elástica de varizes (HR 0,12; ICr 95% 0,03 a 0,41; 1 estudo; 58 participantes). Com base em evidências de moderada certeza, qualquer ressangramento de varizes foi provavelmente menor com a escleroterapia do que com nenhuma intervenção ativa (HR 0,62; ICr 95% 0,35 a 0,99, comparação direta HR 0,66; ICr 95% 0,11 a 3,13; 3 estudos; 296 participantes), com betabloqueadores mais escleroterapia do que com a escleroterapia sozinha (HR 0,60; ICr 95% 0,37 a 0,95, comparação direta HR 0,50; ICr 95% 0,07 a 2,96; 4 estudos; 231 participantes); com a anastomose portossistêmica intra-hepática transjugular do que com a escleroterapia (HR 0,18; ICr 95% 0,08 a 0,38, comparação direta HR 0,22; ICr 95% 0,01 a 7,51; 2 estudos; 109 participantes), e com a anastomose portocava do que com a escleroterapia (HR 0,21; ICr 95% 0,05 a 0,77; sem comparação direta).
Os betabloqueadores sozinhos e a anastomose portossistêmica intra-hepática transjugular podem resultar em mais eventos de compensação do que a escleroterapia (rate ratio 2,37; ICr 95% 1,35 a 4,67; 1 estudo; 65 participantes e rate ratio 2,30; ICr 95% 1,20 a 4,65; 2 estudos; 109 participantes; baixa certeza na evidência).
As evidências indicam uma incerteza considerável a respeito do efeito das intervenções, incluindo aquelas relacionadas aos betabloqueadores mais ligadura elástica de varizes nas demais comparações.
Tradução do Cochrane Brazil (Ana Carolina P. N. Pinto). Contato: tradutores.cochrane.br@gmail.com