Qual é a precisão diagnóstica dos testes de anticorpos para detectar a infecção pelo vírus da COVID-19?

Introdução

A COVID-19 é uma doença infecciosa causada pelo vírus SARS-CoV-2 que se espalha facilmente entre as pessoas de maneira semelhante ao resfriado ou "gripe" comum. A maioria das pessoas com COVID-19 tem uma doença respiratória leve a moderada, e algumas podem não apresentar sintomas (infecção assintomática). Outras desenvolvem sintomas graves e necessitam de tratamento especializado e até de internação em unidade de terapia intensiva.

Em resposta à infecção COVID-19, o sistema imunológico desenvolve proteínas chamadas anticorpos que podem atacar o vírus enquanto circulam pelo sangue. As pessoas vacinadas contra a COVID-19 também produzem estes anticorpos contra o vírus. Há testes disponíveis para detectar anticorpos no sangue das pessoas, o que pode indicar que elas têm atualmente COVID-19 ou já o tiveram anteriormente, ou pode indicar que elas foram vacinadas (embora este grupo não tenha sido o foco desta revisão).

Qual é a importância dos testes serem precisos?

Testes precisos permitem identificar as pessoas que precisam se isolar para evitar a propagação da infecção, ou que podem precisar de tratamento. Se um teste de diagnóstico não detecta a infecção de COVID-19 quando está presente (um resultado falso negativo) pode atrasar o tratamento e arriscar uma maior propagação da infecção para outras pessoas. O diagnóstico incorreto da COVID-19 quando não está presente (um resultado falso positivo) pode levar a testes adicionais desnecessários, tratamento e isolamento da pessoa e contatos próximos. A identificação precisa das pessoas que já tiveram COVID-19 é importante para medir a propagação de doenças e avaliar o sucesso das intervenções de saúde pública.

Para determinar a precisão de um teste de anticorpos na identificação da COVID-19, os resultados do teste são comparados em pessoas conhecidas por terem (ou terem tido) COVID-19 e em pessoas conhecidas por não terem (ou terem tido) COVID-19. O critério usado para determinar se as pessoas tem ou não COVID-19 é chamado de "teste padrão-ouro". Muitos estudos utilizam como padrão-ouro um teste chamado reação em cadeia da transcriptase reversa da polimerase (RT-PCR), com amostras retiradas do nariz e da garganta. Testes adicionais podem ser usados, como medir sintomas como tosse ou temperatura alta, ou testes de "imagem" como radiografia de tórax. Pessoas conhecidas por não terem a COVID-19 às vezes são identificadas a partir de amostras de sangue armazenadas antes da existência da COVID-19, ou de pacientes com sintomas confirmados como sendo causados por outras doenças.

O que a revisão estudou?

Queríamos descobrir se os testes de anticorpos:

- são capazes de diagnosticar infecção em pessoas com ou sem sintomas de COVID-19, e

- podem ser usados para descobrir se alguém já teve a COVID-19.

Os estudos incluídos nessa revisão analisaram três tipos de anticorpos. Mais comumente, os testes de anticorpos medem dois tipos conhecidos como IgG e IgM, mas alguns testes medem apenas um único tipo de anticorpo ou diferentes combinações dos três tipos de anticorpos (IgA, IgG, IgM).

O que fizemos?

Buscamos estudos que mediram a precisão diagnóstica dos testes de anticorpos para detectar infecção atual ou anterior pela COVID-19 e os comparamos com os critérios de padrão-ouro. Como há muitos testes de anticorpos disponíveis, incluímos estudos avaliando qualquer teste de anticorpos em comparação com qualquer teste padrão-ouro. As pessoas poderiam ser testadas no hospital ou na comunidade. As pessoas testadas podem ter sido confirmadas como tendo ou não infecção COVID-19, ou podem ter suspeitado de ter COVID-19.

Características dos estudos

Encontramos 178 estudos relevantes. Os estudos foram realizados na Europa (94), Ásia (45), América do Norte (35), Austrália (2) e América do Sul (2).

78 estudos incluíram pessoas que estavam no hospital com suspeita ou confirmação de infecção pela COVID-19 e 14 estudos incluíram pessoas em ambientes comunitários. Diversos estudos incluíram pessoas de vários lugares (35) ou não informaram de onde os participantes foram recrutados (39).

Em 141 estudos incluíram casos recentes de infecção (principalmente semana 1 a semana 3 após o início dos sintomas), e muitos também incluíram pessoas testadas mais tarde (a partir do dia 21 após a infecção) (117).

