Os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRSs) são remédios que vêm sendo usados há muitos anos, principalmente para o tratamento de transtornos do humor, como a depressão. Estudos em animais mostraram que os ISRSs podem ter outros efeitos diretos sobre o cérebro, como o de incentivar o desenvolvimento de novas células cerebrais. Se isso também ocorre em humanos, esses remédios poderiam também ajudar na recuperação dos pacientes que tiveram um acidente vascular cerebral (AVC, ou derrame). Esta revisão reuniu os resultados de 52 estudos (4.060 participantes) que avaliaram o uso de ISRSs em pessoas que tinham tido um derrame no ano anterior, para descobrir se os ISRSs ajudariam a reduzir a dependência e a incapacidade dessas pessoas. A revisão encontrou evidências promissoras de que os ISRSs podem melhorar a recuperação após o AVC, mesmo em pacientes que não estavam deprimidos. Agora, é necessário fazer mais estudos com um grande número de pacientes para confirmar ou refutar estas conclusões e para saber se os ISRSs aumentam o risco de efeitos colaterais, como convulsões. Se foram realmente eficazes, os ISRSs podem ser um tratamento de baixo custo, simples e de fácil uso para os pacientes que sofreram um derrame.
O uso de ISRSs parece melhorar dependência, a incapacidade, o déficit neurológico, a ansiedade e a depressão dos pacientes que tiveram um AVC. Porém houve heterogeneidade entre os estudos e muitos deles tinham limitações metodológicas. É necessário realizar estudos bem desenhados e com tamanho amostral maior para saber se os ISRSs devem ser dados de rotina para todos pacientes que sofreram um AVC.
O acidente vascular cerebral (AVC) é uma causa importante de incapacidade em adultos. Os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRSs) têm sido usados por muitos anos para o tratamento da depressão. Recentemente alguns ensaios clínicos com poucos participantes mostraram que os ISRSs pode melhorar a recuperação de pacientes que sofreram um AVC, mesmo que eles não estejam deprimidos. As revisões sistemáticas e metanálises são a maneira de reunir dados de vários estudos que têm o menor risco de viés. Tendo em vista os resultados promissores de estudos pequenos sobre os ISRSs nos pacientes com AVC, é necessária uma revisão sistemática e metanálise.
Avaliar se os ISRSs melhoram a recuperação de pacientes com AVC, e se esse tratamento provoca efeitos adversos.
As buscas foram realizadas nas seguintes bases de dados eletrônicas: Cochrane Stroke Group Trials Register (agosto de 2011), Cochrane Depression Anxiety and Neurosis Group Trials Register (novembro de 2011), Cochrane Central Register of Controled Trials (CENTRAL)The Cochrane Library 2011, edição 8), MEDLINE (desde 1948 a agosto de 2011), Embase (desde 1980 a agosto de 2011), CINAHL (desde 1982 a agosto de 2011), AMED (Allied and Complementary Medicine) (desde 1985 a agosto de 2011), PsycINFO (desde 1967 a agosto de 2011) e PsycBITE (Psychological Database for Brain Impairment Treatment Efficacy) (março de 2012). Para identificar mais estudos publicados, não publicados e em andamento, fizemos buscas nas plataformas de registros de ensaios clínicos, nas páginas web da indústria farmacêutica e nas listas de referência dos estudos incluídos. Também entramos em contato com especialistas e realizamos o rastreamento das citações dos estudos incluídos.
Foram incluídos ensaios clínicos randomizados que recrutaram sobreviventes de AVC (isquêmico ou hemorrágico) durante o primeiro ano do evento, que receberam qualquer ISRS, administrado em qualquer dose, por qualquer período de tempo. Excluímos os estudos que usaram drogas com efeitos farmacológicos mistos. Os comparadores foram cuidados habituais ou placebo. Para serem incluídos, os estudos tinham que coletar dados sobre pelo menos um dos nossos desfechos primários (dependência e incapacidade) ou secundários (deficiências, depressão, ansiedade, qualidade de vida, fadiga, custos com cuidados da saúde, morte, eventos adversos e abandono precoce do estudo).
