Programas parentais potenciados por mindfulness para melhorar os indicadores psicossociais das crianças (0 aos 18 anos) e dos seus pais

Mensagens-chave

• Os programas de treino parental potenciados por mindfulness («atenção plena») podem melhorar alguns outcomes da criança e dos pais, incluindo a adaptação emocional e comportamental da criança, as competências parentais, a depressão ou ansiedade dos pais, o stress parental e o mindfulness dos pais.

• Quando o treino de mindfulness para pais é combinado com um programa de treino parental baseado em competências, pode diminuir o stress parental.

• O atual conjunto de evidência é limitado, sendo necessária mais investigação para estar confiante nos nossos achados.

Dificuldades emocionais e comportamentais das crianças

As dificuldades emocionais e comportamentais das crianças são comuns e caraterizam-se por uma série de comportamentos externalizantes e/ou internalizantes que podem ser muito estáveis ao longo do tempo. São uma causa importante de incapacidade funcional na infância e predizem um mau funcionamento psicossocial, académico e profissional na adolescência e mais tarde. A prevalência, estabilidade e consequências a longo prazo das dificuldades emocionais e comportamentais realçam a importância de intervir na infância, quando os padrões comportamentais são mais facilmente modificáveis.

Porquê o treino parental potenciado por mindfulness?

A parentalidade desempenha um papel importante no desenvolvimento e/ou manutenção das dificuldades emocionais e comportamentais das crianças. Os programas tradicionais de treino parental, baseados no comportamento ou em competências, têm demonstrado um impacto positivo numa série de resultados para as crianças e para os pais, mas não funcionam para todos os pais. Uma das razões para tal poderá ser o facto de as reações emocionais dos pais os impedirem de utilizar eficazmente as competências parentais. A inclusão de componentes adicionais no treino parental, com o objetivo de melhorar as respostas emocionais dos pais, pode melhorar os resultados destes programas. Estudos recentes mostram que as intervenções parentais mindful podem promover resultados positivos para pais e filhos, melhorando a capacidade dos pais para regular as emoções e o stress. A combinação de abordagens parentais mindful com programas tradicionais de treino parental pode, portanto, ser benéfica tanto para pais como para os seus filhos.

O que pretendíamos descobrir?

Explorámos se os programas de treino parental baseados no comportamento ou em competências com uma componente de mindfulness — programas de treino parental "potenciados por mindfulness" — podem melhorar os resultados para as crianças e os seus cuidadores.

O que fizemos?

Pesquisámos, numa variedade de fontes, literatura que avaliasse a eficácia de programas de treino parental potenciado por mindfulness, incluindo bases de dados eletrónicas, registos de ensaios, organizações e especialistas na área. Incluímos estudos que avaliaram estas intervenções utilizando ensaios controlados aleatorizados (estudos em que os participantes são distribuídos aleatoriamente por um de dois ou mais grupos de tratamento) ou desenhos quasi-experimentais (em que os participantes são distribuídos por diferentes grupos de tratamento utilizando um método que não é verdadeiramente aleatório). Incluímos estudos que avaliaram a adaptação emocional e comportamental das crianças e/ou uma série de resultados dos pais, incluindo competências parentais, stress parental, depressão ou ansiedade, mindfulness ou autocompaixão.

O que encontrámos?

Incluímos 11 estudos e analisámos dados de 2.118 participantes. Os estudos compararam os outcomes de crianças ou pais (ou ambos) que participaram num programa de treino parental potenciado por mindfulness com os resultados de crianças ou pais (ou ambos) que não participaram em programa de treino parental, ou que participaram num programa alternativo de treino parental de comportamento ou de competências. Quando combinámos os resultados destes estudos descobrimos que o treino parental potenciado por mindfulness, quando comparado com nenhuma intervenção, pode melhorar a adaptação emocional e comportamental da criança, as competências parentais, o stress parental, a depressão e a ansiedade dos pais e a sua capacidade de mindfulness, mas estamos muito incertos quanto a estes resultados. A evidência de benefício adicional da componente de mindfulness incluída nos programas de treino parental baseados em competências sugere que o treino de mindfulness pode promover reduções no stress parental e pode também reduzir adicionalmente a depressão ou ansiedade parental, mas estamos incertos sobre estes resultados. Não é claro, a partir do atual corpo de evidência, se a adição do treino de mindfulness a uma intervenção de treino parental baseada em competências tem qualquer efeito adicional na adaptação emocional e comportamental da criança, nas competências parentais ou na capacidade de mindfulness. Nenhum estudo apresentou efeitos adversos ou mediu a autocompaixão.