Resultados principais

Nos participantes que tinham COVID-19 e foram testados uma semana após o início dos sintomas, os testes de anticorpos detectaram apenas 27% a 41% das infecções. Na segunda semana após os primeiros sintomas, fora detectados entre 64% a 79% das infecções,e subindo para 78% a 88% na terceira semana. Testes que detectaram especificamente anticorpos IgG ou IgM foram os mais precisos e, ao testar pessoas a partir de 21 dias após os primeiros sintomas, detectaram 93% das pessoas com COVID-19. Os testes deram resultados falsos positivos para 1% dos que não tiveram COVID-19.

A seguir, ilustramos os resultados de dois cenários diferentes.

Se 1000 pessoas foram testadas para anticorpos IgG ou IgM durante a terceira semana após o início dos sintomas e apenas 20 (2%) delas realmente tinham COVID-19:

- 26 pessoas testariam positivo. Destes, 8 pessoas (31%) não teriam COVID-19 (resultado falso positivo).

- 974 pessoas testariam negativo. Destes, 2 pessoas (0,2%) teriam realmente COVID-19 (resultado falso negativo).

Se 1000 pessoas sem sintomas de COVID-19 foram testadas para anticorpos IgG e 500 (50%) delas já tinham tido infecção por COVID-19 mais de 21 dias antes:

- 455 pessoas testariam positivo. Destas, 6 pessoas (1%) não teriam sido infectadas (resultado falso positivo).

- 545 pessoas testariam negativo. Destes, 51 (9%) teriam realmente tido uma infecção anterior pela COVID-19 (resultado falso negativo).

Quão confiáveis são os resultados dos estudos desta revisão?

Temos pouca confiança nas evidências por uma série de razões. O número de amostras contribuídas pelos estudos para cada semana pós-sintoma de início era geralmente baixo e, às vezes, havia problemas com a forma como os estudos eram conduzidos. Os participantes incluídos nos estudos eram frequentemente pacientes hospitalizados com maior probabilidade de apresentar sintomas graves de COVID-19. A precisão dos testes de anticorpos para detectar COVID-19 nesses pacientes pode ser diferente da precisão dos testes em pessoas com sintomas leves ou moderados. Não é possível determinar até que ponto os resultados dos testes seriam diferentes em outras populações.

Para quem os resultados desta revisão são relevantes?

Uma alta porcentagem de participantes foi internada no hospital com a COVID-19, portanto, é provável que tenham doenças mais graves do que as pessoas com COVID-19 que não foram hospitalizadas. Apenas um pequeno número de estudos avaliou esses testes em pessoas sem sintomas. Portanto, os resultados da revisão podem ser mais aplicáveis a pessoas com doenças graves do que a pessoas com sintomas leves.

Muitas vezes, os estudos não informavam se os participantes tinham sintomas no momento em que as amostras foram coletadas para os testes, tornando difícil separar completamente os resultados dos testes para infecções em estágio inicial, versus estágio avançado.

Os estudos em nossa revisão avaliaram vários métodos de teste em uma população global, portanto, é provável que os resultados dos testes sejam semelhantes na maioria das áreas do mundo.

Quais são as implicações desta revisão?

A revisão mostra que os testes de anticorpos podem ter um papel útil em detectar se alguém teve COVID-19, mas o momento de uso do teste é importante. Alguns testes de anticorpos podem ajudar a confirmar a infecção por COVID-19 em pessoas que tiveram sintomas por mais de duas semanas, mas que foram incapazes de confirmar sua infecção usando outros métodos. Isto é especialmente útil se eles apresentaram sintomas potencialmente graves que podem ser devidos à COVID-19, pois eles podem exigir tratamento específico. Os testes de anticorpos também podem ser úteis para determinar quantas pessoas tiveram uma infecção anterior por COVID-19. Não podíamos ter certeza de como os testes funcionam para pessoas com doenças mais leves ou sem sintomas, ou para a detecção de anticorpos resultantes da vacinação.

Quão atual é esta revisão?

Esta revisão atualiza uma revisão anterior. As evidências estão atualizadas até Setembro de 2020.

Conclusão dos autores: 

Alguns testes de anticorpos podem ser uma ferramenta de diagnóstico útil para aqueles em que os testes baseados em molecular ou antígenos não detectaram o vírus SARS-CoV-2, inclusive naqueles com sintomas contínuos de infecção aguda (a partir da terceira semana) ou naqueles que apresentam sequelas pós-agudas da COVID-19 em . Entretanto, os testes de anticorpos têm uma probabilidade crescente de detectar uma resposta imune à infecção à medida que o tempo passa desde o início da infecção e têm demonstrado desempenho adequado para detecção de infecção anterior para fins soroepidemiológicos. A aplicabilidade dos resultados para a detecção de anticorpos induzidos pela vacinação é incerta.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

