O tratamento das doença gengivas ajuda as pessoas com diabetes a controlar os níveis de açúcar no sangue?

Pergunta

A principal questão abordada nesta revisão é: qual é a eficácia do tratamento da doença gengival (periodontite) no controlo dos níveis de açúcar no sangue (conhecido como controlo glicémico) em pessoas com diabetes, em comparação com a ausência de um tratamento ativo ou quando se realiza um cuidado de rotina?

Contexto

O objetivo de tratar a periodontite é reduzir o inchaço e a infeção, e estabilizar o estado da gengiva e osso de suporte. O nível de açúcar no sangue encontra-se muito alto em pessoas com diabetes, assim, manter os níveis de açúcar no sangue controlados é um fator-chave. Alguma investigação clínica sugere que existe uma relação entre o tratamento da doença gengival e o controlo glicémico. 

O controlo glicémico pode ser medido de diferentes formas. Nesta revisão, focamo-nos no HbA1c, que mostra os níveis médios de glicose no sangue nos últimos 3 meses. Este pode ser expresso como uma percentagem (do total de hemoglobina) ou como mmol/mol (milimoles por mole). Um excelente controlo glicémico numa pessoa diabética poderá representar 6,5% ou 48 mmol/mol de HbA1c.

Esta revisão foi realizada por autores que trabalham na Cochrane Oral Health e é a primeira parte da atualização da revisão publicada em 2010 e 2015. Esta revisão avalia o tratamento da doença gengival versus a ausência de um tratamento ativo ou da realização de um cuidado de rotina. A segunda parte da atualização irá comparar diferentes tipos de tratamento periodontal. Realizámos esta revisão por ser importante descobrir se o tratamento da doença gengival melhora o controlo glicémico de forma a garantir o melhor uso dos recursos clínicos. 

Caraterísticas dos estudos

A pesquisa foi realizada em seis bases de dados e encontrámos 35 ensaios relevantes em que pessoas com diabetes e periodontite foram aleatoriamente alocadas para um grupo experimental ou para um grupo de controlo. Os grupos experimentais receberam o tratamento da doença gengival chamado instrumentação subgengival, também conhecido como raspagem e alisamento radicular ou curetagem subgengival. Em alguns grupos experimentais, a instrumentação subgengival foi complementada com instruções para uma limpeza correta dos dentes (instrução para a higiene oral), ou outros tratamentos de gengiva, por exemplo, antimicrobianos, que são usados para tratar infeções. Os grupos de controlo não receberam tratamento ativo ou cuidados de rotina, que consistiam na instrução em higiene oral, apoio na higiene oral e/ou remoção de placa acima da linha da gengiva. 

Os ensaios aleatorizaram 3249 participantes no total. Quase todos os participantes tinham diabetes do tipo 2, com um controle metabólico entre bom, regular ou mau. A maioria dos estudos foi realizado em hospitais. Os estudos acompanharam os participantes durante 3 a 12 meses.

Resultados-chave

A evidência de 30 ensaios (resultados de 2443 participantes) demonstrou que o tratamento da periodontite reduz os níveis de açúcar no sangue (medido pelo HbA1c) em média 0,43 pontos percentuais (ex.: de 7,43% para 7%; 4,7 mmol/mol) em pacientes diabéticos, 3 a 4 meses depois de serem tratados comparando com ausência de tratamento ativo ou cuidado de rotina. A diferença de 0,30% (3,3 mmol/mol) foi conseguida após 6 meses (12 estudos), e 0,50% (5,4 mmol/mol) após 12 meses (um estudo).

Não existiram estudos suficientes a medir os efeitos secundários para ser possível avaliar o risco de danos provocados pelos tratamentos da doença gengival.

Qualidade da evidência

A maioria dos estudos foram realizados de uma forma que os levou a ter um alto risco de viés ou não forneciam informação suficiente para os avaliarmos criticamente. No entanto, a consistência das nossas conclusões sugere que são fiáveis e que com pesquisa futura é pouco provável que sejam alteradas. 

Em resumo, atualmente há evidência de certeza moderada para apoiar o tratamento da doença gengival (conhecido como instrumentação subgengival) no controlo dos níveis de açúcar no sangue em pessoas com periodontite (doença gengival) e diabetes até 12 meses após o início do tratamento periodontal.

Data da pesquisa

A evidência encontra‐se atualizada até 7 de setembro de 2021.

Conclusão dos autores: 

A nossa atualização em 2022 a esta revisão duplicou o número de estudos incluídos e participantes, o que levou a uma mudança nas conclusões relativas ao desfecho primário - controlo da glicémia, mas também acerca do nível de certeza que temos relativamente a esta conclusão. Neste momento, temos evidência de certeza moderada que indica que o tratamento periodontal com instrumentação subgengival melhora o controlo da glicémia de forma clinicamente significativa em pessoas com periodontite e diabetes quando comparada com a ausência de tratamento ou quando é realizado um cuidado de rotina. É improvável que ensaios futuros que avaliem o tratamento periodontal versus a ausência de tratamento/cuidado de rotina mudem a conclusão geral que foi obtida nesta revisão.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

O controlo da glicémia é um componente-chave da regulação da diabetes mellitus (diabetes). A periodontite é uma doença oral que se apresenta como inflamação e destruição dos tecidos de suporte do dente. Alguns estudos sugerem uma relação bidirecional entre o controlo da glicémia e a periodontite. 