Colhemos dados sóciodemográficos, tipo de AVC, tempo decorrido desde o AVC, nossos desfechos primários e secundários e fontes de viés. Para os estudos em inglês, dois revisores extraíram independentemente os dados. Para os artigos chineses, um revisor extraiu os dados. Os efeitos das variáveis contínuas foram avaliados através da diferenças de médias padronizadas (inglês: SMD); para as variáveis dicotômicas, usamos o risco relativo (RR). Em ambos os casos, calculamos os respectivos intervalos de confiança de 95% (95% CI).
Encontramos 56 estudos publicados que testaram 2 ISRS versus um controle, dos quais 52 estudos (4.060 participantes) forneceram dados para as metanálises. O uso de ISRs produziu benefícios estatisticamente significativos em ambos os desfechos primários. Baseado em 1 estudo, o RR para redução da dependência no final do tratamento foi de 0,81 (95% CI 0,68 a 0,97). A SMD para o escore de incapacidade foi 0,92 (95% CI 0,62 a 1,23; 22 estudos envolvendo 1.310 participantes), com elevada heterogeneidade entre estudos (I2 = 85%; P < 0,0001). A intervenção também produziu diferenças significativas sobre o déficit neurológico, a depressão e a ansiedade. A SMD para o escore de déficit neurológico foi -1,00 (95% CI-12,6 a -0,75), 29 estudos envolvendo 2.011 participantes, com elevada heterogeneidade entre estudos (I2 = 86%; P < 0,00001). O RR para depressão, avaliada como desfecho dicotômico, foi 0,43 (95% CI 0,24 a 0,77), 8 estudos envolvendo 771 participantes, com elevada heterogeneidade entre estudos (I2 = 77%; P < 0,0001). A SMD para depressão como variável contínua, foi -1,91 (95% CI -2,34 a -1,48), 39 estudos envolvendo 2728 participantes, com elevada heterogeneidade entre estudos (I2 = 95%; P < 0,00001). A SMD para ansiedade foi -0,77 (95% CI -1,52 a -0,02), 8 estudos envolvendo 413 participantes, com elevada heterogeneidade entre os estudos (I2 = 92%; P < 0,00001). Não houve nenhum benefício estatisticamente significativo de uso de ISRS na cognição, na mortalidade ou nos déficits motores ou sobre a taxa de abandono precoce. Para a cognição, o SMD foi 0,32 (95% CI -0,23 a 0,86), 7 estudos envolvendo 425 participantes, com elevada heterogeneidade (I2 = 86%; P < 0,00001). O RR para mortalidade foi 0,76 (CI 95% 0,34 a1,70), 46 estudos envolvendo 3.344 participantes, sem heterogeneidade entre os estudos (I2 = 0%; P = 0,85). Para déficit motor, a SMD foi -0,33 (95% CI -1,22 a 0,56), 2 estudos envolvendo 145 participantes. O RR para abandono precoce foi de 1,02 (CI 95% 0,86 a 1,21) a favor do controle, sem heterogeneidade entre os estudos. Os participantes que receberam ISRS tiveram um aumento não significativo de convulsões (RR 2,67; CI 95% 0,61 para 11,63), 7 estudos envolvendo 444 participantes, e de efeitos colaterais gastrointestinais (RR 1,90; 95% CI 0,94 a 3,85), 14 estudos envolvendo 902 participantes e de sangramento (RR 1,63; 95% CI 0,20 a 13,05), 2 estudos envolvendo 249 participantes. Nenhum dos estudos apresentou dados sobre os efeitos da intervenção na qualidade de vida, fadiga ou custos com cuidados de saúde.
As análises de subgrupo não mostraram evidências claras de que um tipo de ISRS tenha sido consistentemente superior a outro, ou de que o tempo desde o AVC ou de que a existência de depressão no recrutamento tenham tido grande influência sobre o tamanho dos efeitos. As análises de sensibilidade indicam que o tamanho dos efeitos eram menores com a exclusão dos estudos com risco de viés elevado ou incerto.
Apenas 8 estudos forneceram dados sobre os desfechos após o tratamento ter sido concluído. Em geral, o tamanho dos efeitos foi a favor do uso de ISRSs, mas os intervalos de confiança foram grandes.
Tradução do Centro Cochrane do Brasil (Arnaldo Alves da Silva)