Os desafios de diagnósticos associados à pandemia COVID-19 levaram ao rápido desenvolvimento de métodos de teste de diagnóstico para detectar a infecção pelo SARS-CoV-2. Os testes sorológicos para detectar a presença de anticorpos ao SRA-CoV-2 permitem a detecção de infecções anteriores e podem detectar casos de infecção pelo SRA-CoV-2 que não foram detectados por testes diagnósticos anteriores. Conhecer a precisão diagnóstica dos testes sorológicos para a infecção pelo SRA-CoV-2 pode permitir o desenvolvimento de vias eficazes de diagnóstico e tratamentos, informar as decisões de gestão da saúde pública e a compreender a epidemiologia do SRA-CoV-2.

Objetivos: 

Para avaliar a precisão dos testes de anticorpos, em primeiro lugar, para determinar se uma pessoa que se apresenta na comunidade, ou nos cuidados primários ou secundários, tem infecção atual pelo SRA-CoV-2 de acordo com o tempo após o início da infecção e, em segundo lugar, para determinar se uma pessoa foi previamente infectada pelo SRA-CoV-2. As fontes de heterogeneidade investigadas incluíram: tempo de teste, método de teste, antígeno SARS-CoV-2 utilizado, marca do teste e padrão-ouro para casos não-SARS-CoV-2.

Métodos de busca: 

Fizemos buscas em 30 de Setembro de 2020, na base de dados de evidências vivas do Covid-19 Open Access Project da Universidade de Berna (que inclui atualizações diárias do PubMed e Embase e preprints do medRxiv e bioRxiv). Incluímos publicações adicionais do Evidence for Policy and Practice Information and Co-ordinating Centre (EPPI-Centre) 'COVID-19': Living map of the evidence" e o Norwegian Institute of Public Health "NIPH systematic and living map on COVID-19 evidence". Não aplicamos nenhuma restrição de idioma.

Critério de seleção: 

Incluímos estudos de precisão de testes de qualquer projeto que avaliasse testes serológicos produzidos comercialmente, visando apenas IgG, IgM, IgA, ou em combinação. Os estudos deveriam fornecer dados de sensibilidade, que poderiam ser alocados a um período de tempo pré-definido após o início dos sintomas, ou após um teste RT-PCR positivo. Foram excluídos pequenos estudos com menos de 25 casos de infecção pelo SARS-CoV-2. Incluímos qualquer teste padrão-ouro para definir a presença ou ausência do SARS-CoV-2 (incluindo testes de transcrição reversa de reação em cadeia da polimerase (RT-PCR), critérios de diagnóstico clínico e amostras pré-pandêmicas).

Coleta dos dados e análises: 

Utilizamos procedimentos de triagem padrão com três revisores. A avaliação da qualidade (utilizando a ferramenta QUADAS-2) e os resultados numéricos dos estudos foram extraídos independentemente por duas pessoas. Outras características do estudo foram extraídas por um autor e verificadas por um segundo. Apresentamos sensibilidade e especificidade com intervalos de confiança (IC) de 95% para cada teste e, para meta-análise, ajustamos modelos de regressão logística de efeitos aleatórios univariados para sensibilidade por período de tempo elegível e para especificidade por grupo de teste de referência. A heterogeneidade foi investigada pela inclusão de variáveis indicadoras nos modelos de regressão logística de efeitos aleatórios. Tabulamos os resultados por fabricante de testes e resumimos os resultados para testes que foram avaliados em 200 ou mais amostras e que atenderam a uma modificação dos critérios de desempenho alvo da UK Medicines and Healthcare Products Regulatory Agency (MHRA).

Principais resultados: 

Incluímos 178 estudos independentes (descritos em 177 relatórios de estudo, com 45 como preprints), fornecendo 527 avaliações de teste. Os estudos incluíram 64.688 amostras, incluindo 25.724 de pessoas com SARS-CoV-2 confirmado; a maioria comparou a precisão de dois ou mais estudos (102/178, 57%). Os participantes com infecção confirmada pelo SRA-CoV-2 eram principalmente pacientes internados em hospitais (78/178, 44%), e amostras pré-pandêmicas foram usadas em 45% (81/178) para calcular a especificidade. Mais de dois terços dos estudos recrutaram participantes com base no status conhecido de infecção pelo SARS-CoV-2 (123/178, 69%). Todos os estudos foram conduzidos antes da introdução das vacinas SARS-CoV-2 e apresentam dados para respostas de anticorpos adquiridos naturalmente. 79% (141/178) dos estudos relataram sensibilidade por semana após o início dos sintomas e 66% (117/178) para infecção de fase convalescente. Estudos avaliaram ensaio de imunoabsorção enzimática (ELISA) (165/527; 31%), estudos de quimioluminescência (CLIA) (167/527; 32%) ou estudos de fluxo lateral (LFA) (188/527; 36%).

