Tratamento da inflamação crónica da gengiva (periodontite) para prevenir doenças cardíacas e dos vasos sanguíneos (cardiovasculares)

Pergunta de revisão

A principal questão abordada por esta revisão foi se os tratamentos para a periodontite crónica (inflamação da gengiva) podem prevenir ou monitorizar as doenças cardiovasculares (coração e vasos sanguíneos).

Contextualização

A periodontite crónica causa inchaço e dor nas gengivas, bem como a perda do osso que suporta os dentes. O termo "crónico" significa que a doença persistiu por algum tempo sem tratamento. Atualmente, a classificação "periodontite crónica" está gradualmente a cair em desuso, uma vez que existe um novo sistema para categorizar diferentes tipos de doenças gengivais, mas utilizámos este termo na nossa revisão porque os estudos que encontrámos se baseavam no sistema antigo.

Pode existir uma ligação entre a periodontite e as doenças cardiovasculares. O tratamento para a periodontite crónica elimina bactérias e infeções, controla a inflamação, e acredita-se que isso possa ajudar a prevenir a ocorrência ou recorrência de doenças do coração e dos vasos sanguíneos. Queríamos então saber se a terapia periodontal poderia ajudar a prevenir a morte, ou reduzir a probabilidade de ter "ataques" cardiovasculares como um AVC ou um ataque cardíaco.

Caraterísticas dos estudos

Pesquisámos nas principais bases de dados eletrónicas por estudos científicos conhecidos como “ensaios clínicos aleatorizados”, até novembro de 2021. Neste tipo de estudo, os participantes são alocados de forma aleatória a um grupo experimental ou de controlo. As pessoas do grupo experimental recebem o tratamento que está a ser testado e as do grupo de controlo geralmente não recebem qualquer tratamento, placebo (tratamento falso) ou outro tipo de tratamento ou cuidados de rotina.

Encontrámos dois estudos para incluir na nossa revisão. Um estudo avaliou 165 participantes que não tinham doenças cardiovasculares mas tinham síndrome metabólica (uma combinação de fatores de risco para doenças cardiovasculares, tais como: obesidade, tensão arterial elevada e açúcar elevado no sangue). O outro estudo começou com 303 participantes que tinham doenças cardiovasculares, mas após um ano, apenas 37 participantes foram avaliados e, portanto, considerámos que os resultados não eram confiáveis o suficiente para serem utilizados. Ambos os estudos tiveram problemas com a sua metodologia e por isso considerámos que apresentavam um alto risco de viés.

Resultados principais

Em pessoas com síndrome metabólica mas sem doenças cardiovasculares, fomos incapazes de determinar se o tratamento da periodontite crónica, através da remoção da placa bacteriana e tártaro das raízes dos dentes ("raspagem") e da administração de antibióticos, reduziu o risco de morte ou de ter ataques cardiovasculares quando comparado com a raspagem dos dentes apenas acima da margem gengival.

Para pessoas com doenças cardiovasculares e periodontite crónica, não encontrámos provas fiáveis sobre os efeitos do tratamento periodontal.

Qualidade da evidência

Classificámos a evidência como tendo um grau de certeza “muito baixo”. Temos dúvidas quanto aos resultados porque existem apenas dois pequenos estudos, com elevado risco de viés, e com resultados muito imprecisos. Globalmente, não podemos retirar conclusões fiáveis a partir dos resultados. Será necessária pesquisa ulterior.

Conclusão dos autores: 

Relativamente à prevenção primária da doença cardiovascular (DCV) em pessoas diagnosticadas com periodontite e síndrome metabólica, a evidência de muito baixa certeza, foi inconclusiva relativamente aos efeitos da raspagem e alisamento radicular em combinação com antibioterapia comparativamente a raspagem supra-gengival. No que se refere à prevenção secundária, em pessoas diagnosticadas com periodontite crónica e DCV, não existe atualmente evidência fiável. Desta forma, frisa-se a necessidade de mais ensaios clínicos para que seja possível chegar a conclusões sobre a possibilidade de o tratamento da doença periodontal ajudar a prevenir a ocorrência ou recorrência da DCV.