Quais são as limitações da evidência?

Não estamos confiantes no conjunto global da evidência. Isto deve-se primariamente à grande variação entre as intervenções e os grupos de participantes, bem como à forma como os resultados foram mensurados. Os estudos eram geralmente muito pequenos e os participantes estavam provavelmente cientes do tipo de intervenção que estavam a receber, o que por vezes pode influenciar os resultados. É provável que estas conclusões se alterem à medida que se realizem mais estudos nesta área de investigação.

Quão atualizada se encontra a evidência?

Pesquisámos e incluímos investigação até abril de 2023.

Conclusão dos autores: 

Os programas de treino parental baseados em mindfulness podem melhorar alguns outcomes dos pais e da criança, não havendo estudos que apresentem efeitos adversos. A evidência do benefício adicional do mindfulness nos programas de treino parental baseados em competências é sugestiva no presente, com reduções moderadas no stress parental. Dado o grau de certeza muito baixo a baixo da evidência aqui em revisão, é provável que estas estimativas se alterem à medida que forem produzidos mais estudos de alta qualidade.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

As dificuldades emocionais e comportamentais (DEC) nas crianças são comuns e caraterizam-se por comportamentos externalizantes ou internalizantes que podem ser altamente estáveis ao longo do tempo. Os DEC são uma causa importante de incapacidade funcional na infância, e preditores de um pior funcionamento psicossocial, académico e profissional na adolescência e idade adulta. A prevalência, estabilidade e consequências a longo prazo das DEC enfatizam a importância de intervir na infância quando os padrões de comportamento são mais facilmente modificados.

Múltiplos fatores contribuem para a etiologia das DEC nas crianças, e a parentalidade desempenha um papel importante. A relação entre a parentalidade e as DEC tem sido descrita como bidirecional, com pais e crianças a moldarem o comportamento uns dos outros. Uma consequência desta bidirecionalidade é a de que os pais com competências parentais insuficientes podem envolver-se em comportamentos progressivamente mais negativos quando lidam com o incumprimento dos filhos. Isto pode ter um efeito cíclico, exacerbando as dificuldades comportamentais da criança e aumentando ainda mais o sofrimento dos pais.

Programas de treino parental baseados no comportamento ou em competências podem ser altamente eficazes no tratamento das DEC nas crianças. Todavia, a desregulação emocional pode condicionar a capacidade de alguns pais implementarem competências parentais, e reconhece-se que as intervenções baseadas em competências podem beneficiar de componentes adjuvantes que visem melhorar as respostas emocionais dos pais. As intervenções parentais mindful («com atenção plena») demonstraram alguma eficácia na melhoria dos resultados na criança através da melhoria na regulação emocional dos pais, e existe potencial para que o treino de mindfulness aumente a eficácia dos programas padrão de treino parental.

Objetivos: 

Avaliar a eficácia de programas de treino parental potenciados por mindfulness no funcionamento psicossocial das crianças (0 aos 18 anos de idade) e dos seus pais.

Métodos de busca: 

Pesquisámos as seguintes bases de dados até abril de 2023: Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL), MEDLINE, Embase, CINAHL Plus, PsycINFO, Sociological Abstracts, Social Sciences Citation Index, Conference Proceedings Citation Index - Social Science & Humanities, AMED, ERIC, ProQuest Dissertations & Theses, Cochrane Database of Systematic Reviews, Campbell Collaboration Library of Systematic Reviews, bem como nas seguintes plataformas de registo de ensaios: ClinicalTrials.gov e na Plataforma de Registo de Ensaios Clínicos Internacionais da Organização Mundial de Saúde (WHO ICTRP). Também contactámos organizações/especialistas na área.