O risco de viés foi alto devido à seleção dos participantes (172, 97%); aplicação e interpretação do teste de índice (35, 20%); limitação do teste de referência (38, 21%); e problemas relacionadas ao fluxo e tempo dos participantes (148, 82%). Julgamos que havia grandes dúvidas sobre a aplicabilidade das evidências relacionadas aos participantes em 170 (96%) estudos, e sobre a aplicabilidade do padrão-ouro em 162 (91%) estudos.

As sensibilidades médias para a atual infecção pelo SARS-CoV-2 aumentaram em uma semana após o início da infecção por todos os anticorpos alvo. A sensibilidade média para a combinação de IgG ou IgM foi de 41,1% na primeira semana (IC 95% 38,1 a 44,2; 103 avaliações; 3881 amostras, 1593 casos), 74,9% na segunda semana (IC 95% 72,4 a 77,3; 96 avaliações, 3948 amostras, 2904 casos) e 88,0% na terceira semana após o início dos sintomas (IC 95% 86,3 a 89,5; 103 avaliações, 2929 amostras, 2571 casos). A sensibilidade média durante a fase de convalescente da infecção (até um máximo de 100 dias desde o início dos sintomas, onde foram relatados) foi de 89,8% para IgG (IC 95% 88,5 a 90,9; 253 avaliações, 16.846 amostras, 14.183 casos), 92,9% para IgG ou IgM combinados (IC 95% 91,0 a 94,4; 108 avaliações, 3571 amostras, 3206 casos) e 94,3% para anticorpos totais (IC 95% 92,8 a 95,5; 58 avaliações, 7063 amostras, 6652 casos). As sensibilidades médias apenas para IgM seguiram um padrão similar, mas foram de uma precisão de teste menor em todos os intervalos de tempo.

As especificidades médias foram consistentemente altas e precisas, particularmente para amostras pré-pandêmicas que fornecem as estimativas menos tendenciosas de especificidade (variando de 98,6% para IgM a 99,8% para anticorpos totais).

As análises de subgrupos sugeriram pequenas diferenças na sensibilidade e especificidade com base na tecnologia de teste, porém a heterogeneidade nos resultados do estudo, o tempo de coleta de amostras e o número menor de amostras em alguns grupos dificultaram as comparações. Para IgG, as CLIAs foram as mais sensíveis (infecção em fase de convalescente) e específicas (amostras pré-pandêmicas) em comparação com ELISAs e LFAs (P < 0,001 para diferenças entre os métodos de teste). O(s) antígeno(s) utilizado(s) (seja da proteína Spike ou nucleocapsídio) pareciam ter algum efeito sobre a sensibilidade média nas primeiras semanas após o início, mas não houve evidência clara de um efeito durante a infecção da fase convalescente da infecção.

As investigações do desempenho do teste por marca mostraram uma variação considerável na sensibilidade entre testes, e nos resultados entre estudos que avaliam o mesmo teste. Para testes que foram avaliados em 200 ou mais amostras, o limite inferior do IC 95% para sensibilidade foi 90% ou mais para apenas um pequeno número de testes (IgG, n = 5; IgG ou IgM, n = 1; anticorpos totais, n = 4). Mais marcas de teste atenderam aos critérios mínimos de especificidade da MHRA de 98% ou acima (IgG, n = 16; IgG ou IgM, n = 5; total de anticorpos, n = 7). Sete estudos preencheram os critérios especificados tanto para sensibilidade quanto para especificidade.

Em um cenário de baixa prevalência (2%), onde o teste de anticorpos são usados para diagnosticar a COVID-19 em pessoas com sintomas mas que tiveram um teste PCR negativo, nós anteciparíamos que 1 (1 a 2) caso seria perdido e 8 (5 a 15) seriam falsamente positivos em 1000 pessoas submetidas ao teste IgG ou IgM na terceira semana após o início da infecção por SRA-CoV-2.

Em uma pesquisa de soroprevalência, onde a prevalência de infecção anterior é de 50%, prevemos que 51 (46 a 58) casos não seriam detectados e 6 (5 a 7) seriam falsamente positivos em 1000 pessoas com testes IgG durante a fase de convalescente (21 a 100 dias após o início do sintoma ou PCR pós-positivo) da infecção pelo SARS-CoV-2.

Notas de tradução: 

Tradução do Cochrane Brazil (Mayara Rodrigues Batista). Contato: tradutores.cochrane.br@gmail.com

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