O tratamento para a periodontite envolve a instrumentação subgengival, que é a remoção profissional da placa, cálculo, e detritos que se encontram abaixo da linha gengival, de forma manual ou então com instrumentos ultrassónicos. Isto é conhecido como raspagem e alisamento radicular, desbridamento mecânico, ou tratamento periodontal não cirúrgico. A instrumentação subgengival é por vezes complementada pela aplicação de antimicrobianos locais ou sistémicos, e ocasionalmente por intervenção cirúrgica para remover o tecido gengival afectado em casos de periodontite severa.

Esta revisão é a primeira parte da atualização de uma revisão publicada em 2010 e que foi atualizada a primeira vez em 2015, e avalia o tratamento periodontal versus nenhum tratamento ou cuidado de rotina. 

Objetivos: 

Investigar os efeitos do tratamento periodontal no controlo da glicémia em pessoas com diabetes mellitus e periodontite.

Métodos de busca: 

Um perito pesquisou em seis bases de dados bibliográficas até ao dia 7 de setembro de 2021, e foram usados métodos adicionais de pesquisa para identificar estudos publicados, não publicados e que estavam a decorrer. 

Critério de seleção: 

Foram pesquisados ensaios controlados aleatorizados (ECAs) de pessoas com diabetes mellitus do tipo 1 e do tipo 2 e com diagnóstico de periodontite que compararam a instrumentação subgengival (por vezes com tratamento cirúrgico ou acompanhado de terapia antimicrobiana ou ambos) com a ausência de intervenção ativa ou com a realização de cuidados de rotina (instrução, educação ou intervenções de suporte em higiene oral, e/ou raspagem supragengival (também conhecido como RMPP, remoção mecânica profissional de placa). Para serem incluídos, os ECAs tinham de ter durado pelo menos 3 meses e tinham de medir a HbA1c (hemoglobina glicosilada).

Coleta dos dados e análises: 

Pelo menos dois autores desta revisão examinaram independentemente os títulos e resumos obtidos pela pesquisa, selecionaram os ensaios que foram incluídos, extraíram dados dos ensaios incluídos, e avaliaram o risco de viés dos ensaios incluídos. Quando necessário e possível, houve a tentativa de contacto com os autores dos estudos.

O nosso desfecho primário foi o nível de glicose sanguínea, medida através dos resultados da hemoglobina glicosilada (HbA1c), que pode ser expressa em forma de percentagem em relação à hemoglobina total ou como milimoles por mole (mmol/mol).

Os nossos desfechos secundários incluíram efeitos adversos, índices de periodontite (sangramento à sondagem, nível de inserção clínica, índice gengival, índice de placa, e profundidade à sondagem no sulco), qualidade de vida, implicações de custo e complicações diabéticas.

Principais resultados: 

Incluímos 35 estudos, que aleatorizaram 3249 participantes para tratamento periodontal ou controlo Todos os estudos usaram um desenho de estudo de ECA paralelo e acompanharam os pacientes durante 3 a 12 meses. Os estudos focaram-se em pessoas com diabetes tipo 2, à exceção de um estudo que incluiu participantes com o diabetes do tipo 1 e tipo 2. A maioria dos estudos apresentou resultados mistos em relação ao controle metabólico dos participantes no início do estudo, variando entre bom, regular ou mau. A maioria dos estudos foram realizados em cuidados de saúde secundários. 

Avaliámos dois estudos como tendo baixo risco de viés, 14 estudos como tendo alto risco de viés, e o risco de viés de 19 estudos era inconclusivo. Realizámos uma análise de sensibilidade para o nosso desfecho primário baseado nos estudos com baixo risco de viés que apoiou as principais conclusões.

Evidência de certeza moderada proveniente de 30 estudos (2443 participantes analisados) demonstrou uma redução absoluta na HbA1c de 0,43% (4,7 mmol/mol) 3 a 4 meses depois do tratamento da periodontite [intervalo de confiança (IC) 95% ‐0,59% a ‐0,28%; ‐6,4 mmol/mol a ‐3,0 mmol/mol). De forma semelhante, depois de 6 meses, descobrimos uma redução absoluta no HbA1c de 0,30% (3,3 mmol/mol) (IC 95% ‐0, 52% a ‐0,08%; ‐5,7 mmol/mol a ‐0,9 mmol/mol; 12 estudos, 1457 participantes), e depois de 12 meses, uma redução absoluta de 0,50% (5,4 mmol/mol) (IC 95% ‐0,55% a ‐0,45%; ‐6,0 mmol/mol a ‐4,9 mmol/mol; 1 estudo, 264 participantes).

Estudos que mediam efeitos adversos descreviam, de uma forma geral, que não ocorreram ou apenas ocorreram danos leves, e que quaisquer eventos adversos severos foram semelhantes para ambos os grupos controlo ou intervenção. No entanto, os efeitos adversos de tratamentos periodontais não foram avaliados na maioria dos estudos.

Notas de tradução: 

Traduzido por: Carlota Duarte de Mendonça, Bruno Rosa, Joana Faria Marques, João Silveira e António Mata, Centro de Estudos de Medicina Dentária Baseada na Evidência, Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa. Revisão final: Ricardo Manuel Delgado, Knowledge Translation Team, Cochrane Portugal.

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