Critério de seleção: 

Incluímos ensaios aleatorizados e quasi-aleatorizados. Os participantes eram pais ou cuidadores de crianças com menos de 18 anos. A intervenção consistiu em programas de treino parental potenciado com mindfulness comparados com não-intervenção, lista de espera, controlo de atenção ou um com programa de treino parental sem componente de mindfulness. A intervenção deverá ter combinado um treino parental baseado em mindfulness com um treino parental baseado no comportamento ou em competências. Definimos programas de treino parental considerando a realização de uma intervenção padronizada e manualizada durante um período especificado e limitado, em modalidade individual ou em grupo, com uma componente de mindfulness bem definida. A componente de mindfulness teve de incluir treino de mindfulness (respiração, visualização, audição ou outro foco sensorial) e foco explícito na atenção centrada no presente e na aceitação sem julgamento.

Coleta dos dados e análises: 

Seguimos os procedimentos padrão da Cochrane.

Principais resultados: 

Onze estudos preencheram os nossos critérios de inclusão, incluindo um estudo em curso. Os estudos compararam um programa de treino parental potenciado por mindfulness com a ausência de tratamento, lista de espera ou controlo da atenção (2 estudos); com um programa de treino parental sem componente de mindfulness (5 estudos); com ausência de tratamento, lista de espera ou controlo da atenção e um programa de treino parental sem componente de mindfulness (4 estudos). Avaliámos todos os estudos como tendo um risco de viés pouco claro ou elevado em vários domínios. Coligimos a informação dos resultados das crianças e dos pais relativos a 2.118 participantes para produzir estimativas de efeito. Nenhum estudo referiu explicitamente a autocompaixão, e não foram apresentados efeitos adversos em nenhum dos estudos.

Programas de treino parental potenciados por mindfulness comparados com ausência de tratamento, lista de espera ou controlo da atenção

Evidência de muito baixa qualidade sugere que poderá haver uma melhoria pós-intervenção pequena a moderada na adaptação emocional e comportamental da criança (diferença média padronizada (SMD) −0,46, com intervalo de confiança (IC) a 95% de −0,96 a 0,03; P = 0,06, I 2 = 62%; 3 estudos, 270 participantes); uma pequena melhoria nas competências parentais (SMD 0,22, 95% IC 0,06 a 0,39; P = 0,008, I 2 = 0%; 3 estudos, 587 participantes); e uma redução moderada na depressão e ansiedade parentais (SMD −0,50, 95% IC −0,96 a −0,04; P = 0,03; 1 estudo, 75 participantes). Também pode haver uma diminuição moderada a grande no stress parental (SMD -0,79, IC 95% −1,80 a 0,23; P = 0,13, I2 = 82%; 2 estudos, 112 participantes) e uma pequena melhoria no mindfulness dos pais (SMD 0,21, IC 95% −0,14 a 0,56; P = 0,24, I2 = 69%; 3 estudos, 515 participantes), mas não foi possível excluir pouco ou nenhum efeito para estes resultados.

Programas de treino parental baseados em mindfulness comparados com treino parental sem componente de mindfulness

Evidência de muito baixa qualidade sugere que pode haver pouca ou nenhuma diferença após intervenção na adaptação emocional e comportamental da criança (SMD −0,09, IC 95% −0,58 a 0,40; P = 0,71, I 2 = 64%; 5 estudos, 203 participantes); competências parentais (SMD 0,13, IC 95% −0,16 a 0,42; P = 0,37, I 2 = 16%; 3 estudos, 319 participantes); e mindfulness dos pais (SMD 0,11, IC 95% −0,19 a 0,41; P = 0,48, I 2 = 44%; 4 estudos, 412 participantes). Pode haver uma ligeira diminuição da depressão ou ansiedade parental (SMD −0,24, IC 95% −0,83 a 0,34; P = 0,41; 1 estudo, 45 participantes; evidência de muito baixa qualidade), embora não possamos excluir pouco ou nenhum efeito, e uma diminuição moderada do stress parental (DMP −0,51, IC 95% −0,84 a −0,18; P = 0,002, I 2 = 2%; 3 estudos, 150 participantes; evidência de baixa qualidade).

Notas de tradução: 

Traduzido por: Madalena Ferro Rodrigues, Especialidade de Pedopsiquiatria, Hospital Dona Estefânia, Unidade Local de Saúde de São José. Revisão final: Ricardo Manuel Delgado, Knowledge Translation Team, Cochrane Portugal.

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