Leia o resumo na íntegra...
Introdução: 

Poderá existir uma associação entre a periodontite e a doença cardiovascular (DCV), contudo, a evidência tem sido incerta sobre o facto de a terapia periodontal poder ajudar a prevenir a DCV em pessoas diagnosticadas com periodontite crónica. Esta é a terceira atualização de uma revisão originalmente publicada em 2014, e mais recentemente atualizada em 2019. Embora exista um novo sistema multidimensional que permite o estadiamento e classificação da periodontite, mantivemos o termo “periodontite crónica" nesta versão da revisão, uma vez que os estudos disponíveis se baseiam no sistema de classificação anterior.

Objetivos: 

Investigar os efeitos da terapia periodontal na prevenção primária ou secundária da DCV em pessoas com periodontite crónica.

Métodos de busca: 

Um perito pesquisou em cinco bases de dados bibliográficas até ao dia 17 de novembro de 2021, e foram usados métodos adicionais de pesquisa para identificar estudos publicados, não publicados e a decorrer.

Adicionalmente, pesquisámos na Chinese BioMedical Literature Database, na China National Knowledge Infrastructure, na VIP Database e na Sciencepaper Online até Março de 2022.

Critério de seleção: 

Incluímos ensaios clínicos aleatorizados (ECAs) que comparavam a terapia periodontal ativa com a ausência de tratamento periodontal ou com um tratamento periodontal diferente. Os estudos incluídos foram realizados com participantes diagnosticados com periodontite crónica e que poderiam apresentar DCV (estudos de prevenção secundária) ou não (estudos de prevenção primária).

Coleta dos dados e análises: 

Dois autores da revisão, de forma independente e em duplicado, procederam à seleção dos estudos, extração dos dados e avaliação do risco de viés. As divergências foram resolvidas por discussão ou com um terceiro autor da revisão. Adotámos um formulário de extração de dados, após teste piloto, e usámos a ferramenta da Cochrane para avaliação do risco de viés. Recorremos ainda a critérios GRADE para avaliar a qualidade da evidência.

Principais resultados: 

Não existem novos ECAs concluídos sobre este tema desde que publicámos a nossa última atualização em 2019.

Incluímos dois ECAs na revisão. Um dos estudos focou-se na prevenção primária da DCV enquanto o outro abordou a prevenção secundária. Ambos foram classificados com alto risco de viés. Os principais desfechos de interesse foram a mortalidade (por todas as etiologias e relacionada com a DCV) e todos os eventos cardiovasculares, medidos com um ano de seguimento ou mais.

Relativamente à prevenção primária da DCV em participantes com periodontite e síndrome metabólica, um estudo (165 participantes) providenciou evidência de muito baixa certeza. Ocorreu apenas uma morte no estudo; não pudemos determinar se a raspagem e alisamento radicular em combinação com amoxicilina e metronidazol poderia reduzir a incidência de morte por todas as etiologias (Peto odds ratio (OR) 7,48, intervalo de confiança (IC) 95% 0,15 a 376,98) ou de todas as mortes relacionadas com DCV (Peto OR 7,48, IC 95% 0,15 a 376,98). Não pudemos excluir a possibilidade de que a raspagem e alisamento radicular em combinação com amoxicilina e metronidazol pudesse incorrer no aumento de eventos cardiovasculares (Peto OR 7,77, IC 95% 1,07 a 56,1) medido aos 12 meses de seguimento.

Relativamente à prevenção secundária da DCV, um estudo piloto aleatorizou 303 participantes, onde foram alocados para receberem raspagem e alisamento radicular bem como instruções de higiene oral (tratamento periodontal), ou, para receberem instruções de higiene oral e uma cópia das radiografias, acompanhada pela recomendação de fazerem o seguimento com um médico dentista (cuidados comunitários). Uma vez que os eventos cardiovasculares tinham sido medidos durante diferentes períodos de tempo, entre 6 e 25 meses, e apenas 37 participantes estavam disponíveis e com pelo menos um ano de acompanhamento, considerou-se que os dados apresentados não eram suficientemente robustos para serem incluídos na presente revisão. O estudo não avaliou a mortalidade por todas as etiologias nem a mortalidade relacionada com a DCV. Não foi possível concluir sobre os efeitos da terapia periodontal na prevenção secundária da DCV.

Notas de tradução: 

Traduzido por: Carlota Duarte de Mendonça, Bruno Rosa, Joana Faria Marques, João Silveira e António Mata, Centro de Estudos de Medicina Dentária Baseada na Evidência, Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa. Revisão final: Ricardo Manuel Delgado, Knowledge Translation Team, Cochrane Portugal.

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